
Sabe-se que o psicoterapeuta comportamental pode atuar com demandas muito distintas em seu trabalho. Os clientes podem relatar quadros de ansiedade, depressão, oscilação de humor, dificuldades em relacionamentos, impulsividade etc. Como a base teórica do psicoterapeuta sustenta as análises, intervenções e procedimentos nestes mais diversos tipos de casos?
O primeiro ponto de destaque para o psicoterapeuta é: se comportar sob controle dos comportamentos apresentados e descritos pelo cliente, ou seja, o que ele diz, pensa, sente, faz etc. De maneira sistemática e dinâmica, o psicoterapeuta deve utilizar as respostas clinicamente relevantes que o cliente emite (na relação psicoterapêutica, na relação com pessoas do seu convívio e em suas descrições), os produtos comportamentais das respostas e o ambiente descrito e observado para identificar os componentes e, por fim, construir as contingências de reforçamento, isto é, para que as respostas descritas venham ser analisadas como comportamentos. “Cabe lembrar que comportamento é um conceito interacional, dinâmico, contextual e histórico” (Guilhardi, 2024).
Neste sentido, um segundo ponto a ser destacado é: o psicoterapeuta comportamental deve seguir seu referencial teórico, ou seja, basear e guiar suas análises e intervenções a partir de leis e conceitos comportamentais derivados de pesquisas experimentais básicas e aplicadas (denominadas de Análise Experimental e Aplicada do Comportamento), comprometidas com a filosofia da Ciência do comportamento humano (concepção Skinneriana) que guiem procedimentos para instalação, manutenção e modificação de comportamentos. A proposta elaborada por Guilhardi (2004) da Terapia por Contingências de Reforçamento (TCR) é profundamente comprometida com tais princípios, ou seja, se baseia no conjunto de leis que regem o comportamento humano e compreendem, interpretam, descrevem análises e buscam influenciar os comportamentos a partir de um sistema conceitual consistente da Análise do Comportamento e do Behaviorismo Radical.
Cabe no processo psicoterapêutico TCR, por exemplo, que o cliente entre em contato com as consequências de seu comportamento. Tal relação dinâmica pode envolver classes de resposta como observação comportamental das contingências em operação, previsões sobre o fortalecimento/enfraquecimento de tais comportamentos caso a contingência se altere, teste de realidade, adaptação da análise (se esta se fizer necessária) etc. (Guilhardi, 2001). Ou seja, neste exemplo, o comportamento de conhecer a si emerge a partir da relação com o outro. O psicoterapeuta, por sua vez, deve emitir estímulos com função discriminativa, descrever as contingências em operação, descrever contingências que selecionaram o comportamento alvo, realizar procedimentos de fading in, fading out, reforçamento diferencial etc. Neste sentido, conhecer a si é um produto comportamental, produzido a partir de contingências de reforçamento específicas manejadas pelo psicoterapeuta.
Skinner (1991) descreve que apenas uma parcela da vida do cliente se passa na presença do psicoterapeuta. Na visão do autor, a relação psicoterapêutica propõe uma condição na qual ocorre uma grande quantidade de modelagens mútuas. Aquilo que o cliente faz na clínica não é a preocupação básica. O que deve ocorrer no ambiente psicoterapêutico é uma preparação para um mundo que não está sob controle do psicoterapeuta. Como se segue:
“Em vez de arranjar contingências correntes de reforçamento, como acontece no lar, na escola, no local de trabalho ou no hospital, os terapeutas dão conselhos. O comportamento-modelo a ser copiado é uma espécie de conselho, mas o conselho verbal tem um escopo mais amplo. Ele pode assumir a forma de uma ordem (‘Faça isto’, ‘Pare de fazer aquilo’) ou pode descrever contingências de reforçamento (‘Fazer isto provavelmente acarreta um efeito reforçador’, ‘Se você fizer aquilo as consequências podem ser punitivas’).”
Skinner ainda pondera que o psicoterapeuta precisa ir além. Não basta aplicar uma regra para resolução de problemas, mas sim, construir com o cliente, suas próprias regras. “Isso significa ensinar-lhes algo sobre a análise do comportamento, uma tarefa usualmente mais fácil do que ensiná-los a alterar seus sentimentos ou estados da mente”.
Considerando os pontos acima elencados, chega-se então à resposta da pergunta
“como o psicoterapeuta pode trabalhar com tantas queixas diferentes?”
Uma ponderação possível seria: e se todos os clientes apresentassem a mesma queixa?
“A mesma queixa” poderia ser analisada como fenótipo comportamental, ou seja, o formato ou a maneira como o comportamento “aparece”. O psicoterapeuta deve estar focado nas funções das contingências de reforçamento que mantêm, enfraquecem, selecionam tais comportamentos do qual o cliente se queixa. Em outras palavras, queixas similares podem apresentar funções muito diferentes entre si, assim como queixas distintas.
Não existe receita de bolo. O processo psicoterapêutico deve auxiliar o cliente, em toda sua complexidade e individualidade. Os procedimentos e ferramentas do profissional, estes sim, devem ser sistematizados e comprometidos com a Ciência Comportamental.
Em última instância, o psicoterapeuta se interessa em comportamentos e sentimentos do cliente, porém, seu foco são as contingências de reforçamento que os selecionam e mantêm. É a partir da análise e manejo das contingências que comportamentos e sentimentos podem ser modificados em diferentes queixas apresentadas e em atendimentos clínicos diversificados.
Referências
Guilhardi, H. J. (2001). Com que contingências o terapeuta trabalha em sua atuação clínica? In R. A. Banaco (Org.), Sobre comportamento e cognição: Aspectos teóricos, metodológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitivista (Vol. 1). São Paulo: Ed. ARBytes.
Guilhardi, H. J. (2004). Terapia por contingências de reforçamento (TCR). In C. N. de Abreu & H. J. Guilhardi (Orgs.), Terapia comportamental e cognitivo-comportamental – Práticas clínicas. São Paulo: Roca. Disponível em: https://itcrcampinas.com.br/pdf/helio/Terapia_reforcamento.pdf
Guilhardi, H. J. (2024). Comportamentos do psicoterapeuta TCR: Terapia por contingências de reforçamento (1ª ed.). Campinas, SP: Do autor.
Skinner, B. F. (1991). Questões recentes na análise do comportamento (A. L. Neri, Trad.). Campinas, SP: Papirus. (Obra original publicada em 1989).