É óbvio dizer que psicoterapeutas trabalham com pessoas. O que não é tão patente é o uso do termo. Contornando esse imbróglio, já parto do pressuposto filosófico que…
[…] as pessoas são definidas em termos de seus comportamentos sem nenhuma outra entidade, nenhum outro indivíduo delimitado localizado atrás. O behaviorismo radical descreve a pessoa como uma unidade em vez de dualidade, como uma parte interativa do ambiente em vez de uma coisa separada do ambiente. Para o behaviorismo radical, a pessoa opera no ambiente em vez de sobre o ambiente. Com esta visão, o comportamento assume um papel primário em vez de secundário, uma vez que a pessoa é comportamento.
Chiesa, 2006, p. 99
São com os fenômenos comportamentais que trabalhamos na clínica sustentada pelo behaviorismo radical. Dos desafios que nossos clientes propõem, a influência dos pensamentos nas suas vidas – e nos seus problemas – têm aspectos importantes para observarmos nas intervenções psicoterapêuticas.
Debaixo do guarda-chuva das leis comportamentais, pensar é um responder verbal encoberto. Mais especificamente, é a emissão de tatos e mandos para si (Kohlenberg e Tsai, 2001). A generalização desse repertório aprendido socialmente pode ser abarcado nas intervenções psicoterapêuticas levando em consideração os aspectos a seguir.
1. Pensamentos devem ser manejados nas contingências da sessão
Lidar com o relato de pensamentos que se dão em outros lugares, momentos e com outras pessoas, incorre no risco de partir para uma intervenção excessivamente técnica, discursiva e, até mesmo, esquiva, uma vez que nem sempre falar do comportamento implica em contatar os estímulos críticos que geram variabilidade (como quando uma pessoa pede excessivamente longas desculpas, supostamente reconhecendo um erro para alguém, em função de evitar um punidor interpessoal). Já os comportamentos eliciados e emitidos na sessão são diretamente acessíveis, logo, pensamentos que ocorrem diante dos estímulos presentes no encontro com o terapeuta podem ser manejados por ele. Lembrando que: pensamentos são acessados pelo relato do cliente ou pela inferência de outras respostas (quanto maior a intimidade, maior a observabilidade das reações da outra pessoa. Ver mais em: Contingências de reforçamento mediadas: olhando para as nossas interações).
Imagine que João, um homem de trinta e poucos anos sensível e inteligente, conte ao terapeuta sua história de vida sofrida, de abandono parental e infância e adolescência dificultadas pela timidez, gagueira e aparência fora dos padrões. Graduado a duras penas, João conquistou independência com seu trabalho e, depois de uma árdua trajetória de superação, vive cercado de amigos e mantêm várias paqueras. Agora ele procura terapia exaurido pelas próprias exigências de desempenho: se não for constantemente disciplinado e dedicado, como foi antes, sente que vai fracassar. João quer ajuda para dar conta de tudo conforme suas expectativas, mantendo uma rotina regrada de estudos, trabalho, exercícios físicos e, até mesmo, de descanso ideal. Como podemos ajudar João, com suas ideias torturantes? Tentar conduzi-lo a pensar o contrário do que ele vem pensando sobre ser produtivo é uma tentativa comum, e existem evidências sobre estresse para endossar uma psicoeducação, mas usar essa estratégia com João pode ser arriscado… além de a história dele sustentar sua “teoria da excelência”, dando a ele bons argumentos a favor desse padrão, João provavelmente não voltaria para o próximo encontro depois dessa discussão com o terapeuta bem intencionado. Isso seria uma tentativa de mudar algo que acontece lá-e-depois, não aqui-e-agora: estamos orientando João a pensar diferente na sua vida cotidiana, mas o único critério de seleção para essa resposta parece ser a aprovação do terapeuta; falta sustentação nas contingências da sua vida. Quando João trabalha menos, ele não fica de bom humor e vai em busca de outras atividades potencialmente reforçadoras, mas rumina sobre a ineficiência e fica planejando como escapar disso.
Em sessão, podemos mostrar para João o quanto suas cobranças são exaustivas, tanto para ele, que está diante do terapeuta esgotado, com olheiras profundas, como para o terapeuta que, se atendesse ao seu apelo, contribuiria ainda mais para o seu sofrimento. Tatear pensamentos parecidos com “preciso conseguir fazer mais” e “esse terapeuta não está me ajudando com isso” é mais efetivo do que discursar sobre essas ideias, pois, ao responder ao pensamento, o terapeuta faz aquilo que João precisa aprender: entrar em contato com a estimulação presente, em vez de se esquivar recorrentemente. Tolerar as suas cobranças, recusando a ajudá-lo com o seu perfeccionismo, dá modelo e pode modelar sucessivamente o repertório de responder às contingências em vigor, contatando os reforçadores positivos que também podem estar disponíveis concomitante à estimulação aversiva. Na relação terapêutica, esses reforçadores são a aceitação e a compreensão do terapeuta, que, mesmo diante da irritação e da frustração de João, reforçam sua humanidade e vulnerabilidade. A generalização da aprendizagem com o terapeuta de contatar a estimulação aversiva para que outros repertórios sejam fortalecidos vai ser indicada pelo aumento de relatos de tarefas não cumpridas ou imperfeitas e pela diminuição de pensamentos resolutivos sobre fazer mais e melhor, enquanto outros relatos surgem.
