Paula Grandi – www.paulagrandi.com.br
Muitos procuram terapia afirmando que querem se conhecer melhor, que buscam autoconhecimento ou que querem entender porque mantém um determinado padrão de comportamento. Em muitos meios de comunicação ouvimos sobre a importância do autoconhecimento para se ter mais qualidade de vida. Mas, afinal, como o Behaviorismo Radical compreende o autoconhecimento? Como podemos explicar que algumas pessoas possuem mais autoconhecimento do que outras? Existem condições ambientais que favorecem o autoconhecimento? Muitas perguntas, vamos por partes.
É importante, primeiramente, colocar que o autoconhecimento é de origem social (Skinner, 1974). Essa é uma constatação importante! Se vivêssemos desde o nascimento isolados e não fizéssemos parte de uma comunidade verbal, nosso autoconhecimento seria zero. Para exemplificar podemos citar os famosos casos de meninos lobos, encontrados após anos vivendo entre animais (provavelmente desde muito pequenos). Estas crianças não sabiam descrever necessidades básicas, como por exemplo, se estavam com fome ou sede. Elas simplesmente buscavam alimento ou água em determinados momentos (quando estavam privados), mas estavam muito longe de saber relatar que sentiam fome ou sede.
Skinner (1974) afirma que há uma grande diferença entre o que comumente chamamos de sentimento e o relato acerca daquilo que se sente. Sentimentos são simples respostas a estímulos. Quando estamos privados de comida por um longo período de tempo, comportamentos que permitam o acesso a comida tem a sua probabilidade aumentada e podemos responder ao estomago vazio ingerindo comida. Quando somos punidos por falar sobre um determinado assunto com um amigo em específico, passamos a evitar tocar neste assunto quando conversamos com ele. Frente a estas situações poderíamos dizer “sinto fome” e “fico ansioso / me sinto mal quando meu amigo me pergunta sobre aquele assunto”. A questão é que só saberemos dizer isso se tivermos passado por um treino que possibilitou este tipo de relato. O relato acerca daquilo que sentimos e a própria “consciência” (conhecimento) deste sentimento é produto de contingências verbais especiais organizadas por uma comunidade verbal. Similarmente, saber descrever o próprio comportamento ou as suas causas é bem diferente de apenas se comportar de certa forma.
A comunidade verbal, por meio principalmente de perguntas e inferências, organiza as condições necessárias para que uma pessoa aprenda a descrever o mundo público e privado onde vive. É esse tipo de treino que possibilita uma forma muito especial de comportamento chamada conhecimento (Skinner, 1974). “Como você está se sentindo?”, “O que está fazendo?”, “Porque fez isso?” ou “Isso é saudade, o papai realmente está longe faz muito tempo”, “Imagino que isso esteja doendo, está até sangrando” são exemplos de perguntas e inferências que a comunidade utiliza para instalar relatos sobre o nosso próprio comportamento e sobre os nossos sentimentos. Para saber mais detalhadamente como a comunidade verbal nos ensina a relatar o que sentimos, veja o meu texto aqui no Comporte-se intitulado “Como aprendemos a relatar o que sentimos?” (https://comportese.com/2014/08/como-aprendemos-a-relatar-o-que-sentimos/).
Mas vamos voltar para o autoconhecimento. Se a descrição do nosso próprio comportamento (o que estamos fazendo), o relato daquilo que sentimos (condições corporais), e a descrição das causas do nosso comportamento (por quê fazemos algo, isto é, quais as suas variáveis de controle) é de origem social, está explicado porque algumas pessoas possuem mais autoconhecimento do que outras. Neste sentido, é a comunidade na qual um indivíduo se insere que o ensina a “se conhecer” (Skinner, 1953). Segundo Skinner “não temos razão para esperar um comportamento discriminativo dessa espécie [o autoconhecimento] a menos que tenha sido gerado por reforços apropriados” (1953, pg. 317). São justamente as perguntas e inferência que a comunidade verbal insiste em realizar que fornecem as condições ambientais para o autoconhecimento.
Dizer que alguém se autoconhece significa dizer que o ambiente que controla a sua resposta verbal (de descrição) é, em especial, o seu próprio organismo (sejam os seus comportamentos públicos ou privados, as suas sensações corporais ou até mesmo as variáveis de controle do seu comportamento). Chamamos, portanto, de autoconhecimento as respostas discriminativas ao próprio comportamento ou as variáveis das quais o comportamento é função (Skinner, 1953). O autoconhecimento nada mais é que um repertório especial que é aprendido e o grau de autoconhecimento ou autoconsciência que um indivíduo apresenta depende diretamente da medida em que o grupo no qual ele esta inserido insistiu em fazer perguntas como “O que está fazendo?” ou “Porque fez isso?” (Skinner, 1953).
Se a comunidade verbal da qual fazemos parte nos fornece as razões para observarmos o nosso próprio comportamento e identificar as suas causas, provavelmente teremos um repertório complexo de autoconhecimento. Do contrário, é provável que este repertório nunca venha a se desenvolver. “Só quando o mundo privado de uma pessoa se torna importante para as demais [no caso, para a comunidade verbal] é que ele se torna importante para ela própria” (Skinner, 1974). Mas, se o autoconhecimento é possibilitado pela comunidade verbal, qual a sua importância para o próprio indivíduo? O autoconhecimento tem um valor muito especial para o próprio indivíduo que, ao se conhecer, abre um leque de possibilidades para alterar o seu próprio comportamento. “Uma pessoa que se ‘tornou consciente de si mesma’ por meio de perguntas que lhe foram feitas está em melhor posição de prever e controlar seu próprio comportamento” (Skinner, 1974), ou seja, está em melhor posição de emitir comportamentos de autocontrole.
Imagine um iceberg como indicativo do seu grau de autoconhecimento. A parte do iceberg que está no topo e é visível no sentido de ser conhecida por você, é aquela parte que a comunidade verbal lhe insistiu em fazer perguntas sobre. A parte do iceberg abaixo da superfície é indiscriminada para você pois a sua comunidade verbal provavelmente não dispôs das contingências de reforçamento necessárias para que você aprendesse a descrevê-la. “Diferentes comunidades geram tipos e quantidades diferentes de autoconhecimento e diferentes maneiras de uma pessoa explicar-se a si mesma e aos outros” (Skinner, 1974, pg. 146). Por exemplo, a resposta que a comunidade verbal aceitar como suficiente para a pergunta “Por que você faz isso?” indicará o quanto que você saberá, de fato, descrever as variáveis de controle do seu comportamento. Se a comunidade verbal aceitar, por exemplo, a resposta “Fiz isso pois estava ansioso”, as variáveis das quais o comportamento é função [que não é o fato de se estar ansioso] provavelmente não serão identificadas por este indivíduo. Isso não quer dizer, porém, que um baixo grau de autoconhecimento não possa ser aprimorado. Este pode vir a ser o foco da terapia Analítico Comportamental, o que já é assunto para um próximo texto.
BIBLIOGRAFIA
Skinner, B. F. (1953/2003). Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes.
Skinner, B. F. (1974/2006). Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix.