É de conhecimento do senso comum que a terapia comportamental teve como base de sua aplicação clínica a pesquisa experimental envolvendo animais em laboratórios. Claro que o objetivo não foi apenas estudar as espécies animais, como dizem as “más línguas”, e sim retirar das condições controladas do laboratório as leis gerais do comportamento humano (Skinner, 1938). Assim, cada vez que a terapia comportamental aplica os princípios básicos na clínica, o faz com as mesmas ferramentas de controle da pesquisa básica. Em linhas gerais, o objetivo inquestionável sempre foi aumentar a validade e a confiabilidade da atuação do terapeuta comportamental.
A história da terapia comportamental pode ser dividida em três ondas (Hayes, 1998; Pérez-Álvarez, 2012). A primeira onda é marcada por princípios científicos advindos da pesquisa experimental, o que representou um afastamento e oposição à psicanálise. Nesse momento, por exemplo, foram desenvolvidas técnicas como dessensibilização sistemática e de exposição com prevenção de respostas para tratar a ansiedade empregadas até hoje como padrão ouro. O conhecimento sobre o comportamento operante fomentou, também, intervenções com objetivo de modificar respostas em indivíduos com incapacidades severas em ambientes controlados, como respostas de destruição de objetos, autolesão, agressão, birra, entre outras.
Entre 1970 e 1990, marcada pela introdução do modelo cognitivo na prática da terapia comportamental, surgiu a segunda onda. Havia, até então, a crítica de que a terapia comportamental não se atentava para questões referentes à subjetividade e a de que os fenômenos relativos à cognição humana não eram explicados por meio de comportamento operante. As terapias cognitivas e cognitivo-comportamentais emergiram para buscar corrigir, entre outras questões, as crenças irracionais. Nesse momento, houve um afastamento dos fundamentos da Análise Experimental do Comportamento durante a primeira onda e uma maior preocupação com a prática clínica (O’Donohue, 1998).
Eis que surge a terceira onda na década de 1990. O objetivo inicial foi unir a fundamentação dos princípios básicos e a valorização do ambiente, além de trazer a preocupação clínica para questões que permeiam o âmbito cognitivo. A Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT; Hayes, Strosahl, & Wilson, 1999) apresentou-se como modalidade terapêutica, assim como a Psicoterapia Analítica Funcional (FAP; Kohlenberg, & Tsai, 1991), Terapia Comportamental Dialética (DBT; Linehan, 1993), Ativação Comportamental (BA; Jacobson, Martell, Dimidjian, & Herman-Dunn, 2013), Terapia Comportamental Integrativa de Casais (IBCT; Jacobson, Christensen, Prince, & Eldridge, 2000), entre outras.
A ACT foi, inicialmente, denominada como distanciamento compreensivo entre 1970 e 1980. O comportamento verbal e a linguagem corroboravam para iniciar, manter e tratar o comportamento por meio de um enfoque cognitivista. Entre 1985 e 1999, a Teoria das Molduras Relacionais, propôs uma análise pós-Skinneriana da linguagem e da cognição, expandindo as concepções de Skinner sobre comportamento verbal e seguimento de regras, propondo intervenções que se afastavam da proposta meramente cognitivista. A terapia passou a ser denominada Terapia de Aceitação e Compromisso e ganhou maior visibilidade com o livro Acceptance and Commitment Therapy: An Experiential Approach to Behavior Change (Hayes, Strosahl, & Wilson, 1999).
A ACT utiliza princípios da RFT e propõe a utilização de alguns termos de nível intermediário (middle-level terms, no original): (a) estar no momento presente, (b) aceitação, (c) desfusão cognitiva e emocional, (d) self como contexto, (e) valores e (f) ações com compromisso. Para cada um dos termos, existe um processo inverso que promove a inflexibilidade psicológica, a saber: a (a) atenção rígida (b) esquiva experiencial, (c) fusão cognitiva e emocional, (d) self conceitualizado, (e) valores pouco claros e (f) ações sem compromisso. A definição de cada termo daria pano para manga para várias publicações da Coluna ContACTo. O que está em observação, nesse momento, é que autores, de um lado, citam que essa é uma proposta para tornar “uma ciência comportamental mais adequada aos desafios da condição humana” (Hayes, Barnes-Holmes, & Wilson, 2012, p. 5), enquanto outros consideram que “os próprios termos não aderem ao critério de verdade filosófica de precisão e influência que orienta o controle funcional” (Barnes-Holmes et al., no prelo).
