No contexto do esporte de alto rendimento o tema “Derrota” pode, muitas vezes, evocar/eliciar sentimentos e emoções que fazem parte das respostas de ansiedade, produto de histórico de eventos aversivos pareados com a situação ambiental em que se configurou a derrota. Em outras palavras, não apresentar resultados efetivos sinaliza a possível perda de reforçadores e/ou punição – desaprovação da equipe técnica, público/mídia, provável retirada ou diminuição do apoio financeiro advindos dos patrocinadores e a não-obtenção do prêmio da vitória, quesitos importantes para a manutenção e permanência do atleta na dedicação exclusiva, ou quase exclusiva, aos treinos e competições ou, até mesmo, a permanência do atleta em determinada modalidade esportiva.
Ao analisarmos as consequências de uma derrota, e o que ela carrega consigo, levamos em consideração (1) seus efeitos no passado e (2) as respostas públicas ou encobertas que ocorrem com a sinalização do ambiente para futuras punições. Usualmente tratado como um tabu, a derrota sinaliza a possível perda de reforçadores primários, secundários e generalizados.
Os estímulos presentes sistematicamente em condições nas quais há punição ( técnicos, empresários, patrocinadores, companheiros de treino e a própria competição ) após pareamento entre estímulos aversivos e a situação ambiental onde houve o desempenho esportivo insatisfatório, podem vir a se tornar estímulos aversivos condicionados, adquirindo assim valor para evocar e eliciar repostas públicas e encobertas de ansiedade que provocam alterações negativas no responder do atleta nos treinos e competições. Os estímulos discriminativos que precedem situações aversivas têm por característica – por conta do histórico de reforçamento do sujeito – evocar também comportamentos condicionados de fuga/esquiva.
Para a Análise do Comportamento, os estímulos incondicionados ou neutros, presentes em condições em que há punição e remoção de reforço positivo, tendem a se tornar estímulos condicionados e assim adquirem valor para evocar e eliciar repostas públicas e encobertas do conjunto de comportamentos que englobam a ansiedade.
Transpondo tais conceitos aos esportes, mais necessariamente a atletas, diante de estímulos pré-aversivos temos normalmente (1) respostas encobertas/fisiológicas como: mudanças na temperatura corporal; alteração da frequência respiratória e cardíaca e dilatação da pupila e (2) respostas públicas como: desculpas constantes; sensação de baixo rendimento nos treinos; dificuldade de aprendizagem; respostas estereotipadas; baixa variabilidade comportamental e baixa das características individuais como competidor.
Assim temos duas situações que podem (e devem) ser analisadas de formas distintas:
- De um lado, temos as condições do próprio ambiente de treino do atleta que geram comportamentos de fuga e/ou esquiva. Geralmente quando essa condição está estabelecida, o comportamento do atleta no treino tende a ser estereotipado, apresentando pouca variabilidade comportamental, com funcionalidade de atrasar ou diminuir possíveis punições.
- Quando não há variáveis aversivas no ambiente de treino, a competição em si é um estímulo aversivo condicionado e quanto mais importante a competição, maior pode ser a magnitude da resposta, o nervosismo, estresse, medo, respostas emocionais tendem a ser maiores. Vale ressaltar, também, que o comportamento de terceiros ao apontar para o atleta que determinada competição é a mais importante pode gerar os mesmos efeitos, pois pode ser interpretada como a única possibilidade de acesso a reforçadores generalizados, e no contexto atual dos esportes, a derrota em eventos com grande competitividade pode significar um bom tempo afastado de novas oportunidades de gerar reforçadores e obter ganhos.
Dada a situação, o Psicólogo do Esporte pode atuar de diversas maneiras após identificar e analisar as variáveis que controlam o responder do atleta. Aqui iremos destacar o estabelecimento de metas e a modificação de algumas variáveis presentes no treino.
– Estabelecimento de Metas: Estabelecimento de metas representa um conjunto de procedimentos para reorganizar o ambiente de treino do atleta Realizar uma análise funcional do repertório do atleta que inclui quesitos táticos, técnicos, habilidades sociais, atividades que ele desempenha de modo satisfatório (reservas comportamentais), déficits e excessos comportamentais, aliada ao que se espera do atleta (comportamentos necessários para competir em igualdade ou superioridade técnica-tática em uma competição), são um ótimo ponto de partida para estabelecer metas, pois especifica-se claramente que ao comportar-se de determinada maneira, o responder do atleta será consequenciado positivamente, configurando um comportamento emitido sob regra.
