Ciúme: uma Análise Funcional

                                               Autores: Gleice de Oliveira Cordeiro, Any Souza, Brenda Campelo, Carolina Magalhães, Gisele Cerqueira, Iara Ramos, Oton Santos e Thayná Amorim.

Mariana (nome fictício) tinha pouco menos de vinte anos quando chegou ao consultório da psicóloga se queixando de “ciúme incontrolável”. Se, por um lado, exigia da namorada saber tudo sobre o que se passara em sua ausência, por outro, flertava, trocava telefones e ocupava-se em imaginar possíveis encontros com outras pessoas. Em casa, com os pais, falava só o necessário e, com as irmãs, não se relacionava.

Mariana era muito cuidadosa com a aparência e gostava de perguntar se estava bonita. Nas sessões contava, de forma sistemática, suas muitas desconfianças e discussões com a namorada, Paula. (nome fictício) Um dos pontos narrados por ela no início do processo terapêutico foi seu relacionamento anterior com Talita, que acabou depois de ela ter descoberto que Mariana a traía com uma colega de trabalho.

Meses depois, Mariana conheceu a atual namorada, Paula. Com alguns meses de namoro, Mariana passou a sentir ciúmes de sua parceira, imaginando que ela a traía. Contudo, quando Marina estava nas sessões de terapia relatava comportamentos considerados por ela mesma como inadequados, como, por exemplo, flertar com outras moças na rua. Mariana nunca chegou a trair Paula, porém a relação das duas chegou ao fim devido às constantes crises de ciúmes da primeira. O namoro chegara ao fim, mas não sem que o contato entre elas se estendesse por meses, inclusive, adentrando seus próximos relacionamentos.

Um ano depois, Mariana começou a namorar Juliana (nome fictício). Nesse relacionamento, Mariana voltou a apresentar crises de ciúmes, demonstrando desconfiança da namorada. Vale ressaltar que o comportamento de flertes ainda ocorria. “Tudo está se repetindo da mesma maneira”, dizia. Ela imaginava Juliana em ato sexual com as ex-namoradas. Outro comportamento de Mariana relatado pela cliente apenas depois de diversas sessões foi o de que ela cobrava das suas namoradas provas de amor e fidelidade, comportamento que se mostrou mais presente a partir do seu relacionamento com Paula.

Quando questionada sobre essa repetição de desconfiança dentro dos relacionamentos, Mariana afirmou que nem tudo era igual. Segundo ela, Paula a obedecia, deixando de sair com amigos e demonstrando seu carinho constantemente. Já Juliana, sua nova namorada apresentava um comportamento menos passivo, não respondendo às demandas de Mariana e por vezes ignorando as diversas crises da namorada.

No decorrer da análise, Mariana passou a narrar que Juliana a chamava para sair sempre que ela se mostrava mais calma e carinhosa, programando diversas atividades para o casal. Com o tempo, segundo Mariana, isso passou a reduzir a frequência das suas crises de ciúmes, fazendo também com que ela demonstrasse mais seu amor pela namorada.

Esse comportamento de Juliana foi essencial para que o relacionamento desse certo. Juliana, que também já havia feito terapia, tinha consciência de que havia uma forma melhor de agir com sua parceira, do que perder a paciência, o controle ou ceder diante das crises de Mariana.

No fim do processo, Mariana passou a relatar que seu relacionamento com Juliana se encontrava mais sólido. Ela não se via mais flertando com tantas pessoas na rua e nutrindo relações com ex-namoradas, já que se sentia mais segura ao lado da namorada.

