Ultimamente tem se discutido de forma mais ampla (e cada vez mais explicita) os conceitos de aceitação e valores em filmes e séries, e quando pensamos em um trabalho envolvendo tais temáticas com os pacientes, em geral, o primeiro desafio envolve o entendimento e a prática da noção de aceitação por parte do terapeuta. Tal conceito é comumente confundido com noções como tolerância ou obrigação, ou ainda pode parecer meramente uma técnica a ser executada.
Para compreender de forma mais clara, podemos dividir em dois momentos:
- esclarecimento do conceito de aceitação
- compreensão de como tornar isso palpável e prático aos pacientes
No que se refere a parte conceitual, encontramos na literatura algumas definições, mas selecionei uma que a meu ver engloba pontos essenciais a tal entendimento: “é a adoção voluntária de uma postura intencionalmente aberta, receptiva, flexível e não crítica com respeito à experiência momento a momento” (Hayes, Strosahl & Wilson, 2021, pág 219). Ou seja, trata-se de uma disponibilidade a experimentar o que surgir na experiência, independente da valência emocional que isso esteja despertando em nós. É importante ressaltar que o conceito de aceitação esbarra (seja de forma sutil ou mais explícita) nos demais pilares do modelo hexaflex, a saber: desfusão, self como contexto, momento presente, clareza de valores e ação comprometida. Afinal, para eu me abrir a experiencia emocional, também precisarei me abrir a experiencia cognitiva, bem como me abrir a expandir a visão que tenho de mim mesmo, me conectar com o que o ambiente externo me apresenta, ter consciência dos meus propósitos e do que efetivamente me move em uma direção significativa, assim como destrinchar passos nesta direção.
Obviamente, na teoria isso é bem mais fácil e menos desconfortável do que na prática, e por isso é essencial que possamos trazer um viés efetivamente prático e concreto para os nossos pacientes.
Um dos recursos para tornar esse conceito tão distante e utópico em algo palpável é apresentar metáforas aos pacientes, para que eles compreendam que tal dificuldade é esperada e deve ser continuamente aperfeiçoada. E aqui cabe ressaltar que não basta simplesmente trazer uma metáfora pronta, “de livro”, mas torna-se muito mais efetiva aquela que se correlacionar ao mundo do paciente. Além disso, podemos trazer vídeos e imagens, de forma que a terapia se expanda para além do verbal e possa efetivamente se tornar palpável e prática ao paciente.
Afinal, aceitação é um processo que não se encerra, ou seja, o nosso propósito de lidar com a aceitação é contínuo, é uma mudança no modus operanti de ver e viver, que é exercitada momento a momento.
O nosso papel enquanto terapeutas não é neutralizar a possibilidade de emoções, pensamentos ou lembranças impactarem o paciente, mas sim que ele compreenda que não temos um botão “delete”, que garanta o não aparecimento de desconforto. O que temos é um “botão” de clareza, em que ele vai delimitando novos passos mais coerentes para si mesmo, e que compreenda que aceitação não é sinônimo de desistir, fracassar, tolerar ou mesmo uma obrigação. Na verdade, “o objetivo da disposição não é se sentir melhor. O objetivo é se abrir para a vitalidade do momento e se mover mais efetivamente em direção ao que você valoriza” (Hayes, Smith, 2022, pág. 61).
Sendo assim, aceitação é a disposição para fazer contato com as experiencias que se apresentam e tem por principal finalidade mudar o enfoque de meramente sentir-se bem para ter a liberdade de escolher o que lhe faz sentido (para além do que está sentindo naquele momento).
Referências Bibliográficas
Hayes, S.C., Strosahl, K.D. & Wilson, K.G. (2021). Terapia de aceitação e compromisso. O processo e a prática da mudança consciente. Porto Alegre: Artmed
Hayes, S.C. & Smith, S. (2022). Saia da sua mente e entre na sua vida. Novo Hamburgo: Sinopsys