Segue abaixo uma breve adaptação e tradução dos artigos escritos por Mathew Brensilver, PhD (http://www.mindfulschools.org/author/matthew/). Matthew fala enquanto uma das pessoas envolvidas na criação do Mindful Schools, um dos mais atuais programas de mindfulness para escolas. Ao mesmo tempo em que é cientista, Matthew é um comprometido praticante Budista. Ele desenvolveu essas guidelines como guia para os professores do Mindful Schools, mas sugere que sejam expandidas para todos que pretendem trabalhar com atenção plena. Estas guidelines não são as “conhecidas” UK GUIDELINES. Não confundam.
Vale lembrar que alguns professores de meditação e de mindfulness (sim, eu faço diferenciação entre estas duas coisas) não pensam de modo similar ao Matthew. Em particular, professores de programas similares aos de mindfulness que emergiram “de dentro” do Budismo, como o Cultivating Emotional Balance (CEB) e o Cognitive-Based Compassion Training (CBTC), podem ter opinião oposta.
Recentemente, o prof. Alan Wallace declarou que o futuro do mindfulness – como um tudo – é o mindfulness budista.
Está ocorrendo, neste exato momento, uma grande “reação” do universo budista à suposta secularização e alegada “apropriação” das práticas contemplativas por parte da ciência. Diversos programas desenvolvidos por professores budistas, como Geshe Lobsang e Thupten Jinpa, estão sendo apresentados dentro do universo científico. Estes programas tendem a “agradar” mais aos budistas (mas agrada não-budistas também hehe), pois parecem garantir um tipo de “fidelidade aos ensinamentos originais” que não está presente nas tradicionais intervenções baseadas em mindfulness, como o MBSR e o MBCT. O mesmo pode ser dito em relação à chamada DBT, modelo psicoterapêutico que incorpora – indiretamente – práticas do Zen. A verdade é que a práticas do tipo “instropectivas” (ou seja lá como chamam) estão metidas em quase tudo que é contemporâneo em medicina comportamental e psicoterapia.
Minha tese de doutorado, que em breve será publicada, se debruçou exatamente sobre este espinhoso assunto!
É importante respeitar a avaliar cada opinião com sabedoria e discernimento. É na diferença de opiniões, e no debate amoroso, que crescemos. Qual a sua opinião? Mindfulness deve se manter como secular, religioso ou uma espécie de hibridismo das duas formas? Se pensarmos em um hibridismo, a base seria mais enraizada na espiritualidade (como o programa do CBTC) ou mais na ciência (como o MBCT)? É possível um balanço perfeito entre ciência e espiritualidade? É necessário transmitir valores espirituais no mindfulness? O tema é delicado
Segue abaixo o texto do prof. Matthew, com suas guidelines, defendendo uma idéia de mindfulness como prática secular ! Aproveitem!
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Por Matthew Brensilver, PhD.
Mindfulness está ganhando um lugar proeminente na sociedade – em medicina, saúde mental e educação. Embora este desenvolvimento tenha sido largamente anunciado por líderes políticos e médicos, preocupações ocasionais são levantadas sobre a secularidade (não-religiosidade) da atenção plena. Alguns críticos, por exemplo, sugeriram que a atenção plena (mindfulness) representa uma tentativa disfarçada de estabelecer religião dentro da esfera secular. Eles destacam o fato de que as práticas de mindfulness foram originalmente articuladas nas tradições religiosas orientais, em particular em algumas vertentes do Budismo.
Pensamos que, enquanto educadores, é importante declararmos um compromisso inequívoco com uma abordagem completamente secular da prática de atenção plena. Estamos firmemente empenhados em integrar a atenção plena na educação de uma forma que não promova nem iniba as crenças religiosas (ou falta de crenças) de educadores ou estudantes. Para esclarecer esse compromisso, primeiro devemos responder a pergunta: “O que significa ser secular?”. Simplesmente preceder de uma tradição religiosa não pode desqualificar uma idéia ou prática de ser secular. Por exemplo, os valores de generosidade e compaixão estão profundamente incorporados nas religiões do mundo, mas isso não serve como causa de impedimento de incorporarmos a generosidade e a compaixão na vida secular.
Em vez disso, destacamos três características da secularidade incorporadas pelo movimento de atenção plena:
1. Rejeição da noção de que alguns textos ou idéias têm status especial e protegido;
2. Abertura para revisão com base na evidência emergente de outros discursos seculares, como o científico e o filosófico;
3. O objetivo principal não está assentado em um conjunto de crenças ou doutrinas, mas no envolvimento com práticas que melhoram o bem-estar.
