Terapeuta, o que você tem feito ao se relacionar com o seu cliente?

Os processos comportamentais ocorrem o tempo todo, mesmo quando não os estamos observando e manejando diretamente. Todo comportamento, público e privado (Tourinho, 2009), é adaptativo: tem função (Banaco, 1997), que é dada pela relação de contingência estabelecida, e não pela qualidade da interação entre os eventos ambientais e as respostas do organismo. Repertórios, portanto, são fortalecidos e não necessariamente saudáveis, benéficos ou prazerosos (Skinner, 1987). Na clínica, isso implica em uma consideração importante: mais que agradável, um processo terapêutico precisa promover mudanças. Logo, nós, terapeutas, não precisamos cumprir sempre com o estereótipo do simpático, do bonzinho e carinhoso; podemos acolher e provocar, conflitar e conciliar, sempre em função de nossos clientes: de suas dificuldades e potencialidades. Se o cliente emite uma topografia da classe de respostas alvo na sessão, existe a contingência da interação operando e a oportunidade de tomar parte nela: consequenciando e evocando respostas por meio da própria reação do terapeuta; que, não obstante, deve sempre se preservar como audiência não punitiva – classe de respostas agrupadas pela função (Skinner 1953/1994), não por topografias.

Quando se discute, no escopo da FAP (Kohlenberg & Tsai, 1991), a importância da análise e expressão de sentimentos, o terapeuta é orientado a se atentar para as funções de uma resposta, a fim de saber como evocar e reforçar repertórios das mudanças que o cliente busca. Nem sempre isso significa dizer o quanto gostamos da pessoa e o quanto algo que ela faz nos agrada, mas frequentemente nos estimula a falar ou fazer coisas que desafiam ambos no relacionamento. Como quando conseguimos usar o cansaço e desânimo que um cliente provoca ao não se engajar no processo terapêutico para ajudá-lo a ser mais colaborativo com o terapeuta. Por isso, as nossas impressões, sensações e tendências para agir podem contribuir para o trabalho com nossos clientes, no desenvolvimento de um relacionamento que seja marcado não pela topografia da intimidade, mas por sua função fortalecedora de repertórios.

As nossas impressões

Antes de terapeutas, somos humanos e carregamos um aparato que evoluiu para avaliar e julgar situações e pessoas. Essa é uma habilidade, mas como diria o ditado: pra quem só tem martelo, tudo é prego (Banaco, 1999). Especialmente como terapeutas, precisamos adquirir e ter à disposição uma caixa inteira de ferramentas para utilizar nas diversas situações interpessoais que vivenciamos no nosso trabalho.

Ao observarmos e levantarmos informações sobre nossos clientes, elaboramos hipóteses e interpretações. O que fazemos com isso frequentemente revela que tipo de terapeuta somos; que abordagem aderimos, portanto. A proposta aqui, alinhada com a filosofia behaviorista radical e com a prática da FAP, é aproveitar a compreensão que formulamos sobre o nosso cliente como estímulo para a criação de contingências terapêuticas, evocando e consequenciando repertórios na interação e, com isso, indo além do habitual manejo de descrever contingências com nossas avaliações funcionais a fim de ampliar autoconhecimento. Nesse sentido, o cliente não só aprende mais sobre si, mas faz algo diferente na própria sessão e, modificando o ambiente, é transformado pelas consequências de sua ação (Skinner, 1957/1978).

Assim, um cliente que tem dificuldade de se revelar ao terapeuta pode tanto se beneficiar de alguém que o encoraja pedindo para que faça mais relatos (“vejo seu receio em me contar sua história, e vejo também a importância de que você faça isso pra que eu consiga ajudá-lo…”), como do terapeuta que cria condições para as falas mais arriscadas, modelando na interação com o cliente o falar sobre si. Compartilhar nossas análises é bom, mas inseri-las na interação, como SD (Estímulo Discriminativo) e SC (Estímulo Consequente) interpessoal, pode se tornar melhor ainda. O trecho a seguir, um diálogo entre um terapeuta e um cliente adolescente,  ilustra uma intervenção desse tipo.

