Não, não é o que você está pensando! Não que eu saiba o que você está pensando. Todavia, é importante deixar claro que não estou me referindo a varinhas de condão, bolas de cristais, capacidade de ler mentes, voltar ao passado e prever o futuro. Embora muitas pessoas insistam que os psicólogos, não só os psicoterapeutas, estão sempre analisando, sabem o que se está pensando e o que será feito pelo indivíduo, essa não é exatamente a verdade. Não existem segredos ou magia, o que está por trás de uma atuação profissional competente consiste em uma abordagem teórica científica e em uma prática consistente com a mesma.
No contexto clínico, a relação terapêutica também representa uma valiosa ferramenta para a promoção de mudanças comportamentais e alcance das metas estabelecidas (Kohlenberg & Tsai, 2001). Os nossos superpoderes, nesta condição, não são mágicos e instantâneos, são reais e passam pelo crivo de uma relação de confiança construída ao longo do tempo. A escuta atenta e o acolhimento oferecido tornam-se poderes superestimados em uma sociedade que não está disposta a isso. Ouvir e acolher, no entanto, não são comportamentos inerentes ao psicólogo, são habilidades que o mesmo aprende a refinar no decorrer de sua formação.
Do mesmo modo, a análise funcional e as intervenções realizadas exigem planejamento. Não basta deduzir, é preciso levantar hipóteses e verificá-las. É necessário discutir com o cliente as intervenções propostas e avaliar conjuntamente o que ele se disponibiliza a promover. Caminhar junto, respeitando o tempo e o espaço do cliente não é o segredo, é a estratégia para conduzir o cliente em direção aos seus valores e objetivos.
Nesse percurso, caminhar junto significa também compartilhar do sofrimento vivenciado pelo cliente e auxiliá-lo na difícil missão de lidar com o problema e a dor, seja física ou emocional, que o mesmo acarreta. Em alguns casos, a queixa aparece superficialmente no início do tratamento. Que bom seria se pudéssemos desvendar o verdadeiro motivo da procura por atendimento logo nas primeiras sessões para ajudarmos o quanto antes naquilo que aflige o cliente. Contudo, sem os superpoderes da ficção, o nosso material de análise é o relato verbal e esse apresenta suas limitações, as quais estamos sensivelmente sujeitos.
Limitações, inclusive, não nos faltam. Ousaria afirmar até mesmo que o presente texto debruça-se principalmente sobre a questão das limitações encontradas no trabalho clínico. No que concerne às possibilidades de atuação do psicólogo analítico-comportamental, este as aproveitará, manejando as variáveis de que tem controle. Mas, como lidar com aquilo que evidentemente não está sob nosso alcance? Seria plausível responder que precisamos reconhecer qual é o nosso papel e qual é o papel do cliente, afinal, psicoterapia inclui uma relação mútua, na qual sem o engajamento do cliente dentro e fora da sessão, dificilmente os resultados serão atingidos.
Contudo, como lidar com aquelas limitações que ambos, tanto terapeuta, quanto cliente, não são capazes de contornar? A própria história de reforçamento não é passível de mudança. Nesse caso, ainda daria para recorrer ao significado presente, pois por mais que o passado não seja mutável, o modo de lidar com o mesmo no momento atual pode ser alterado. Diante de um histórico de abuso sexual, por exemplo, não existem recursos para evitá-lo ou apagá-lo da memória, entretanto, ao longo do processo terapêutico torna-se possível manejar os impactos relacionados ao episódio no contexto vigente do cliente.
Assim como não temos o poder de mudar a história e controlar se haverá sol ou chuva, igualmente somos impotentes diante de um quadro médico irreversível, da morte de um ente querido, da ocorrência de um acidente e de tantas outras coisas. Quando essas condições atravessam a vida do cliente, dificilmente não atingirão o psicólogo que o acompanha e a condução da psicoterapia. Tal contexto de incontrolabilidade e sentimento de fragilidade diante do que está acontecendo com o cliente não são fáceis de lidar.
É exatamente nesse ponto que se retoma a ponte com os superpoderes, não porque os psicoterapeutas o tenham, mas porque certamente gostariam de ter em determinadas ocasiões. Ver o mundo da pessoa que está a sua frente desabar por uma condição que ele próprio nada pode fazer é angustiante. Se fosse possível eliminar a dor, prever o que virá, modificar o que já passou, nós faríamos. Como não podemos, precisamos usufruir dos recursos que dispomos, não consistem em fórmulas ou instrumentos mágicos, mas na capacidade de estar presente inteiramente frente àquele que sofre.
É verdade que não podemos ler mentes e adivinhar o que o cliente está pensando ou sentindo, mas se ele contar ao psicoterapeuta o que pensa e sente, certamente irá colaborar bastante com o processo terapêutico. Processo porque não será de uma hora para outra que tudo será mudado, inclusive, boa parcela simplesmente não poderá ser modificada. Caberá a ambos aprenderem a identificar o que é passível de controle e o que não é. Para aquilo que não é, tais como os eventos privados, faz-se preciso exercer a aceitação. Não uma aceitação passiva, mas uma aceitação que se volte para a transformação do ambiente através de sua relação com o indivíduo que se comporta no aqui e agora (Hayes, Strosahl & Wilson, 1999).
Não existem superpoderes, mas existem super pessoas e enquanto psicólogos clínicos, a nossa missão é mostrar isso a elas. Não podemos salvar o mundo, mas podemos participar da mudança no mundo de alguém. Pode parecer um clichê, mas não o é. Não podemos mudar o imutável, mas podemos colaborar para que o cliente aprenda tanto a lidar com aquilo que não está sob seu controle, quanto a mudar aquilo que está, enquanto agente ativo em sua história. É nessa singularidade, de uma relação que se cerca de limites e possibilidades que está a magia e o brilho de nossa atuação e isso é tudo. Para ser psicólogo clínico o maior superpoder é ser humano.
Referências bibliográficas
Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (2001). Psicoterapia Analítica Funcional: Criando relações terapêuticas e curativas. Santo André: ESETec
Hayes, S. C., Strosahl, K. D. y Wilson, K. G. (1999). Acceptance and Commitment Therapy. An Experiential Approach to Behavior Change. New York: Guilford Press.