Discussão e Análise funcional

Muito do que é comumente discutido sobre o conceito de ciúme é baseado em explicações mentalistas, que desconsideram a relação do organismo, o sujeito e o ambiente que o cerca (Costa & Barros, 2010). Destaca-se que esse ambiente se encontra tanto dentro quanto fora desse indivíduo, o que para muitos dificulta o entendimento desse comportamento e de outros relacionados a ele (Galvão & Barros, 2001; Tourinho, 1997)

A análise do comportamento, sendo uma abordagem com visão determinista do sujeito, fala de controle de contingências e faz uso desse conceito de ambiente (interno e externo) para dar sustentação a esse ponto de vista que não desconsidera a individualidade, mas analisa muito mais as interações diretas e indiretas do mesmo indivíduo com o ambiente anteriormente citado, sendo ele interno ou não (Tourinho, 2004).

Segundo Menezes e Castro (2010), pode-se definir o ciúme como um comportamento privado. Apesar desse caráter, ele se reflete na esfera pública, afetando as relações do indivíduo. Ele ocorreria, assim, diante da possibilidade de perda de uma fonte de reforçadores. É importante ressaltar que essa possibilidade de perda existe em função de uma possível (real ou não) habilidade maior do rival em relação ao indivíduo ciumento e também de uma falta de controle sobre a fidelidade do parceiro (Banaco, 2005, Citado por Costa e Barros, 2010).

Para Menezes e Castro (2010, Citado por Costa e Barros, 2010), a análise do ciúme como um comportamento deve recorrer ao modelo de seleção por consequências. O comportamento ciumento é instalado e mantido por processos de reforçamento, generalização, imitação e punição. No caso exposto, o ciúme é mantido pelo reforço dado pelas namoradas Talita e Paula.

Ao analisar a fala de Mariana, podemos verificar as contingências que resultaram nos comportamentos emitidos nos seus relacionamentos. A traição que cometeu no primeiro relacionamento reflete nos seus futuros relacionamentos no momento em que ela passa a manifestar comportamentos que buscam prevenir uma eventual traição das namoradas seguintes, como proibi-las de sair ou de vestir determinadas roupas, o que poderia fazer com que elas fossem desejadas por outras pessoas.

As considerações a seguir apresentam a função dos comportamentos emitidos pelas namoradas de Mariana no decorrer do tempo. Os primeiros comportamentos pertinentes à análise são os de Paula, que apresentam um contraste com os de Juliana, a namorada seguinte. Segundo Mariana, Paula apresentava uma “posição passiva” diante das suas demandas, obedecendo-a sempre que demandava algo, o que significa que se esquivava e fugia das brigas da primeira. O Quadro 1 esquematiza os comportamentos de Mariana e de Paula e a função deles para a primeira.

Quadro 1: esquema de interação entre Mariana e Paula (Modelo retirado do artigo de Marianno e Guilhardi, 2005).
Quadro 1: esquema de interação entre Mariana e Paula (Modelo retirado do artigo de Marianno e Guilhardi, 2005).

Diante do que é exposto no quadro 1, fica perceptível que, como Paula fica em casa, ela acaba reforçando negativamente o comportamento de Mariana. Em A, temos a apresentação de operantes de Mariana que buscam evitar a perda de reforçadores, como a presença da namorada. Em C, percebe-se que a atitude de Paula (ceder às demandas da namorada) reduz a manifestação desses comportamentos de Mariana, aversivos à Paula, funcionando, assim, como um reforço negativo. Entretanto, em C e em D, Mariana é reforçada a manter tais comportamentos (A), visto que Paula irá agir de forma semelhante sempre, buscando satisfazer a namorada que chora, grita e exige diversas coisas.

Quadro 2: esquema de interação entre Mariana e Juliana (Modelo retirado do artigo de Marianno e Guilhardi, 2005).
Quadro 2: esquema de interação entre Mariana e Juliana (Modelo retirado do artigo de Marianno e Guilhardi, 2005).