Cliente: [silêncio] … É que eu sou tímido e não consigo falar aqui.
Terapeuta: Tô percebendo como essa situação é desconfortável pra você… Pelo seu jeitinho de sentar, de segurar as suas mãos, eu imagino que tudo que esteja passando pela sua cabeça agora é que hora isso aqui vai terminar. [SD interpessoal: tato das impressões do terapeuta]
C: (risos) É… 
T: (sorrindo) E o que a gente pode fazer pra essa hora passar mais rápido? [SD interpessoal: mando para continuar a interação]
C: Não sei… Acho que conversarmos.
T: Beleza, isso parece com o que estamos fazendo… Ver assim me deixa menos tensa, e você? [SC interpessoal: reforçando a resposta do cliente no episódio de interação; SD interpessoal: mando para evocar resposta de observação]
C: Acho que sim, um pouco.
T: Então vamos assim… Você percebe que já soltou as mãos? [SC interpessoal: reforçando relato; SD interpessoal: evocando relato]
C: Aham…
T: (sorrindo) Ajuda quando não temos que ser o único aqui a falar, né? [SC interpessoal: reforçando relato; SD interpessoal: evocando relato]
C: Sim (sorriso).
T: Você joga a bola pra mim e eu jogo pra você. Agora que eu estou com o lance, pega aí [simulando arremessar uma bola imaginária]: o que rolou na sua semana? [SD interpessoal: evocando relato]
C: Não muita coisa… mas tive outra briga com minha mãe. 
[…]

Sobre as suas impressões: com o que disse até aqui, você concordou com algo? De que discordou? O que você percebe sobre mim minha forma de pensar e escrever?

As nossas sensações e sentimentos

Para que possa tatear nuances mais precisas das contingências do que as emoções básicas dão conta (felicidade, tristeza, medo, surpresa, raiva e nojo), o terapeuta precisa ampliar seu repertório verbal. Nós também nos sentimos abatidos, aflitos, agitados e apreensivos; atônitos, atormentados ou apáticos; ora cansados, ora confiantes… por vezes confusos, culpados, decepcionados, desencorajados, desesperados; outras vezes curiosos, encantados, esperançosos. Sentimos tédio e indiferença, e também satisfação e orgulho. Perplexidade, perturbação, receio e tensão também podem ser nomeados, assim como surpresa e serenidade.

Compartilhar o que sentimos não deve ficar restrito aos momentos amorosos entre terapeuta e cliente, em que expressamos o quanto gostamos de algo que o cliente falou ou fez, aproveitando do duplo efeito que a consequência detém nestas ocasiões: o fortalecedor e o efeito prazeroso. A expressão do terapeuta também pode e deve acontecer para tatear contingências e evocar respostas de contato, que são alternativas às esquivas que comumente prejudicam a intimidade entre o cliente e as pessoas com quem ele se relaciona. Para exemplificar essa colocação, lembro de um cliente que precisei encaminhar para um colega porque seu jeito prolixo e muito editado de falar sobre si, pertencentes a uma forte classe de esquivas, não me deixava, ao contrário do que era esperado, frustrada. A escassez de relacionamentos na sua vida talvez se devesse a como as pessoas se fatigavam dele, da sua maneira solícita e simpática de se apresentar mantendo apenas uma relação amistosa, superficial, com todos. Como minha história me tornou bastante tolerante a esse padrão, eu persistia e continuava engajada mesmo que só conseguindo evocar mais simpatia dele, o que, na formulação do caso, era um comportamento-problema (CCR1) e não um alvo a ser desenvolvido e mantido (CCR2) (Kanter et. al., 2011). Sem vulnerabilidade, nós não conseguimos progredir em intimidade (Cordova & Scott, 2001). Para esse cliente, a terapia seria tão mais efetiva quanto um terapeuta conseguisse dizer o que as pessoas não falavam pra ele e o que eu não conseguia sentir com ele: cansaço e desgaste. Diferente de mim, que tinha meu repertório capturado pelas dificuldades do cliente, um novo terapeuta, com outra história e estilo interpessoal, poderia enfim fazer contato com o self (Moreira et al., 2017) e estimular o cliente a emitir respostas mais vulneráveis que, por meio das reações reforçadoras do terapeuta, desenvolveriam um repertório diferente daquele que vinha mantendo-o em sofrimento. Como eu não me sentia frustrada, eu não reagia a esse sentimento nos nossos encontros e, por isso, ele não poderia aprender experiencialmente comigo o que ele fazia, no momento em que ele fazia, que fatigava as pessoas. Tecnicamente, portanto, eu tinha dificuldade de discriminar o comportamento alvo acontecendo na nossa interação porque a principal pista – frustração, cansaço – não era SD para mim, no meu corpo; com isso, eu perdia oportunidades de fazer o treino discriminativo de mudanças desse cliente.

