Desmistificando o sentir: dando voz as emoções

Muitas vezes a primeira queixa que chega por parte dos pacientes é o incômodo com a presença de determinadas emoções. Na verdade, mais do que incomodados, comumente eles se encontram cansados, frustrados e angustiados com o seu sentir. Para eles, tais emoções são muito erradas e seu maior desejo seria que elas simplesmente nunca mais aparecessem.

Diante desse cenário suas estratégias de esquiva experiencial (ou seja, de não ter contato com a experiência do sentir) são as mais variadas e vão desde idas repetidas a médicos (para descobrir o que tem de errado com suas sensações físicas), comer compulsivo, abuso de substâncias, maratonar séries ou mesmo mergulhar no trabalho. Seja qual for a possibilidade escolhida, tem em si a função de tentar impedir (ou ao menos camuflar) a presença da emoção desconfortável.

A grande armadilha presente neste cenário é que lutar contra as nossas emoções é sinônimo de lutarmos contra nós mesmos e com algo que surge em grande parte de forma absolutamente involuntária. Além disso, como a luta contra o desconforto é tão frequente e intensa, muitos pacientes sequer param para perceber que elas se apresentam de forma cíclica, e não linear.

Como clínicos precisamos compreender o nosso papel de construir com os nossos pacientes a possibilidade de novos repertórios e aprendizados de regulação emocional, para que diante do sentir não seja mais necessária a luta e sim a abertura e aceitação com a experiência. Essa nova concepção contraria muitas ideias e mitos arraigados (como a noção de emoções perigosas, boas ou más, certas ou erradas). É importante ressaltar que faz sentido e nos ajuda a descrição da nossa experiência emocional em termos de intensidade ou ainda se nos são agradáveis ou desagradáveis. Porém, na nova concepção que estamos trazendo aos nossos pacientes, tal classificação tem caráter meramente descritivo e não julgador, e passamos a compreender nossas emoções como sendo reações a estímulos ocorridos (sejam eles concretos ou imagéticos) e nosso enfoque se volta à utilidade e não agradabilidade. Ou seja, é preciso dar voz à emoção que aparece, e diante dela ter curiosidade com o que ela está nos contando sobre nós mesmos e o que nos é importante. Afinal, não temos como seletivamente não entrar em contato só com a “parte ruim” da experiência. “A esquiva experencial leva não só a emoções negativas restringidas, mas também à ausência de emoções positivas” (Hayes, Strosahl, Wilson, 2021, pág 62). Ou seja, o indivíduo, ao buscar bloquear o contato com a dor, frequentemente acaba por também ficar bloquear a possibilidade de prazer, satisfação e conexão com outros e com sua própria vida. Ele pode inclusive ter dificuldade de descrever o que lhe traz emoções agradáveis, pois seu olhar está incansavelmente voltado apenas à minimização do que lhe soa ruim.

Todo esse processo de sair dessa blindagem e se permitir um olhar mais amplo e com menos julgamento começará em pequenos passos cotidianos, respeitando o tempo e ritmo de cada paciente. Caberá aqui o difícill papel de equilibrarmos validação e movimento, ou seja, não basta somente acolher sem ações efetivas de mudança, como também não basta somente planejar e executar sem reconhecer que é uma mudança muito desafiadora e por vezes dolorosas.

Referências Bibliográficas

Hayes, S.C., Strosahl, K.D., Wilson, K.G. (2021). Terapia de aceitação e compromisso: o processo e a prática da mudança consciente.  Porto Alegre: Editora Artmed

Poubel, L. & Rodrigues, P. (2018). Manual de inteligência psicológica para felicidade integral. Rio de Janeiro: Letras e versos

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Escrito por Mariana Poubel

Graduada em Psicologia pela UFRJ (2012) e mestre em Saúde Mental pelo IPUB/UFRJ (2015). Fez curso de formação em Terapia Cognitivo Comportamental para adultos e infanto juvenil, curso de capacitação em análise do comportamento e formação em terapias contextuais.
Atua como terapeuta, supervisora e mentora.

Email para contato: marianapoubel@gmail.com

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