Quem tem medo do Behaviorismo? Reflexões a partir de possíveis variáveis que contribuem para esse status

A ideia de escrever esse texto surgiu a partir de um atendimento que realizei, bem como, após ter visto um print num grupo em uma rede social, onde a pessoa afirmava que usava métodos punitivos conforme o “behaviorismo recomendava”. Confesso que só pelo fato de descrever esse processo, já são gerados em mim respondentes, pois ao meu ver tal afirmação refere-se a uma grande desinformação e que, infelizmente, ainda se faz muito presente.

No meu primeiro texto que escrevi para o Portal Comporte-se, descrevi sobre alguns processos que podem influenciar na ocorrência do comportamento humano, conforme descrito por Skinner (1984) a partir da explicação dos três níveis de seleção, o que inclui filogênese (história da espécie), ontogênese (história da pessoa) e ambiente (contexto sócio-histórico e cultural que a pessoa vive) (https://comportese.com/2018/07/06/afinal-o-que-seleciona-o-comportamento-humano/#:~:text=Entendendo%20que%20o%20ser%20humano,inserida%20(Baum%2C%202006).). Somado a isso, aqui no portal você poderá encontrar uma série de artigos discutindo e exemplificando processos interativos que contribuem e impactam na seleção e manutenção do comportamento humano.

Reitero que a premissa do presente texto não é discutir princípios básicos do comportamento humano, mas sim discorrer a respeito de possíveis variáveis, com base em alguns dos estudos que realizo e da minha prática clínica, que podem contribuir para o aumento da desinformação a respeito dos princípios descritos na filosofia do Behaviorismo Radical, assim como, na aplicação dos procedimentos pesquisados em laboratório (Análise Experimental do Comportamento – AEC) para solução do sofrimento humano e melhoria da qualidade de vida (Análise do Comportamento Aplicada – ABA) de pessoas que buscam serviços de Terapeutas Comportamentais (Marçal, 2010; Moreira & Medeiros, 2019). No entanto, antes de partirmos para essa discussão, considero importante apresentar brevemente o que seria o Behaviorismo.

BehaviorismoS: Breves considerações e descrições

O Behaviorismo pode ser compreendido como a filosofia que estuda o comportamento humano, bem como, a interação desse com o ambiente que o cerca (ex.: natureza, animais infra-humanos e em especial, outros humanos). O primeiro estudo identificado como behaviorista foi o artigo publicado por John B. Watson em 1913 intitulado “Psychology as the Behaviorist Views it”, onde o autor versava sobre como um behaviorista ou comportamentalista percebe, poderia descrever e/ou intervir no comportamento humano, bem como nas variáveis que desencadeariam o mesmo.

À época tal estudo foi um divisor de águas na prática de muitos profissionais, onde Watson sentenciou que só seria possível trabalhar com o ser humano através da e na intervenção de seus comportamentos públicos (ex.: ações emitidas pela pessoa que poderiam ser observadas por seus pares). Logo Watson rompeu com a cultura de intervenção psicológica por meio da introspecção, tão forte naquele período, e defendeu o estudo a aplicação de procedimentos que envolvessem a modificação ambiental.

Outro marco, foi a afirmação do referido autor sobre a possibilidade de que as emoções pudessem ser condicionadas, isto é, ensinadas. Tal princípio foi confirmado através dos resultados oriundos do experimento com o Pequeno Albert, onde Watson, por meio da aplicação dos princípios do Condicionamento Pavloviano (Respondente) condicionou uma criança a apresentar respostas de medo diante da visualização e aproximação de um rato com pelagem branca. A partir dessa intervenção o pequeno Albert passou a apresentar respostas de medo (ex.: chorar, gritar e se afastar) do rato branco e, também, generalizou tais comportamentos para estímulos que possuíam características físicas similares (ex.: coelho branco, ursinhos de pelúcia, pessoas com barba branca, etc.) (Leonardi & Nico, 2012; Marçal, 2010; Moreira & Medeiros, 2019; Pessôa & Velasco, 2012). É importante pontuar que, atualmente considera-se que o procedimento desenvolvido por Watson feriu vários princípios éticos e a dignidade tanto da criança que participou do estudo como da família dessa.

Watson defendia que a intervenção do terapeuta deveria abarcar apenas os comportamentos observáveis. Logo muito profissionais começaram a questionar o que poderia ser feito para analisar comportamentos privados (ex.: pensamentos, emoções, sentimentos e memórias) ou quais variáveis afetavam a sua ocorrência. Diante dessa lacuna, surgem outros behavioristas com o propósito de responder tal questionamento. Um dos mais influentes pesquisadores foi B. F. Skinner, onde o mesmo propôs que tanto os comportamentalistas como os(as) psicólogos(as) das demais vertentes voltassem seus olhares para a raiz do desenvolvimento da espécie humana (Teoria da Seleção Natural de Charles Darwin), bem como para o papel e importância da interação e influência reciproca entre o ser humano e o ambiente no qual esse se comporta (Marçal, 2010; Moreira & Medeiros, 2019).

