Relacionamentos românticos e a variável gênero

Muito se discute, atualmente, sobre feminismo, machismo e suas implicações na sociedade. Como é ilustrado por Chimamanda em seu livro “Sejamos todos feministas”, falando sobre situações vivenciadas por ela ou por pessoas próximas. Por exemplo, não ser escolhida para ser monitora da turma em detrimento de um menino, mesmo tendo tirado uma nota mais alta que ele. E várias outras situações em que se exige muito da mulher e pouco do homem, ou que há essa diferenciação de gênero sem real motivo.

Uma tentativa de justificativa muito comum é a biologia. Por ter mais testosterona o homem é mais forte fisicamente, é mais apto para determinadas tarefas. Enquanto as mulheres são associadas a tarefas que exigem cuidado, atenção, delicadeza. Porém, mesmo que sejam, de fato, diferentes biologicamente, a “socialização exagera essas diferenças” [1]. Em outras palavras, a sociedade reforça ainda mais essa discrepância. As mulheres “[…] cresceram esperando tão pouco dos homens que a ideia de vê-los como criaturas selvagens, sem autocontrole, é de certa forma aceitável.” [1]. Isso reflete na forma que casais heteroafetivos se relacionam.

Essas expectativas referentes a cada gênero se relacionam diretamente com o terceiro nível de seleção de Skinner: a cultura. O autor ainda afirma que “[…] a cultura na qual o indivíduo nasce se compõe de todas as variáveis que o afetam e que são dispostas por outras pessoas”. 4], isso quer dizer que é um conjunto amplo de agências controladoras sob o indivíduo. Muitas vezes, o controle cultural não é percebido, isto é, o sujeito não considera essa variável ou não consegue identificar qual controle que ela exerce em determinado comportamento.

Essa estrutura machista da sociedade traz consequências para ambos os gêneros, ainda que a vítima seja a mulher, e gera problemas entre parceiros, como afirma Pinheiro e Oshiro [3]. As autoras ainda separam, didaticamente, alguns pontos de atenção no que tange ao atendimento direcionado às mulheres na clínica: invalidação, exigências desiguais e, por fim, abuso e violência. O primeiro sinaliza a importância de validar os sentimentos e as dores trazidas pelas clientes bem como pontuar que existe uma particularidade no gênero feminino.

As expectativas são diferentes para cada gênero e acaba exigindo mais de mulheres, principalmente sobre aparência física, cuidados com a casa e criação dos filhos. Além disso, cabe apenas à mulher buscar meios de manter o relacionamento sendo compreensiva, paciente, amorosa, sem poder se exaltar e outros. “[…] mulheres e homens já respondem a uma série de contingências socialmente arranjadas pelo único fato de serem daquele gênero” [3]. Enquanto deles, não costuma se esperar muito, apenas que mantenham sua virilidade e sejam provedores.

O último ponto pode ser discutido no atual cenário de pandemia do Covid-19, período no qual a violência doméstica teve um importante aumento de 22% em relação ao ano de 2019 , [2]. Isso é só um reflexo de todo abuso e violência que as mulheres sofrem durante a vida, de forma velada ou não. [3] O que foi agravado pelo isolamento de vítima e agressor dentro de casa e diminuindo as possibilidades de pedir ajuda.

O feminismo, portanto, entra como uma ação de contracontrole ao machismo, em outras palavras, “ataca a fim de enfraquecer ou destruir o poder controlador”[5]. Os comportamentos machistas, entretanto, vão buscando meios de se manter na sociedade, uma vez que a violência física é algo muito visual e já não é mais tão reforçada pela sociedade. Consequentemente, o controle aversivo exercido vai se tornando cada vez mais velado, isto é, a topografia mudou, mas a função é a mesma.

REFERÊNCIAS

[1] ADICHE, Chimamanda Ngozi. Sejamos todos feministas. 2015. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras.

[2] Organização Mundial da Saúde (OMS). Violence against women during COVID-19. Disponivel em: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/question-and-answers-hub/q-a-detail/violence-against-women-during-covid-19?gclid=CjwKCAjwltH3BRB6EiwAhj0IUCIrXvHgNhP3IE9VTONdKpp_Z0C8uTaDPtFj12M1zzW4rHtc_As22BoCz-MQAvD_BwE. Acesso em: 05 de maio de 2020.

[3] PINHEIRO, Renata da Conceição Silva; OSHIRO, Cláudia Kami Bastos. Variáveis de gênero que terapeutas devem estar atentas no atendimento a mulheres. In: PINHEIRO, Renata; MIZAEL, Táhcita (org). Debates sobre feminismo e análise do comportamento. 2019. Fortaleza: Imagine publicações.

[4] SKINNER, Burrhus Frederic. Ciência e comportamento humano. 2003.

[5] SKINNER, Burrhus Frederic. Sobre o Behaviorismo. 10. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.

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Escrito por gabriellamonteiro

Psicóloga que atua sob enfoque da Análise do Comportamento na clínica e tem como foco de estudos saúde da mulher, endometriose e outros quadros relacionados; pós graduanda em Análise Comportamental Clínica pela PUC-PR.

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