1. Como apontado por dados de pesquisas epidemiológicas realizadas em território nacional, o número de indivíduos que consomem substâncias psicoativas aumenta a cada período (e.g., Ribeiro et al., 2022). É provável que um psicoterapeuta comportamental tenha contato com diversos usuários de substâncias ao longo de sua carreira profissional, independentemente do ambiente em que atue (e.g., consultório particular, hospital, ambulatório etc.). É importante que o consumo de substâncias seja devidamente avaliado pelo psicoterapeuta ou, no mínimo, identificado, para que o cliente possa ser encaminhado para outro psicoterapeuta treinado para tal atividade.
2. A frequência e a quantidade de substâncias psicoativas utilizadas podem variar entre os clientes atendidos (e.g., Ribeiro et al., 2022). Por exemplo, um cliente pode buscar ajuda na psicoterapia ou ser encaminhado pela família justamente por estar usando drogas e enfrentando problemas decorrentes desse uso (e.g., câncer, desemprego etc., Diehl et al., 2019); outro cliente pode buscar ajuda para uma queixa diferente (e.g., “estou com problemas de ansiedade”) e o psicoterapeuta identificar o consumo de substâncias como um comportamento-alvo relacionado à queixa principal (e.g., a impossibilidade de consumir cocaína elicia ansiedade, Aranha et al., 2021); ou ainda, o consumo pode ser uma informação relevante dentro da conceituação de caso, embora não ser prioritário como alvo de intervenção (e.g., o consumo de álcool em situações sociais pode indicar ansiedade social, déficit no repertório interpessoal etc., Aranha & Oshiro, 2021, 2025). É importante que o psicoterapeuta consiga avaliar o consumo de substâncias, caso esse seja o problema principal, ou utilizar essa informação para enriquecer a análise do caso.
3. Em casos em que a diminuição ou interrupção do consumo é uma prioridade clínica, a motivação dos usuários pode oscilar. Isso se deve às contingências de reforçamento conflitantes nas quais o usuário geralmente está inserido (Banaco & Montan, 2018). De um lado, o consumo garante acesso a determinados reforçadores (e.g., no caso da ansiedade social, efeitos farmacológicos que diminuem o contato com estímulos aversivos sociais e aumentam a probabilidade de contato com reforçadores positivos sociais) e produzem estímulos aversivos (e.g., desemprego, rompimento familiar). Do outro lado, a interrupção do consumo pode livrar o sujeito das consequências aversivas produzidas pelo próprio consumo, mas também expô-lo a outras condições aversivas (e.g., contato com estímulos aversivos sociais, perda de reforçadores positivos sociais). Dessa forma, é relevante que o psicoterapeuta esteja apto para avaliar e intervir no momento em que o cliente procura ajuda, pois, caso contrário, seu engajamento pode mudar e uma oportunidade importante de intervenção ou, no mínimo, de encaminhamento efetivo, pode ser perdida.
4. Os psicoterapeutas comportamentais constroem seu repertório profissional ao longo da graduação em Psicologia, da especialização em psicoterapia comportamental, da psicoterapia pessoal, de grupo de estudos para discussão de casos clínicos, da supervisão clínica, da participação em congressos etc. Em concordância com Washton e Zweben (2006/2009), muitas das habilidades psicoterapêuticas necessárias para o bom atendimento de casos que envolvem consumo de substâncias já são treinadas desde muito cedo. O psicoterapeuta que considera relevante estudar as especificidades dos Transtornos por Uso de Substâncias (e.g., efeitos das drogas sobre o organismo e sobre o comportamento) já possui grande parte dos comportamentos necessários para auxiliar tanto os usuários quanto seus familiares.
5. Usuários de substâncias psicoativas geralmente apresentam diferentes dificuldades comportamentais que contribuem para o consumo excessivo de drogas (Aranha & Oshiro, 2021, 2025). As dificuldades são resultado de uma história de contingências de reforçamento que, em geral, foi bastante adversa (e.g., Aranha et al., no prelo). Dada a gravidade da história e das dificuldades decorrentes dela, o sofrimento vivenciado pelos usuários tende a ser intenso (para uma literatura com descrições de histórias reais, consultar Laranjeira & Leal, 2017). O psicoterapeuta que auxilia usuários e familiares na jornada contra o uso excessivo de substâncias pode se sentir satisfeito em observar a melhora progressiva e a redução de um sofrimento tão intenso.
6. Também em concordância com Washton e Zweben (2006/2009), o psicoterapeuta comportamental que se dedica ao estudo dos Transtornos por Uso de Substâncias pode servir de referência para colegas e outros profissionais que ainda não desenvolveram as habilidades necessárias para atender essa população. Do ponto de vista profissional, isso pode significar no encaminhamento de clientes com essa demanda, em pedidos de supervisão clínica por parte dos colegas que atendem usuários de substâncias, procura por palestras, convite para eventos acadêmicos etc.
Referências
Aranha, A. S., Naine, L. P., & Oshiro, C. K. B. (2021). Terapia por contingências de reforçamento (TCR) e dependência de substâncias psicoativas: Apresentação de caso clínico. In S. M. Oliani, R. A. Reichert, & R. A. Banaco (Orgs.), Análise do comportamento e dependência de drogas: Teoria, pesquisa e intervenção (pp. 247-286). São Paulo: Paradigma.
Aranha. A. S., Penteado, L. C. P., & Oshiro, C. K. B. (no prelo). História de reforçamento não contingente e consumo de substâncias psicoativas. Acta Comportamentalia.
Aranha, A. S., & Oshiro, C. K. B. (2021). Transtornos por uso de substâncias na perspectiva analítico-comportamental. In F. M. Lopes, A. L. M. Andrade, R. A. Reichert, B. O. Pinheiro, E. A. Silva, & D. De Micheli (Orgs.), Psicoterapia e abuso de drogas: Uma análise a partir de diferentes perspectivas teórico-metodológicas (pp. 127-144). Curitiba: CRV. https://doi.org/10.24824/978652511044.8.127-144
Aranha, A. S., & Oshiro, C. K. B. (2025). A possibility of understanding substance use disorders from a behavior analysis perspective: Contributions to clinical and psychosocial interventions. In R. A. Reichert, A. L. M. Andrade, & D. De Micheli (Eds.), Neuropsychology and substance use disorders: Assessement and treatment. Cham: Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-031-82614-6_30
Banaco, R. A., & Montan, R. N. M. (2018). Teoria analítico-comportamental. In N. A. Zanelatto, & R. Laranjeira (Orgs.), O tratamento da dependência química e as terapias cognitivo-comportamentais: Um guia para terapeutas (2a ed.) (pp. 135-151). Porto Alegre: Artmed.
Diehl, A., Cordeiro, D. C., & Laranjeira, R. (Orgs.) (2019). Dependência química: Prevenção, tratamento e políticas públicas (2a ed.). Porto Alegre: Artmed.
Laranjeira, R. & Leal, H. (Orgs.). (2017). A sabedoria da recuperação: Histórias de sucesso contra a dependência química. Porto Alegre: Artmed.
Ribeiro, C., Guerreiro, C., & Ferreira, L. (2022). Sinopse estatístico 2020: Substâncias ilícitas. SICAD. Recuperado de:https://www.sicad.pt/PT/EstatisticaInvestigacao/Documents/2022/SinopseEstatistica20_substanciasIlicitas_PT.pdf
Washton, A. M., & Zweben, J. E. (2009). Prática psicoterápica eficaz dos problemas de álcool e drogas (M. Armando, Trad.). Porto Alegre: Artmed. (Obra originalmente publicada em 2006).