O início da aplicabilidade dos acompanhantes terapêuticos ou ATs, foi no processo de desinstitucionalização da saúde mental. A atuação desses profissionais resumia-se às pessoas que tinham transtornos mentais mais severos. Este movimento teve início a partir da década de 50 na Europa e nos Estados Unidos, após a Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada em 1948, sendo somente no final da década de 60 a chegada na América do Sul mais especificamente na Argentina e depois no Brasil. Essa perspectiva recém-chegada deu origem às novas funções de acompanhamento para esses agentes (BARRETO, 1998; BENEVIDES, 2007). O termo acompanhante terapêutico passou a intitular os especialistas que atuavam fora das práticas clinicas tradicionais dos consultórios.
Sendo a Escola um ambiente no qual as crianças têm a oportunidade de aprender e se desenvolver de várias maneiras, e com a grande demanda nas escolas de ensino regular para alunos com deficiências ou dificuldade no desenvolvimento/transtornos, essa necessidade de acompanhamento migra da área da saúde para a educação, gerando os ATs nas escolas (ASSALI, 1999). Nesse contexto, a educação como sistema de “inclusão” começa a dar os primeiros passos e com ela as questões que giram ao redor, como a de professores que não possuem uma qualificação, uma formação, orientação, apoio ou suporte adequado para atender a demanda da inclusão.
Londero (2010) ressalta que o acompanhante terapêutico tem como principal característica a intervenção realizada em ambiente natural e em situações cotidianas do cliente. Ou seja, o espaço propício para esse modelo de mediação, onde as contingências que mantêm o comportamento a ser alterado operam, é justamente o ambiente escolar.
Nesse âmbito, o AT tem a oportunidade de fazer parte do cenário aluno/ambiente natural. A sua presença torna as possibilidades de interações mais ricas e variadas, pois as consequências que selecionam o comportamento do aluno estão dispostas num contexto natural com o qual ele deverá interagir (ZAMIGNANI e VERMES, 2010). O AT tem como propósito realizar um link da inclusão escolar com uma prática facilitadora na inserção do aluno em uma sala regular, oferecendo suporte necessário para esse educando. Ele vai auxiliar no processo da coleta de dados, na aplicação de técnicas e no manejo de contingencias de acordo com a necessidade observada pelos responsáveis do atendimento com foco comportamental, além de enfatizar que o processo de generalização dos comportamentos funcionais e desejáveis seja intensificado, para que ocorra em casa, na escola, ou em qualquer outro ambiente.
Segundo Zamignani (1999), o trabalho do AT apresenta inúmeras vantagens, como possibilidade de ocorrência de comportamentos alvos das contingências naturais, que explicitam as relações dos indivíduos com o ambiente e suas relações pessoais, também serve como ferramenta de modelação se necessário e facilita a aprendizagem de um novo repertório comportamental.
Visto que a Educação Básica é um direito para a criança com Transtorno do Espectro Autista (TEA), uma vez que ela pode ajudar no desenvolvimento da sua vida social e no auxílio da generalização de aprendizado, Pereira (2015) coloca que, para que a inclusão escolar se efetive, primeiramente, é preciso que a criança tenha acesso à escola regular, o que lhe é assegurado pela lei.
Nessa visão, quando falamos em educação nacional voltada para TEA, a realidade é bem complexa, pois em muitos casos as escolas privadas se recusam a aceitar um AT treinado que não componha o corpo docente, mesmo que esse tenha a qualificação necessária para tal função. Quanto às escolas públicas, estas muitas vezes não possuem pessoas qualificadas para executar essa função, ficando o aluno desamparando.
Em 27 de dezembro de 2012, foi promulgada a lei 12.764, conhecida popularmente como “Lei Berenice Piana”, sendo o primeiro documento oficial a falar da pessoa com TEA. Entre os direitos das pessoas que estão dentro do espectro está o acesso à educação.
O Art. 3º evidencia os diretos que as pessoas com TEA possuem, nele vemos que:
I – A vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a segurança e o lazer;
II – A proteção contra qualquer forma de abuso e exploração;
III – o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde, incluindo:
a) O diagnóstico precoce, ainda que não definitivo;
b) O atendimento multiprofissional;
c) A nutrição adequada e a terapia nutricional;
d) Os medicamentos;
e) Informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento;
IV – O acesso:
A. A educação e ao ensino profissionalizante;
B. A moradia, inclusive à residência protegida;
C. Ao mercado de trabalho;
D. A previdência social e à assistência social. (BRASIL, 2012, p. 2).
Desta forma, os alunos que apresentam alguma dificuldade de aprendizagem tornam o trabalho do AT imprescindível no âmbito escolar, tendo o papel de estimular a capacidade e autonomia do aluno, promover ações e aquisições de conhecimentos, habilidades e atitudes que possa desenvolver a aprendizagem, bem como a inclusão escolar da criança com transtorno do espectro autista.
Quando falamos de ensino para pessoas que estão dentro do espectro do autismo, olhamos, em primeira instância, para a Análise do Comportamento Aplicada (ABA). Nos Estados Unidos, a Intervenção em ABA chega a atingir a média de 40 horas semanais de trabalho. Inseridos nesse contexto, o desenvolver das intervenções se estabelece em casa, mas também em ambiente natural, como a escola. O Brasil, no entanto, está um passo atrás quando equiparado a outros países. Não tendo o modelo ABA de trabalho tão atuante, muitas vezes o AT é visto com “outros olhos”, o que faz com que a inserção desse profissional gere desconforto e estranhamento pelos gestores escolares.