2. Pode ser de interesse a função de estímulo (evocativa ou reforçadora) da resposta de pensar
Se o pensamento pode evocar e reforçar outra resposta, em uma relação entrelaçada comportamento-comportamento, intervimos também no pensamento. Ajudamos nossos clientes a identificarem seus tatos e mandos privados, discriminando a que estão respondendo e ponderando se é a maneira mais efetiva de responder, considerando os reforçadores e punidores em voga. João, por exemplo, respondia ao seu ambiente em reforçamento negativo, tentando manter a produtividade em alto nível para se esquivar de consequências aversivas que se apresentaram antes na sua história, e a contingência verbal que surgia era mandar para si proficiência e tatear sucesso ou fracasso a depender do seu desempenho.
Mas também é possível que o pensamento não participe de outras contingências, sendo apenas uma resposta que não se sobressai nas intervenções psicoterapêuticas. Os tatos e mandos para si são respostas tão fortalecidas, generalizadas, que ocorrem mesmo sem consequência programada. Nesse caso, os pensamentos e as ações são concomitantes, mas independentes. Quando dito em voz alta para o terapeuta um pensamento desse tipo, comumente o que se segue é um diálogo intraverbal entre terapeuta e cliente.
3. Frequentemente a intervenção não é no pensamento
E aqui entra uma hierarquia que gosto de utilizar: modelar novos comportamentos é melhor que instruir sobre o que se vêm fazendo ou sobre o que se deve fazer. Isso porque ficar interpretando pensamentos que compõem o problema do cliente pode aversivamente tratar como irracional parte de seu repertório; mesmo tentando contribuir com a mudança do cliente, o terapeuta pode, assim, ser invalidante. Além disso, se o terapeuta estiver diante de pensamentos que não influenciam comportamentos subsequentes, a intervenção interpretativa/instrucional vai implicar apenas em uma conversa sobre mudança, não na mudança propriamente dita, intraverbalmente. Afinal, as contingências de reforçamento são soberanas, como descreve o exemplo clínico de Kohlenberg e Tsai (2001):
Por exemplo, veja o caso de uma mulher cujos medos de rejeição provêm de experiências pré-verbais com uma mãe psicótica. Suas reações à rejeição são imediatas e inconscientes. É mais importante para essa cliente ser exposta a uma variedade de experiências interpessoais que não sejam seguidas pelas consequências extremas que ela experienciou com sua mãe, do que engajar-se em longas argumentações lógicas sobre desistir da idéia irracional “Eu preciso ser amada por todo mundo o tempo todo.”
p. 132
Portanto, o pensamento vai variar conforme as contingências em que o cliente opera. Se modelarmos comportamentos clinicamente relevantes que levam o cliente à melhora, os pensamentos tendem a acompanhar a mudança.
4. E, por fim, cuidado: pensamentos podem se tornar regras
Intervir com o verbal é dar explicações, instruções e usar argumentos lógicos; ou seja, é formular regras. Terapeutas são especialistas em comportamento humano e podem ser muito bons nisso. Porém, ao convencer o cliente de suas descrições precisas, o terapeuta está o incentivando a seguir regras.
O responder governado por regras pode ser vantajoso se agiliza a aprendizagem e a generalização (sobretudo de respostas complexas), mas pode manter baixa variabilidade e um responder estereotipado sob controle de reforçadores dispostos pelo terapeuta. Assim, em toda e qualquer intervenção em que se emita tatos e mandos, devemos nos ater para o que sustenta o comportamento do cliente: o efeito fortalecedor do contato com as contingências descritas; ou a manutenção da consistência entre o que se fala e o que se faz (história prévia de reforçamento social) e/ou a aprovação do terapeuta (reforçamento social).
Na prática, esse tópico propõe que voltemos ao anterior. Sem que as contingências suportem o que dizemos aos nossos clientes, a variabilidade comportamental fica comprometida, se não impossibilitada: precisamos do efeito reforçador para selecionar e adaptar repertórios.
Banaco, R. A. (1997). Auto-regras e patologia comportamental. Em: Denis Roberto Zamignani (org.), Sobre Comportamento e Cognição – Vol. 3 (pp. 80-88). Santo André: Arbytes.
Chiesa, M. (2006). Behaviorismo Radical: a filosofia e a ciência. Brasília: Editora Celeiro.
Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (1991). Functional Analytic Psychotherapy: Creating Intense and Curative Therapeutic Relationships. Springer.