Em nosso último texto sobre os desafios da ABA ao autismo no Brasil discutimos a importância da participação dos pais, e demais membros da família, na intervenção comportamental de seus filhos e o real impacto disso nos resultados obtidos na terapia. Agora, precisamos também discutir como nós, profissionais que recebemos esses pacientes, ou seja, a missão do profissional de ABA com as famílias de indivíduos com autismo.
Em parte, essa pergunta foi respondida no texto anterior quando mencionamos a necessidade de acolhimento da família e avaliação de seu estado psíquico para, se necessário, encaminhamento para terapia familiar paralelamente a intervenção em ABA com a criança. Entretanto, esse texto tem o objetivo de descrever mais detalhadamente a maneira como esse acolhimento deve ser conduzido.
Apesar de ser Analista do Comportamento e, portanto, quase sempre escrever com base em dados e registros obtidos de forma precisa, esse texto se baseia quase que exclusivamente em minha experiencia pessoal ao longo desses dez anos de prática como terapeuta, supervisora e, hoje, consultora ABA. Emily Perl Kingsley, mãe de uma criança com Síndrome de Down, escreveu um conhecido texto cujo título é “Bem-vindo à Holanda”. Esse texto compõe um elucidativo relato dos sentimentos de uma mãe ao descobrir que tem um filho especial. Emily utiliza a metáfora de alguém que se prepara para ir a Itália e ver o Coliseu, Davi de Michelangelo, as gôndolas de Veneza e “após meses de ansiosa expectativa, finalmente chega o dia. Você arruma suas malas e vai embora. Várias horas depois, o avião aterrissa. A comissária de bordo chega e diz: “Bem-vindos à Holanda”. A primeira vez que me deparei com esse texto, já trabalhava com crianças famílias de crianças autistas a cinco anos e fiquei muito emocionada. A sensação de ver uma mãe ou um pai contar com a voz quase falhando que seu filho foi diagnosticado com algo que eles não sabem nem mesmo o que significa é indescritível. Muitas vezes, algumas mães nem conseguiram terminar a conversa ao telefone ou a sessão de anamnese antes de cair em lágrimas. Como Analista do Comportamento, sempre soube que o melhor caminho é informar sobre o autismo e mostrar que a criança pode, quando tratada com a intervenção adequada em ABA, progredir muito e que o desespero deve se transformar em esperança. Aprendi com um psiquiatra, que considero um grande mestre, que a informação correta é capaz de dar um rumo a família. Sendo assim, sempre acolhi a família e procurei nutri-la de o máximo de informação e opções possíveis como forma de plantar esperança e ajuda-los a construir um caminho.
Entretanto, apenas a pouco tempo tive a oportunidade de ouvir de uma mãe o que de fato devemos fazer, e as vezes sem perceber já fazemos. Essa mãe descreveu nosso trabalho utilizando a mesma metáfora do texto de Emily, dizendo: “quando eu encontrei vocês, me senti acolhida na Holanda. Ok, não era para lá que eu queria ter ido, mas uma vez que eu lá estava, vocês me ensinaram os costumes, a língua e me fizeram perceber que eu não estava sozinha”. Acredito que a partir desse momento tive a dimensão exata da responsabilidade que temos.
A responsabilidade primeira de todo o profissional deve ser a ética de sempre saber o máximo possível daquilo que está fazendo, não existe “boa intenção” sem a formação técnica e científica adequada. Evidentemente, que somos humanos e, portanto, falhos. A ciência do comportamento, assim como todas as outras, evolui e nosso compromisso é o de nos manter atualizados e trazer sempre as melhores tecnologias de intervenção aos nossos pacientes. Acredito que esse seja nosso principal compromisso. Me lembro o que uma grande Analista do Comportamento, que tenho o privilégio de ter como colega de trabalho, me disse ao descobrir uma nova escala de habilidades sociais nos Estados Unidos e trazê-la pela primeira vez ao Brasil em 2015: “nossa, agora eu posso fazer o que eu já fazia, mas de maneira ainda melhor”. Esse é o espírito do Analista do Comportamento.
Em segundo lugar, o profissional deve conseguir enxergar as suas limitações e encaminhar o paciente a outro profissional assim que perceber que não consegue mais ajuda-lo. Por isso, a minha emoção ao ouvir essa mesma mãe dizer: “vocês fizeram exatamente o que disseram que fariam”. Honrar com aquilo que é proposto a família é, também, fundamental.
Muitos colegas dizem a respeito de nós, profissionais que trabalham com crianças especiais, que temos mais que um trabalho, temos uma missão. Assim, e parafraseando Emily uma vez mais: a nossa missão deve ser auxiliar a família a aceitar a realidade de não ter chegado à Itália para conseguir aproveitar e ser feliz com sua vida na Holanda.
Dedicado à uma grande mãe, parceira e amiga.
http://www.grupoconduzir.com.br/2013/05/bem-vindo-a-holanda/