Mas, o que seriam os tais termos de níveis intermediários? São aqueles que não correspondem a termos técnicos e, por isso, não tem o mesmo grau de precisão, escopo e profundidade de princípios comportamentais clássicos, como o reforço. Não são considerados de “alto” nível, pois não são demonstrados por meio de pesquisas experimentais. Estão situados entre as unidades analíticas da ciência básica psicológica e os termos psicológicos, como emoção, memória, estresse.
É inegável que a aplicação da modalidade terapêutica ACT, entre outras da terceira onda, tem beneficiado pessoas e, por isso, tem relevante utilidade clínica. Entretanto, alguns pesquisadores consideram como necessário expandir o potencial científico das mesmas (Barnes-Holmes et al., no prelo). Para esses autores, “se estamos buscando teorias unificadas, apenas podemos saber que temos êxito pela pesquisa básica” (p. 22). O raciocínio é que, quanto mais pesquisas experimentais se fomentam, mais clareza se tem sobre o acesso ao tratamento. Se, atualmente, pessoas já estão sendo ajudadas, no futuro, outras podem ser muito mais ajudadas, caso haja investimento na pesquisa básica e aplicada.
Hayes et al. (2013) levantam que “o sofrimento está presente agora, mas a geração de conhecimento leva certa quantidade de tempo” (p. 1). Eles consideram que o foco inicial foi em pesquisa comportamental básica sobre comportamento governado por regras (ver Hayes, 1989) e que a RFT é considerado o trabalho final de aproximação dos princípios comportamentais. Apesar de não mencioná-los como princípios comportamentais, Hayes admite que os termos intermediários baseiam-se neles. Isso é relevante para o cenário atual, visto que há, sim, uma preocupação e valorização dos princípios comportamentais.
De certo, temos que romper com as dificuldades que os terapeutas clínicos encontram ao tentar organizar suas vidas profissionais como cientistas. Podemos vislumbrar os termos intermediários, assumindo a perspectiva de que na base deles estão os princípios comportamentais. Como toda ciência, precisamos de mais pesquisas básicas e aplicadas para testar os termos intermediários e, assim, operacionalizá-los. Habilitemo-nos e sigamos em busca da fortificação da terapia comportamental na totalidade, principalmente em busca de fazer acontecer o que, de fato, as terapias de terceira se propõem: unir os principais objetivos e avanços das terapias de primeira e segunda onda.
REFERÊNCIAS
Barnes-Holmes, Y., Hussey, I., McEnteggart, C., Barnes-Holmes, D. & Foody, M. (no prelo). Scientific ambition: The relationship between Relational Frame Theory and middle-level terms in Acceptance and Commitment Therapy. Em R. D. Zettle, S. C. Hayes, D. Barnes-Holmes & A. Biglan (Orgs.), The Wiley handbook of contextual behavioral science. Oxford: Wiley-Blackwell.
Hayes, S. C., Barnes-Holmes, D. & Wilson, K. G. (2012). Contextual behavioral science: Creating a science more adequate to the challenge of the human condition. Journal of Contextual Behavioral Science, 1, 1-16.
Hayes, S. C., Levin, M. E., Plumb-Vilardaga, J. P., Villate, J. L. & Pistorello, J. (2013). Acceptance and Commitment Therapy and contextual behavioral science: Examining the progress of a distinctive model of behavioral and cognitive therapy. Behavior Therapy, 44, 180-198.
Hayes, S. C., Strosahl, K. D. & Wilson, K. G. (1999). Acceptance and Commitment Therapy: An experiential approach to behavior change. New York: The Guilford Press.
Hayes, S. C. (1998). Building a useful relationship between “applied” and “basic” science in behavior therapy. The Behavior Therapist, 21, 109-112.
Jacobson, N. S., Christensen, A., Prince, S. E., Cordova, J. & Eldridge, K. (2000). Integrative Behavioral Couple Therapy: An acceptance-based, promising new treatment for couple discord. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 68, 351-355.
Jacobson, N. S., Martell, C. R. & Dimidjian, S. (2001). Behavioral activation treatment for depression: Returning to contextual roots. Clinical Psychology: Science and Practice, 8, 255–270.
Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (1991). Functional Analytic Psychotherapy: A guide for creating intense and curative therapeutic relationships. New York: Plenum.
O’Donohue, W. (1998). Conditioning and third-generation behavior therapy. Em W. O’Donohue (Org.), Learning and behavior therapy (pp. 1-14). Boston: Allyn and Bacon.
Pérez-Álvarez, M. (2012) Third-generations therapies: Achievements and challenges. 12, 291-310.
Skinner, B. F. (1938). The behavior of organisms. New York: Appleton-Century-Crofts.