As tradições religiosas geralmente promovem livros ou idéias particulares (bíblia, sutras, etc) e oferecem a essas ideias um status epistêmico especial. Os seguidores de uma religião geralmente atribuem autoridade distintiva aos livros santificados de sua tradição, e as reivindicações de tais textos não são avaliadas de acordo com os mesmos padrões que outras reivindicações de conhecimento. Em contraste, rejeitamos a noção de que livros ou idéias relacionadas à atenção plena estão acima do escrutínio. Quando uma reivindicação é feita sobre a atenção plena, os proponentes devem estar totalmente dispostos a submeter essas alegações a uma avaliação rigorosa (muitas vezes científica). Não há deferimento para reivindicações baseadas na tradição ou em algum texto autorizado.
A atenção plena é um discurso secular, na medida em que permanece radicalmente aberta à revisão com base em evidências emergentes. A atenção plena faz afirmações que são explicitamente empíricas – afirmações sobre a natureza do bem-estar, do sofrimento humano e do florescimento. Muitas dessas alegações podem ser melhor avaliadas por métodos científicos. Se os estudos fornecem evidências que desafiem as reivindicações da atenção plena, é incumbente a atenção dos professores e dos pesquisadores a esses desafios. Tais desafios já surgiram na literatura científica e há uma crescente apreciação dos limites da prática de atenção plena.
Por último, a atenção plena é secular na medida em que seu objetivo central não é incutir um conjunto particular de crenças, mas apoiar práticas introspectivas que atenuam a angústia e melhoram o bem-estar. O praticante avançado de atenção plena não é uma pessoa que declara verdades metafísicas, mas uma pessoa que cultivou sua atenção de tal forma que ela luta menos, procura ter mais contentamento e lidar com os outros com maior habilidade interpessoal.
Quando fundamos nossa organização, buscamos articular as práticas da maneira mais inclusiva possível. Queríamos que todos se sentissem igualmente bem-vindos em nossa comunidade, independentemente da orientação religiosa. Nosso compromisso duradouro com a secularidade reflete o valor fundamental da inclusão. Somente uma articulação profundamente secular da atenção plena evita excluir pessoas que, de outro modo, poderiam estar interessadas na prática. Para honrar a autonomia dos alunos e dos membros da nossa comunidade, a laicidade da atenção plena é uma preocupação primordial.
Como educadores que compartilham o ensino da atenção plena é importante esclarecermos e afirmarmos nossas intenções. Quando compartilhamos a atenção plena, não estamos tentando impor um sistema de crença abrangente.Também não queremos oferecer ou impedir quaisquer compromissos religiosos que os alunos ou professores possam ter. Nosso objetivo é simples: apoiar o bem-estar das pessoas, compartilhando práticas simples, e desenvolver uma atitude de indagação em torno de como é nossa experiência, e como a mente funciona.
Com este espírito, gostaríamos de fazer algumas recomendações para apoiar o ensino secular de mindfulness:
1 – As práticas de atenção plena devem ser articuladas na língua da população atendida, evitando estrangeirismos (termos sânscritos, pali, ou até mesmo inglês), quando possível;
2 – Não há como conduzir uma aula de forma completamente neutra sendo razoável afirmar valores humanísticos, como bondade, cooperação, empatia ou concentração. No entanto, a atenção plena não é uma tentativa de ensinar um sistema ético abrangente (como é o caso do Budismo, e outras filosofias com éticas abrangentes)
3 – Ensine as práticas de uma maneira direta e experiencial, segundo a qual as pessoas possam examinar a validade das reivindicações dentro de sua própria experiência subjetiva. O espírito é de curiosidade encorajadora, como se conduzisse um experimento com a própria mente e corpo.
4 – Não inicie ou promova alegações metafísicas (por exemplo, “a natureza do universo é amor” ou “Buda esclareceu sobre o Samsara”). Se tais perguntas ou comentários surgirem, apoie a curiosidade do praticante ao esclarecer o alcance da prática de atenção plena e redirecione a conversa para o domínio subjetivo ou empírico.
5 – Considere mindfulness (atenção plena) como uma prática sobre experiências subjetivas, e não sobre verdades globais do universo.
6 – Evite símbolos ou artefatos intimamente ligados a uma tradição religiosa em particular (por exemplo, fazendo gestos particulares com as mãos, curvando-se, usando adereços religiosos, etc.).
7 – Não comprovar a eficácia das práticas com base em figuras ou textos religiosos. Ao mesmo tempo, tome cuidado para não denegrir práticas ou textos religiosos.
8 – Ensine de forma consistente com os entendimentos científicos atuais da biologia humana e do comportamento.
Esperamos que essas diretrizes apoiem o seu ensino de mindfulness.