Vale ressaltar que o estabelecimento de tais metas deve ser único para cada sujeito levando em consideração suas características pessoais como competidor e sendo ele mesmo seu próprio controle de avanços no processo. O estabelecimento de metas geralmente é feito em conjunto com a equipe técnica, a fim de que os pontos a ser trabalhados sejam pontuais e realistas, dando maior objetividade ao processo de treinamento, visando as condições futuramente enfrentadas na competição.
Porém, não só organizar metas se mostra suficiente para a reorganização do ambiente de treino: o psicólogo do esporte precisa estabelecer e cuidar para que o alcance das metas seja reforçado de modo sistemático e consistente. Há também a necessidade de planejar atividades de treinos livres, em que o atleta tenha a oportunidade de apresentar variabilidade de repertório e que o técnico seja sensível a emissão de tais comportamentos. Em conjunto a isso, é interessante fazer um levantamento de atividades prazerosas que podem ser realizadas em intervalos e após o treino.
– Modificando algumas variáveis presentes no treino – O Comportamento do técnico:
No ambiente de treino, o técnico geralmente é a principal fonte de reforço de um atleta, logo, o atleta responde em grande parte do tempo em função do comportamento do técnico. Indicar ao técnico a influência de estímulos aversivos condicionados no responder do atleta, caso seja possível, é um grande ganho. Pode-se, por exemplo, realizar junto a atletas e técnicos um levantamento de comportamentos do técnico que são compreendidos como sinais de desaprovação que evocam comportamentos de fuga/esquiva, e os comportamentos que são vistos como sinais de aprovação, tendo como objetivo provocar também uma mudança no modo como o técnico dá o feedback aos atletas.
Por fim, ao falarmos de objetividade e ganhos no estabelecimento de metas pensamos também na simulação das variáveis que estarão presentes na competição, quanto maior a similaridade entre as variáveis de treino e competição, maiores são as probabilidades de generalização e extensão dos treinos para a competição.
As metas podem ser programadas a partir de técnicas ou táticas dos adversários, com dados obtidos através de programas para análises estatísticas esportivas. E, além simular aspectos que estarão presentes na competição diretamente no treino, visando maior eficácia na generalização de repertório à condição real da competição, pode contribuir para que o poder eliciador dos estímulos aversivos condicionados diminua e o responder do atleta pode ficar em função do que foi pré estabelecido. Ou seja, diante de um ambiente aversivo o atleta responde de modo a atrasar ou diminuir os efeitos da punição, com o estabelecimento de metas, seja para competição ou treino, o responder do atleta está voltado para o que foi consequenciado de modo satisfatório.
As intervenções comportamentais visam provocar ganhos contínuos aos atletas, estabelecendo um ou vários esquemas de reforçamento que concorram com a situação aversiva vigente, por exemplo: redução sistemática da presença dos estímulos pré-aversivos no ambiente esportivo, estabelecimento de metas, reestruturação do ambiente de treino.
Temas complementares sobre ansiedade e comportamento encoberto serão abordados no próximo texto, até lá!
[1]Este texto é produto de uma série de trabalhos realizados com atletas de artes marciais e relatos de atuação apresentados nos congressos: IV Congresso Brasileiro Psicologia: Ciência e Profissão, realizado de 19 a 23 de novembro de 2014, na UNINOVE e no Anhembi, São Paulo – SP. E 1º Encontro nacional de Artes Marciais e Esportes de Combate, realizado em 8 de novembro de 2014 na cidade de Pelotas, RS.
Referencias
CILLO, E.N.P. Psicologia do Esporte: conceitos aplicados a partir da Análise do Comportamento. Em Adélia Maria dos Santos Teixeira (org.) Ciência do Comportamento: conhecer e avançar, volume 1, ESETec, Santo André/SP, p. 119-137, 2002
MARTIN, Garry L. Consultoria em Psicologia do Esporte. Orientações práticas em análise do comportamento. Campinas, SP: Instituto de Análise do Comportamento, 2001.
SKINNER, Burrhus Frederic. Ciência e comportamento humano. Martins Fontes, 2003.
SIDMAN, M. Coerções e suas implicações. Campinas: Livro Pleno, 2003.
WEINBERG, Robert S.; GOULD, Daniel. Foundations of Sport and Exercise Psychology, 6E. Human Kinetics, 1995.