Por vezes soa estranho para muitos alunos de Psicologia, ou mesmo psicólogos, a utilização de mindfulness em Terapia Analítico-Comportamental. Ainda é muito difundida a ideia da utilização exclusiva de técnicas de reforçamento e extinção neste modelo. Às vezes a dificuldade pode vir do próprio terapeuta analítico-comportamental. Por ser uma demanda relativamente recente na área, pode-se encontrar alguma dificuldade na sua utilização ou mesmo na compreensão da sua proposta. E, mesmo quando a entendem, podem se deparar com uma dúvida: “como eu vou incluir isso na minha prática clínica”?
A introdução do mindfulness na clínica comportamental não tem um roteiro específico. Mas existem algumas instruções gerais que vou tecer para vocês ao longo do texto, de modo a orientar nossas ações. Dicas e sugestões também são bem-vindas nos comentários. Vamos construir isso juntos?
1. Pratique
O primeiro passo para garantir o sucesso na utilização de mindfulness em terapia envolve a preparação do terapeuta. Esta pode ser entendida como o estudo do conteúdo envolvido, a preparação do material a ser utilizado em sessão, ou mesmo o ensaio da condução dos exercícios sozinho ou com um amigo.
Mas, mais que isso, é fundamental a prática regular de mindfulness pelo próprio terapeuta. Assim, é possível conhecer tanto os benefícios quanto as dificuldades do seu uso, que podem ser muito úteis na hora de orientar e ajudar o cliente. A prática regular também dá a confiança necessária para sua condução. Um terapeuta iniciante na área pode passar insegurança ao cliente (muitas vezes já duvidoso em relação à terapia), o que prejudicaria a relação e o processo terapêuticos.
Por isto, Germer, Siegel e Fulton (2015) colocam a instrução, a supervisão e a prática como a tríade fundamental para o sucesso do terapeuta nesta tarefa. Além disso, apontam os benefícios da prática regular para o terapeuta permanecer presente e compassivo ao momento da terapia, melhorando a qualidade do seu atendimento.
2. Planeje
Como toda atividade terapêutica, deve ser bem planejada e ter um objetivo terapêutico claro. Não pode ser apenas “estou estudando mindfulness e quero aplicar com meu cliente”, sem que haja, de fato, necessidade para tal. A prática de mindfulness tem se mostrado útil e benéfica em inúmeras situações, mas isto não anula a importância de avaliar o momento certo de implementa-la.
O objetivo do mindfulness não é relaxamento, apesar de poder gerar esse subproduto. Também não envolve apenas a aplicação de uma técnica que pode ser útil aqui ou ali. Mais que isso, o mindfulness envolve a tomada de consciência dos eventos da vida, de modo a organizar a experiência e direcionar a ação².
Isto pode gerar uma série de reações: inquietação, dúvidas e mesmo incômodos no cliente. Alguns podem não se sentir confortáveis para desenvolver os exercícios, podem ter uma história particular de ansiedade de desempenho, medo de errar, podem distorcer sua experiência, ou podem ainda estar inseguros com relação à terapia e desconfiar do terapeuta (em uma cultura que valoriza as múltiplas tarefas e abomina a perda de tempo, mindfulness pode parecer algo inaceitável). Por isso, é importante conhecer o cliente e o caso e, claro, construir uma boa relação terapêutica antes de qualquer coisa.
3. Explique
Essa é a hora, esse é o lugar. Você já sabe que o cliente se beneficiará disto e que este é o momento certo de fazê-lo. Então, apresente isto a ele.
Primeiro, retome sucintamente os principais pontos discutidos por vocês em sessão. Reapresente queixas do cliente ou dificuldades que vocês têm observado. Não precisam ser todas, mas especialmente aquelas que justificam o que vem a seguir
Em seguida, apresente o mindfulness, o que é e qual sua utilidade. Você pode se basear em textos como este e este. Enfatize os benefícios e, se o cliente for mais instruído, vale a pena comentar ou mesmo disponibilizar as pesquisas realizadas na área. Pode-se ilustrar, dar exemplos, analogias e metáforas, usar as ferramentas que forem necessárias para o cliente entender a proposta.
Alguns autores apontam que o termo usado poderia gerar algum desconforto por parte dos clientes, ao remeter a meditação, espiritualidade, budismo, etc. Por isto, reitero a importância de conhecer o seu cliente e, para qualquer intervenção, adequar a uma linguagem compreensível.
4. Convide
Entendida a proposta, convide o cliente a realizar um dos exercícios de mindfulness com você. É importante ficar claro que é uma proposta que, como toda atividade terapêutica, pode ser acatada ou recusada pelo cliente. Muitas vezes, agindo “no automático”, o terapeuta pode pedir que o cliente faça exercício A ou B e depois trabalhar em cima disso sem questionar se o cliente se sente confortável ou não em fazê-lo. Especialmente para uma prática funcional do mindfulness, é essencial que o cliente esteja aberto e disposto a realizá-la.
Visando isto, Germer, Siegel e Fulton (2015) dão um modelo muito útil de intervenção:
“Existe uma boa pesquisa sobre essa abordagem, eu penso que poderia ajudar. Você está disposto(a) a tentar aqui comigo como um experimento? Eu farei com você e podemos parar a qualquer momento” (GERMER, SIEGEL; FULTON, 2015, p. 140).
Com a concordância do cliente, inicie a condução do exercício, que deve partir do mais fácil e mais apropriado para o cliente. Apesar do exercício inicial mais comum ser o de respiração, este deve ser pensado com base no caso. Se, por algum motivo, houver desconforto no exercício de respiração, existem muitos outros exercícios que podem ser implementados com sons, alimentos, objetos ou com o próprio corpo. Comece com o que for mais fácil para o cliente. As habilidades são ensinadas gradativamente.
E se o cliente disser não?
Paciência. Aceite compassivamente e aproveite para fazer você mesmo o exercício de observar quais pensamentos e emoções essa negativa evocou em você. De acordo com o caso, é algo a ser discutido em sessão. De todas as formas, é uma excelente oportunidade. ;)
REFERÊNCIAS:
¹ GERMER, C. K.; SIEGEL, R. D.; FULTON, P. R. Mindfulness e psicoterapia. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2015.
² ROEMER, E.; ORSILLO, S. M. (2010). A prática da terapia cognitivo-comportamental baseada em mindfulness e aceitação. Porto Alegre: Artmed, 2010.