Como você se percebe agora, curioso, interessado? Indiferente, entediado? 

As nossas tendências para agir

Neste ponto, considera-se que junto com as sensações eliciadas por um estímulo, respostas operantes são evocadas – aquelas que, claro, pertencem às classes selecionadas na história do indivíduo. Um terapeuta que sofreu com pais autoritários provavelmente terá aprendido um arsenal de topografias para reagir às situações da mesma classe de estímulos. Nada mal até que um cliente desavisado comece a emitir mandos diretos para ele…

– Podemos fazer as sessões quinzenalmente para eu ter que gastar menos com terapia?
– Quem tem conhecimento técnico para decidir a frequência dos nossos encontros sou eu – poderia responder o terapeuta contracontrolando. 

Tal reação seria compatível com a história deste terapeuta fictício, mas provavelmente não seria planejada e nem terapêutica. Tender a discutir seria uma resposta fortalecida na sua história, e não é necessariamente inapropriada – faz parte das contingências de seleção e adaptação ao seu ambiente; ao seu padrão de respostas nos relacionamentos passados e nas relações presentes na sua vida. A tendência a contracontrolar acontece na presença de estímulos antecedentes que, na ocasião, estão sendo dispostos pelo cliente. Se usada em consonância com análises funcionais, ela é bastante informativa sobre o que esse cliente elicia e o que evoca nas pessoas do seu convívio, informando também sobre como o terapeuta, uma pessoa com habilidades para responder diferencialmente, poderia reagir. Para tanto, pergunta-se: quais classes de resposta do meu cliente eu quero desenvolver? Com quais outras classes a melhora compete? 

Para um cliente habituado a mobilizar as pessoas sem se vulnerabilizar, com aquele tom autoritário para pedir algo, uma resposta que buscasse tatear e validar alguma necessidade poderia ser um percurso mais efetivo para assegurar tanto a “ameaçada” expertise do profissional e, ainda assim, oferecer tratamento para o cliente. Nosso terapeuta poderia então dizer:

– Eu poderia dar uma resposta técnica para sua pergunta, mas fico me perguntando se você não quer, na verdade, me pedir por uma terapia melhor e se eu não conseguiria fazer mais por você nos nossos encontros.

Não podemos controlar como sentimos, como ficou posto no exemplo do encaminhamento do meu cliente, mas podemos fazer ou, como no exemplo, falar de uma ou de outra forma com os nossos clientes. Essa escolha comumente é controlada pelas formulações que nos dedicamos tanto a produzir e pode contar também com algo mais espontâneo, in loco, não analisado anteriormente nas conceituações de caso e possível de ser incorporado na interação com o cliente: as respostas mais prováveis de serem emitidas em determinadas ocasiões.