Diferente de Watson que descreveu uma relação passiva do ser humano com o ambiente, onde diante de uma mudança no contexto respostas são eliciadas no organismo, Skinner descreveu, estruturou e defendeu um processo interativo do ser humano com o contexto no qual esse habita e se comporta (Marçal, 2010; Moreira & Medeiros, 2019; Pessôa & Velasco, 2012). Nos dizeres de Skinner (1978) “Os homens agem sobre o mundo, modificam-no e, por sua vez são modificados pelas consequências de sua ação” (p. 1).

A partir dos estudos realizados por Skinner surgiu o conceito de comportamento operante e por meio da descrição dos componentes presentes no que se considera um comportamento operante (Estimulo – Resposta – Consequência [S:RàC]) foi possível afirmar e confirmar, com propriedade, que o ser humano não é passivo ou uma tábula rasa no ambiente que habita, mas sim realiza modificações no contexto e é, também, transformado a partir das consequências dos seus comportamentos (Pessôa & Velasco, 2012; Skinner, 1953).

Somado a isso, Skinner descreveu de forma operacional processos biológicos básicos que influenciam no aumento e, até mesmo, na diminuição dos comportamentos apresentados pelo ser humano, esses processos incluem: Princípio do Reforçamento, Punição e Extinção (Marçal, 2010; Moreira & Medeiros, 2019; Skinner, 2003). Além de Skinner existiram outros behavioristas influentes e que contribuíram consideravelmente para a construção e avanço do arcabolço teórico, técnico e prático da filosofia do Behaviorismo Radical, bem como da Ciência da Análise do Comportamento. No entanto, não irei falar sobre esses autores, pois poderia deixar o texto, ainda mais, extenso, por esse motivo peço desculpas a você leitor(a).

Bom, a partir dessa breve introdução teórica, partirei agora para a descrição e discussão de alguns pontos (leia-se variáveis) que, ao meu ver, contribuem para o fomento e manutenção de concepções equivocadas a respeito do Behaviorismo e, até mesmo, da Ciência da Análise do Comportamento.

Algumas Variáveis que Contribuem para Concepções Equivocados sobre o Behaviorismo

  • Acredito que um ponto muito importante é que grande parte das traduções dos livros do Skinner foram realizadas por profissionais que não são Analistas do Comportamento. Logo, é provável que muitos termos perderam ou tiveram seu sentido alterado, se comparado a versão original (em inglês), a partir do processo de tradução.
  • Outro ponto, está relacionado aos textos do Skinner, visto que a escrita do autor é muito complexa e de difícil compreensão, logo muitas pessoas ao ler suas produções não a compreendem, acabam ficando desmotivadas e, em alguns casos, compreendem de forma equivocada os princípios descritos e, consequentemente, aplicam e descrevem tais processos de maneira errônea.
  • Junto a isso, alguns dos principais livros do Skinner (p.ex.: “Tecnologia do ensino” de 1972) foram traduzidos e lançados em língua portuguesa no período da ditadura militar, logo alguns dos princípios descritos em Análise do Comportamento e presentes nesses acervos, foram aplicados de forma equivocada, descontextualizada e, até mesmo, para coagir as pessoas. Por exemplo: uma técnica muito utilizada na educação para reforçar comportamentos apropriados dos alunos (p.ex.: concluir a tarefa) é disponibilizar uma estrela para a criança ou carimbar algum desenho no caderno dessa. No entanto, tal procedimento não é efetivo com todas as crianças, visto que uma estrela ou carimbo não será reforçadora para todo mundo. Para um estímulo ser considerado como reforçador ele primeiro tem que ter um efeito no aumento da emissão do comportamento, bem como, ser atrativo para a pessoa.
  • Ainda hoje é comum que psicólogos(as) de outras abordagens psicológicas lecionem disciplinas sobre Behaviorismo e/ou Análise do Comportamento nos cursos de graduação em psicologia. A partir disso, é bem provável que os(as) alunos(as) aprenderão informações erradas e distorcidas sobre essa(s) área(s) e contribuirão para propagação dessas informações. Somado a isso, frequentemente profissionais que lecionam a disciplina de “Psicologia da educação” para graduações nas áreas da saúde e/ou educação, também, não são analistas do comportamento e acabam explicando de forma equivocada e quiçá tendenciosa os princípios e processos comportamentais.
  • A confusão e aplicação equivocada dos princípios comportamentais é um outro ponto de grande relevância. Um exemplo bem claro é o uso de métodos punitivos com o objetivo de diminuir a frequência de comportamentos considerados inapropriados. Contudo, muitas pessoas esquecem e/ou não tiveram acesso a essa informação de que o próprio Skinner recomendou, fortemente, que seja evitado ao máximo o uso de procedimentos punitivos, pois esses podem gerar respostas emocionais, criar contingências para traumas, gerar respostas de contracontrole, evocar comportamentos agressivos e, além disso, não ensinam a pessoa que é alva da punição quais comportamentos são esperados ou não e de que forma ela poderá aprender e apresentar tais respostas.
  • Por fim um aspecto que considero muito relevante (aqui talvez, como diz o ditado, eu “dê um tiro no próprio pé”) é que alguns membros da comunidade de Analistas do Comportamento demonstram dificuldades para dialogar e discutir de forma assertiva (isto é, sem ofender) com profissionais de outras áreas e abordagens. Infelizmente é muito comum e recorrente terapeutas comportamentais defenderem a Ciência da Análise do Comportamento quase que de forma dogmática, como se seus princípios fossem a única verdade, todavia isso é um grande engano e, consequentemente, acaba por dificultar a criação e o estabelecimento de relações, no mínimo, respeitosas, e se possível de parceria, com profissionais de outras vertentes teóricas dentro da psicologia.

