“Meu Deus, Igor. Mas isso é horrível!”. Foi assim que um cliente meu reagiu quando propus a ele que, ao invés de fazer de tudo para não ser ansioso, assumir a ansiedade como parte da vida dele. ‘Vestir a camiseta’ da ansiedade. Considerá-la como uma velha amiga que está lá e às vezes vai embora, mas sempre volta. O horror do cliente veio quando propus que ele fosse gentil com a ansiedade. E o termo ‘gentileza’ pesou para esse meu cliente. Como ser gentil e estar disposto a conviver com algo tão abominável na vida dele? Como assim? Seria ACT uma terapia que estimula o conformismo e a acomodação com o que se vive? Tipo… ‘aceita que dói menos’?
Na verdade, ACT é uma terapia de discriminação ou diferenciação. Ela não estimula o conformismo, mas a consciência de contra o que mesmo se está lutando. O caso do cliente que citei no início do texto pode ser elucidativo. Ele sente uma ansiedade muito grande quando tem que decidir qualquer coisa por outra pessoa que seja importante para ele, desde em que restaurante comer, passando por filme a ver ou lugar a viajar. Para poder compreender melhor a situação, questionei contra o que ele está dedicando força para mudar, perguntando-lhe o que está acontecendo nesse contexto que está sendo aversivo e ele queira, com todas as forças, não viver mais. Poderia ser qualquer coisa, p. ex.: o restaurante/filme/viagem em si, a pessoa que ele considera importante, o pensamento de que “pode errar e isso será horrível” ou a ansiedade percebida quando tem que escolher. O cliente disse que era a ansiedade. Que ele não queria mais senti-la sempre que tiver que escolher. Continuei perguntando: “ok… então você quer continuar escolhendo?”, “Sim” ele me respondeu, “mas sem esse sofrimento que sinto”. Agora já sabemos com o que trabalhar nesse momento: com a esquiva da experiência de ansiedade (que pode se relacionar a comportamentos de delegar a outros a escolha que ele gostaria de fazer).
E aí está uma das estratégias que se pode utilizar para desenvolver gentileza (ou disposição, ou aceitação): o reconhecimento de contra o que se está lutando, para depois avaliar se essa luta está, realmente, tendo resultados esperados e que valem a pena. Quando o cliente entra numa estratégia de resolver problemas, é importante identificar se essa resolução de problemas está a serviço de mudar experiências internas desagradáveis (sofrimento) e, se estiver a serviço, questionar ao cliente: “funciona a longo prazo”? A consciência da funcionalidade ou não a longo prazo tem o objetivo de desenvolver a gentileza com emoções ou pensamentos sofridos que fazem parte de nós. Porém, essa consciência pode levar a percepção de mais sofrimento, num primeiro momento, assim como foi com o cliente em questão. E aí estará mais uma ótima oportunidade de trabalhar com a aceitação, questionando ao cliente se ele estaria disposto a notar esse sofrimento e, ao mesmo tempo, fazer algo que lhe aproxime do que é importante para ele, sem procurar mudar o sentimento em si.
A funcionalidade também pode ser questionada com perguntas como: “o que você fez na sua vida, ao longo de todo o tempo, em que não queria sentir esse sofrimento? E o que você estaria fazendo se não dedicasse tempo para lidar com o sofrimento? Enquanto você se dedica a comportamentos para lidar com esse sofrimento, você está se aproximando da vida que você quer viver?” Mas de todas as perguntas que faço, a que mais gosto é: “E fazer de tudo para não sentir essa ansiedade (no caso do meu cliente já citado) entregou para você a vida que você queria, como prometido?”. Notem que são todas perguntas para compreender a função do comportamento de esquiva experiencial que a pessoa pode estar realizando.
Outro ponto para estimularmos a gentileza com experiências internas desagradáveis é nos focando na viabilidade de tal ação. Por exemplo: é viável que meu cliente não faça mais escolhas, esquivando-se da ansiedade, e isso leva-lo a fazer escolhas, que era o que ele queria? Esse ponto de viabilidade pode ser apresentado para que o cliente tome consciência de quanto mais lutar contra o sofrimento, provavelmente ficará mais distante da vida que ele queria. Nosso trabalho é, então, de auxiliar o cliente a questionar a viabilidade, utilidade ou funcionalidade de qualquer ação para aproximá-lo da vida que ele quer (note que o questionamento não se refere às experiências privadas, nem ao comportamento observável em si, mas à função do comportamento em relação as experiências privadas). Tudo isso, claro, com uma postura de validação da sensação de que lutar não está sendo útil para nada (desesperança criativa).
Gentileza e aceitação são uma prática, uma ação. É conviver com os sofrimentos a fim de viver melhor. Podemos ajudar os clientes a notar que todas as experiências internas que vivem estão lá para serem vividas, e não parte delas apenas – mais especificamente as que gostamos (Luoma, Hayes, & Walser, 2007). Aceitação é ser gentil com o que se vive internamente, no momento presente, sem julgamento. Para praticar aceitação, realizar exercícios de mindfulness se torna um importante passo – tanto os formais quanto os informais. Praticar mindfulness durante as consultas terapêuticas e estimular momentos de treino no decorrer da semana está intimamente relacionado a essa gentileza que me refiro no texto: aceitar que podemos pensar e sentir coisas desagradáveis e que queríamos não sentir… e tudo bem! Não precisamos fazer nada para que elas desapareçam (porque elas não vão desaparecer). Visto que não vão desaparecer, o que fazer, então? Uma das opções que a ACT apresenta é se comprometer com ações que são atrativas para a vida que se quer viver.
No decorrer das consultas, outra forma de treinar a gentileza com as emoções é questionando se o cliente está disposto a vivê-la enquanto se trabalha com ela no decorrer do encontro. Ao meu cliente em questão nesse texto, já disse algumas vezes: “e você está disposto a continuar falando comigo sobre isso, mesmo que a ansiedade venha enquanto você fala comigo?” Isso é algo extremamente poderoso para desenvolver gentileza com emoções e pensamentos durante a consulta em si e, a partir daí, estimular a generalização desse ato.
Claro que apenas gentileza não é suficiente para ter uma vida valiosa, mas é um passo. Decidir abandonar a luta contra pensamentos e emoções desagradáveis é crucial para que consigamos dedicar tempo e esforço para ações que nos aproximem dos nossos valores. Por isso, não há, para a ACT, mudança e manutenção da mudança comportamental duradoura sem aceitação e gentileza. Somente sendo gentil com nossas próprias experiências estaremos abertos e dispostos a viver plenamente. E eis o resumo de ACT: ser gentil com suas próprias experiências internas desagradáveis (memórias, pensamentos, emoções) enquanto dirige ações para uma vida que seja escolhida por valer a pena viver. Ah… e quanto ao meu cliente que disse ser horrível ser gentil com aquilo que não quer mais sentir: ele, por vezes, continua achando ser horrível, mas, enquanto isso, coloca em prática o que falamos, aceitando que o pensamento de que “isso é horrível” vai surgir algumas vezes enquanto ele se aproxima de quem ele quer ser. E a coisa mais estranha disso tudo é que, enquanto ele faz isso, “milagres” acontecem…
Referência:
Luoma, J. B., Hayes, S. C., & Walser, R. D. (2007). Learning ACT: an acceptance and commitment therapy skills-training manual for therapists. Oakland: New Harbinger Publications.