Sobre as suas tendências de ação: você tem corrido os olhos ao ler esse texto ou ido devagar? Inclinou-se a parar de ler em algum ponto?

Em síntese, o que esse texto buscou trazer para conversa é a importância de nós, analistas do comportamento clínicos, discriminarmos nosso próprio corpo, transformado pelas aprendizagens de nossas histórias, para guiarmos nossos clientes no percurso que eles precisam fazer no seu próprio processo terapêutico: reagir ao eu, ou self, ao tatear ou mandar (Medeiros, 2002) na presença de alguém, expressando aquilo que os afeta de modo a impactar na outra pessoa assertivamente (Marchezini-Cunha e Tourinho, 2010). No lugar de reagir apenas aos estímulos externos, um controle de estímulos no corpo (sensações, sentimentos, pensamentos e tendências de ação) melhora nosso relacionamento intrapessoal e, portanto, potencializa nosso comportamento nos contextos interpessoais.
No treino que recebemos para nos tornarmos terapeutas aprendemos mais sistematicamente a compartilhar nossos sentimentos, especialmente os acolhedores e amorosos. Ter algo a mais – todo o rol de respostas que emitimos encobertamente – pode contribuir em muito para o desenvolvimento da intimidade entre terapeuta e cliente, pois permite a discriminação de como uma pessoa impacta outra, sobre como reagir a esse impacto no corpo e sobre como responder a essa outra pessoa.

Banaco, R. A. (1997). Auto-regras e patologia comportamental. Em: Denis Roberto Zamignani (org.), Sobre Comportamento e Cognição – Vol. 3 (pp. 80-88). Santo André: Arbytes.
Banaco, R. A. (1999). Técnicas cognitivo-comportamentais e análise funcional. Em: R. R. Kerbauy e Wielenska, R. C. (Org.): Sobre Comportamento e Cognição, Vol.4, (pp. 75-82). Santo André: Arbytes.
Cordova, J. V., & Scott, R. L. (2001). Intimacy: A behavioral interpretation. The Behavior Analyst, 24(1), 75–86.
Kanter, J. W.; Weeks, C. E.; Bonow, J. T.; Landes, S. J.; Callaghan, G. M.; Follete, W. C. (2011). Avaliação e Formulação de Caso. Em: M. Tsai; R. J. Kohlenberg; J. W. Kanter; B. Kohlenberg; W. C. Follete; G.M Callaghan (eds.), Um Guia para a Psicoterapia Analítica Funcional: Consciência, Coragem, Amor e Behaviorismo. Santo André, ESETec, p. 61-88. 
Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (1991). Functional Analytic Psychotherapy: Creating Intense and Curative Therapeutic Relationships. Springer.
Marchezini-Cunha, V.; Tourinho, E. Z. (2010). Assertividade e autocontrole: interpretação analítico-comportamental. Psic.: Teor. e Pesq.,  Brasília ,  v. 26, n. 2, p. 295-304.
Medeiros, C. A. (2002) Comportamento verbal na terapia analítico comportamental. Rev. bras. ter. comport. cogn. [online], vol.4, n.2, pp. 105-118.
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Skinner, B.F. (1957/1978). Comportamento Verbal. São Paulo: Cultrix/EDUSP.
Skinner, B. F. (1987). O que há de errado com a vida cotidiana no mundo ocidental? Trad. Renata Cristina Gomes, disponível em http://www.itcrcampinas.com.br/pdf/skinner/oque_ha_de_errado_com_o_mundo_ocidental3a.pdf
Skinner, B. F. (1994). Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1953).
Tourinho, E. Z. (2009). Subjetividade e relações comportamentais. São Paulo: Paradigma.

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Escrito por Francine Fernandes

Formada em Psicologia pela UFSCar e especialista em Clínica Analítico-Comportamental. Atua como psicoterapeuta e supervisora clínica, com formação em Terapia por Contingências de Reforçamento (TCR) e ênfase em Psicoterapia Analítico-Comportamental (FAP).

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