Considerações Finais

Os princípios do Behaviorismo Radical podem contribuir consideravelmente para o desenvolvimento e aplicação de procedimentos para a melhoria da qualidade de vida das pessoas, bem como, na organização do contexto no qual essas frequentam (Análise do Comportamento Aplicada). É importante pontuar que o Behaviorismo não foi algo descrito e definido exclusivamente pelo Skinner, mas sim teve muitas pessoas envolvidas, por isso o “S” no título da seção anterior. Logo, caso queira saber sobre outras descrições behavioristas recomendo e o(a) incentivo-o a fazer isso.

A proposta desse texto foi versar sobre alguns pontos que, ao meu ver, contribuem para o surgimento e manutenção de informações e aplicações equivocadas da Ciência da Análise do Comportamento. Sendo assim, ele teve um teor bem pessoal. Com base nisso, caso você se sinta confortável, comente aqui no texto o que você achou e, até mesmo, outras variáveis que você acha que contribuem para isso. Por fim, encerro esse texto com uma citação do Skinner, onde o mesmo tece considerações a respeito das mudanças e sobre o que consideramos uma verdade.

“Não considere nenhuma prática como imutável. Mude e esteja pronto a mudar novamente. Não aceite verdade eterna. Experimente.” (Skinner, 1972, p. 2)

Referências

Leonardi, J. L., & Nico, Y. (2012). Comportamento respondente. In N. B. Borges, & F. A. Cassas, (Orgs). Clínica analítico-comportamental: Aspectos teóricos e práticos. (18-23). Artmed

Marçal, J. V. S. (2010). Behaviorismo radical e prática clínica. In A. K. C. R. de-Farias, (Org). Análise comportamental clínica: Aspectos teóricos e estudos de caso. (30-48). Artmed

Moreira, M. B., & Medeiros, C. A. (2019). Princípios básicos de análise do comportamento. 2 ed. Artmed

Pessôa, C. V. B. B., & Velasco, S. M. (2012). Comportamento operante. In N. B. Borges, & F. A. Cassas, (Orgs). Clínica analítico-comportamental: Aspectos teóricos e práticos. (24-31). Artmed

Skinner, B. F. (1972). Walden ii: Uma sociedade do futuro. Editora Pedagógica e Universitária

______. (1972). Tecnologia do ensino. Editora da Universidade de São Paulo

______. (1978). O comportamento verbal. Cultrix

______. (1984). Selection by consequences. Behavioral and Brain Sciences7(4), 477-481. http://10.1017/S0140525X0002673X

______. (2003). Ciência e comportamento humano. Martins Fontes

Watson, J. B. (1913). Psychology as the behaviorist views it. Psychological Review, 20(2), 158–177. https://doi.org/10.1037/h0074428

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Escrito por Lucas Polezi do Couto

- Psicólogo CRP 16/6198 e CRP 08/IS-715;
- Supervisor de intervenções baseadas em ABA para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e quadros associados;
- Mestrando em Psicologia (PPGP UFES);
- Especialista em Psicoterapias Comportamentais de Terceira Geração (IPOG);
- Teacher in Training do Programa Mindfulness e Autocompaixão Mindful Self-Compassion (MSC) (Center for Mindful Self-Compassion & Conectta Mindfulness e Compaixão);
- Pós-graduando em Intervenção ABA para Autismo de DI (CBI of Miami);
- Cursando o preparatório para o QASP-S (The Behavior Web).

Trabalho com Psicoterapia (ACT e DBT), Avaliação Psicológica, Treinamento e Orientação Parental. Apaixonado por ACT, Autocompaixão, ABA, TFC e DBT.

Contato: psicologo.lucaspolezi@gmail.com.

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