Diante do exposto do quadro 2, Mariana emite os operantes de gritar e chorar (A), porém Juliana não reforça (B). É iniciado um processo de extinção. Esta ocorre quando o reforço, após uma história prévia de reforçamento, já não é mais disponibilizado ao comportamento do sujeito, ou seja, quando uma quebra de contingência.  Assim, Mariana emite respostas emocionais (C), como o aumento do choro. É bom lembrar que o processo de extinção pode apresentar diversos tipos de efeitos, dentre eles aumento da frequência de resposta logo no início do processo, aumento na variabilidade da topografia de respostas e eliciação de respostas emocionais, nesse caso como a agressividade (Moreira e Medeiros, 2007).

Juliana não reforça os comportamentos descritos na primeira classe de Mariana e inicia um processo de reforçamento de outros comportamentos (DRO). O DRO é a principal alternativa comportamental para reduzir a frequência de um comportamento sem utilizar punição e consiste em reforçar todos os comportamentos, exceto aquele que se deseja reduzir a frequência. Juliana chama a namorada para novos programas e é carinhosa nos momentos em que ela não demonstra ciúmes. Esse comportamento de Juliana acaba fazendo com que Mariana diminua o comportamento ciumento e aumente outros comportamentos reforçadores para a namorada.

Cabe ainda tratar do comportamento de flerte manifestado por Mariana, que pode ser analisado como sendo a busca por reforçadores positivos. Para Moreira e Medeiros (2007) o reforçador positivo aumenta a probabilidade do comportamento reforçado voltar a ocorrer através da adição de um estímulo, que nesse caso seria o ganho de elogio.  Quando é relatado em análise que ela se sentia bem quando ouvia um elogio, Mariana mostra que estava sob controle de reforçadores diferentes que os oferecidos no relacionamento, mas capazes de fazê-la sentir que era querida ou desejada.

Diante de tudo que foi trabalhado até aqui, desde o conceito básico de ciúmes à função de alguns comportamentos de Mariana para ela mesma ou para as namoradas, pode-se retomar o que foi dito sobre a conceituação de ambiente e controle de contingências. No caso apresentado, fica clara a influência mútua entre os comportamentos de Mariana e de suas namoradas. Numa análise clínica é impossível desconsiderar o histórico da (o) cliente. Os padrões comportamentais adquiridos nestas relações, que podem ser confundidos com uma visão mentalista de “Personalidade” (o de Mariana, neste caso), nada mais são do que o histórico de reforçamento ao longo da vida afetiva, mas que ora mudando tais relações, outros padrões serão emitidos.

Referências

Costa, N. & Barros,R. S. (2010) Ciúme: uma interpretação analítico-comportamental. Acta comport [online], 18(1), 135-149. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/Scielo.php?pid=S018881452010000100007&script=sci_arttext.

Costa. M.N (2009) Busca de definição operacional de ciúme: Uma construção teórica e empírica. Tese de Doutorado. Belém: Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento, universidade Federal do Pará. pp.130. Recuperado de http://www.ufpa.br/ppgtpc/dmdocuments/DOUTORADO/TeseNazareCosta2009.pdf

Galvão, O. F. & Barros, R. S. (2001). Passo 1. Em O. F. Galvão & R. S. Barros. Curso de Introdução à Análise Experimental do Comportamento. São Paulo: Copymarket. Recuperado de https://sites.google.com/site/wikibac/fundamentos/passo-1—descrio-de-eventos-ambientais-e-comportamentais.

Marianno,A.C.S. & Guilhardi. H. J (2005) Terapia por contingências de reforçamento: um estudo de caso sobre depressão infantil e “fala alucinatória”. Psicologia. Psicologia: Teoria e prática. pp. 167-183. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ptp/v7n1/v7n1a13.pdf

Moreira, M. B. & Medeiros, C. A (2007). Princípios básicos de análise do comportamento. Porto Alegre: Artmed.

Tourinho, E. Z. (1997). Privacidade, comportamento e o conceito de ambiente interno. Em R. A. Banaco (Org.). Comportamento e cognição. Vol. 1. Santo André: ARBytes.

 

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