A ideia é que o AT seja um coadjuvante, dando suporte necessário para que os objetivos escolares sejam alcançados, ou seja, que os alunos inseridos dentro do espectro do autismo possam desenvolver a independência dentro da sala de aula e em todo o ambiente que a escola compõe. O foco principal é que essa habilidade seja realizada em qualquer contexto, para isso é necessário treinar o AT na aplicação de procedimentos de controle comportamental. As variações comportamentais devem estar em equilíbrio, ou seja, comportamentos problemas devem ser reduzidos ou extintos e os comportamentos socialmente aceitos dever ser aumentados.
Esses são alguns dos objetivos relacionados ao trabalho do AT na escola:
• Comportamentos Sociais: sabendo que o ambiente escolar é o local onde o assistido irá ter mais possibilidade de treino para adquirir esse repertório, o AT vai organizar o ambiente para promover que a criança desenvolva essa habilidade.
• Comunicação: uma vez que a pessoa com TEA estará inserida em um ambiente por 4 horas diárias e com isso, ela terá várias possibilidades de comunicação, o AT possibilitará que isso aconteça de maneira adequada e efetiva.
• Independência nas demandas escolares: o aluno com TEA, tal como qualquer aluno, tem objetivos para alcançar na escola, o AT vai, então, mediar o processo de como esses objetivos serão apresentados ao educando e desenvolvê-los para que esse compreenda o que está realizando e consiga produzir o que estão solicitando da forma mais independente possível.
• Diminuição das estereotipias: a realização de estereotipias é uma competição direta para o aprender, uma vez que elas impedem a criança de manter o foco na demanda solicitada em grupo ou individual e, também, atrapalha a inserção da criança no ambiente social. Um dos objetivos do AT é bloquear as estereotipias e redirecionar para outras atividades funcionais, dando demandas concorrentes para a criança. Esta é uma das formas mais comuns de se controlar estereotipias.
• Brincadeira funcional: Algumas vezes a criança se engaja em comportamentos sem função como pintar toda a folha. Nesse caso, é necessário ensinar a criança a brincar de maneira funcional. O ensino envolve o bloqueio do comportamento sem função e o reforço diferencial de comportamentos mais adequados.
Segundo Savoia e Sampaio (2010) o papel fundamental do AT é intervir no ambiente natural do assistido, de modo a reorganizar as contingencias de reforço e utilizar a própria relação para auxiliar na modelagem de repertórios novos. Desta forma, é imprescindível que o AT tenha compreensão sobre os conceitos comportamentais (reforçadores naturais, reforçadores arbitrários, contingências comportamentais de modo geral, etc.) e faça uso de procedimentos como: modelagem, modelação, fading, reforçamento diferencial, entre outros para alcançar os objetivos.
Portanto, é possível visualizar o AT escolar, na perspectiva da Análise do Comportamento, como um aliado no processo da inclusão da pessoa que está dentro do espectro do autismo ou que tenha algum atraso no desenvolvimento, contribuindo para a expansão da intervenção do ambiente terapêutico para o ambiente natural do aluno, atuando ainda como agente facilitador no processo e auxiliando o indivíduo em situações limites. O Acompanhamento Terapêutico caracteriza-se por uma mediação fora da clínica, que visa a reinserção social do cliente e faz uso de análise e manipulação de contingências que governam qualquer padrão de comportamento.
REFERÊNCIAS
ASSALI, A.M. O acompanhamento terapêutico na inclusão de crianças com distúrbios globais do desenvolvimento. LEPSI, São Paulo: IP/FEUSP – Universidadede São Paulo, 1999
CASA CIVIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Subchefia Para Assuntos Jurídicos. LEI Nº 12.764, DE 27 DE DEZEMBRO DE 2012.: LEI BERENICE PIANA. Brasília DF: Presidência da República, 2012. 3 p. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12764.htm>. Publicado em: 27 dez. 2012
BARRETTO, K. D. Ética e técnica no acompanhamento terapêutico: andanças com Dom Quixote e Sancho Pança. São Paulo: Unimarco Editora, 1998.
BENEVIDES, L. A Função de publicização do Acompanhamento Terapêutico naclínica: O contexto, o texto e o fora texto do AT. 2007. 184 f. Dissertação (Mestrado Psicologia) – UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE – INSTITUTO DECIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA. Rio de Janeiro, 2007
LONDERO et al. (Org.) Acompanhamento Terapêutico: Teoria e Técnica na Terapia Comportamental e Cognitivo-Comportamental. São Paulo: Santos, 2010.
PEREIRA, A.C.S. Transtorno do Espectro Autista (TEA): definição, características e atendimento educacional. Revista Educação – Revista Cientifica do Claretiano – Centro Universitário, Batatais, v.5, n.2, jul./dez. 2015.
SAVOIA, M.G; SAMPAIO, T.P. As Técnicas cognitivo-comportamentais: considerações sobre o repertório do AT. In: I. LONDERO ET al. (Org.) Acompanhamento Terapêutico: Teoria e Técnica na Terapia Comportamental e Cognitivo-Comportamental. SãoPaulo: Santos, 2010, p.37-49.
Zamignani, D. R. Qual o lugar do AT numa equipe multiprofissional? Em: R. R. Kerbauy& R. C. Wielenska (orgs.), Sobre Comportamento e Cognição. Santo André: Esetec Editores Associados, 1999.
ZAMIGNANI, D. R; VERMES, J. S. O acompanhante terapêutico e suas fronteiras com a terapia tradicional. São Paulo: Santos, 2010.