Movimentos Sociais são produto direto de mudanças tanto a nível relacional como a nível estrutural da sociedade. Alguns autores entendem que para que um movimento social seja considerado como tal ele deve contemplar interações informais, solidariedade e crenças compartilhadas, ações coletivas com relação a conflitos e ações que vão para além do movimento enquanto esfera institucional e procedimentos de rotina da vida diária (Laclau & Mouffe, 1985; Diani, 1992; Melucci, 1992; Fuchs, 2005).
Movimentos sociais ajudam a compreender a criação da ação social e também da ação individual (Melucci, 1992). Movimento social também pode ser entendido como a organização de grupos da sociedade que pretendem “lutar, reivindicar por algum direito, promover alguma mudança desejada ou fazer permanecer alguma decisão que seja favorável à comunidade” (Bezerra, Sousa, maia, Matias & Silva, 2013, p. 314).
Um movimento social se diferencia de outras organizações no sentido de que possui um projeto, objetivos, metas, procedimentos que são pensados por meio de uma ideologia e visão de mundo, formuladas a partir de conhecimentos externos ao movimento, como a ciência etc. (Bezerra et al, 2013).
No Brasil, lutas e revoltas populares datam desde os séculos XVI e XVII como resistência e resposta a governos autoritários e como luta pela democracia. Nesse sentido, há intensificação de movimentos sociais a partir dos anos 70. Historicamente, então, é adequado pensar movimento social, sobretudo, como um movimento sociopolítico (Bezerra et al, 2013). Há movimentos sociais que surgem em função de demandas sociais, principalmente em função da garantia de direitos básicos para populações oprimidas; são movimentos de identidade e atuação bem definida, ideologia, discurso, valores e objetivos bem estabelecidos e fundamentos. São exemplos desses movimentos o Movimento Negro, Movimento Indígena, Movimento LGBT, Movimentos das Mulheres (Medeiros, 2015).
Uma área de investigação da Análise do Comportamento que tem como objetivo estudar, administrar e entender as relações que as organizações estabelecem com o meio externo é a Análise de Sistemas Comportamentais que pode ajudar a entender a forma que um movimento social pode ser analisado como uma organização. Glenn e Malott (2004) entendem organização como pessoas que se comportam a fim de gerar um produto. Essas pessoas interagem entre si, isto é, “as organizações consistem em interação dinâmica do comportamento humano e seus produtos que afetam o comportamento e produtos de outros humanos (p. 90).
Em organizações, segundo as autoras, o interesse é nos produtos que advém dessas relações entre os indivíduos, das relações combinadas entre os indivíduos, fazendo com que o componente fundamental das organizações ainda seja o comportamento dos indivíduos. Aqui começamos a entender como Movimento Social pode ser entendido como organização: existe a interdependência de comportamentos sociais e seus produtos, ideia que corrobora a noção de movimento social de Melucci (1992), acima tratada.
Mizael e Sampaio (2019) ilustram a ideia afirmando que quando tratamos dessas relações, estamos falando de contingências entrelaçadas. Essas relações geram um efeito direto e dependente dessas interações combinadas denominado produto agregado e o que mantém uma organização funcionando são as consequências culturais produzidas pela organização (Glenn & Malott, 2004).
Essa perspectiva está alinhada ao conceito de metacontingências, definidas como a relação entre contingências entrelaçadas que geram um produto agregado e as condições e eventos ambientais selecionadores. Por contingências entrelaçadas, entende-se a relação que o comportamento de uma pessoa interdepende do comportamento de outra para que se gere um efeito comum a ambos. Esse é mais um argumento que faz com que Movimento Social possa ser entendido como fenômeno comportamental e como objeto de estudo de um analista do comportamento.
Uma outra possibilidade de entendimento de Movimento Social advém da definição de Sistema. Um sistema é composto por elementos que interagem entre si e se modificam pela interação que estabelecem com o mundo (Moroni, 2015). Propriedades automodificáveis dos sistemas trazem à análise a noção de que uma das variáveis que fazem com que o sistema consiga se autorregular é o feedback. Esse feedback produz efeitos modificadores não só no sistema como um todo, mas também nas partes que o compõe, os subsistemas (Aureliano, 2018).
Uma análise de sistemas comportamentais implica, então, na existência de partes que compõem um todo. Um sistema é composto por subsistemas que interagem entre si e produzem efeitos modificadores. Ao analisar esses múltiplos níveis, pode-se compreender como melhorar a performance da organização (Diener, McGee & Miguel, 2009). Aureliano (2018) defende que sistema é definido como “um conjunto de elementos interdependentes que formam um todo organizado (…) trata-se, portanto, de uma definição ampla, aplicável a diferentes contextos, mas sempre se referindo a componentes interligados, formando um todo, a fim de atingir resultados específicos (p. 35).
A relação com sistemas externos, isto é, com entidades e organizações que se inter-relacionam com o sistema é o que vai fazer com que consequências culturais existam, em última análise. São os indivíduos, organizações, instituições e entidades externas que compõem o ambiente selecionador das consequências culturais (Mizael & Sampaio, 2019).
Tais princípios são valiosos para compreender a forma como Movimentos Sociais, enquanto um sistema, interage com sistemas externos. De que forma um movimento social se autorregula quando os feedbacks apresentados por sistemas externos se relacionam com ele por meio de coerção e controle aversivo? Quando acontecem casos de racismo, homofobia e feminicídio em alta frequência (casos considerados crimes e previstos em leis brasileiras), como os movimentos sociais citados no começo do texto se autorregulariam? O que está sendo culturalmente selecionado? De que forma esse sistema se relacionará com sistemas externos a fim de que se diminua a frequência de casos aparentemente isolados, mas que parecem gerar um padrão de frequência assustadoramente problemático, não só no Brasil, mas no mundo todo[1]?
Skinner (1953) entende que controle aversivo gera contracontrole. Há formas brandas e formas extremas de destituir o poder controlador daqueles que controlam por meio da coerção e do controle aversivo (Skinner, 1953; 1959; 1974). Talvez a intensidade com que se controla aversivamente um indivíduo justifique a magnitude diretamente proporcional com que ele responde para se livrar da estimulação aversiva.
O presente texto se propõe a provocar formas de pensar movimento social por meio de noções que talvez lancem mais perguntas do que respostas. No entanto, utilizar-se dos princípios da análise comportamental da cultura e da análise de sistemas comportamentais pode fazer com que não só se compreenda melhor como Movimentos Sociais se comportam, mas também qual é o papel de entidades externas na seleção desses comportamentos.
Referências
Aureliano, L. F. G. (2018) O uso da análise de sistemas comportamentais para o
aprimoramento dos serviços prestados pelo Centro para o Autismo e Inclusão Social
(CAIS-USP). Tese de Doutorado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo.
Bezerra, A. R.; Sousa, A. D. P.; Maia, L. P.; Matias, L. A. C.; Silva, L. B. (2013)
Movimento LGBT: Breve contexto histórico e o movimento na região do Cariri. IV
Seminário CETROS: Neodesenvolvimento, trabalho e questão social. UECE, Fortaleza.
Diani, M. (1992) The Concept of Social Movement. Sociol. Rev. 40, 1-25.
Diener, L. H.; McGee, H. M.; Miguel, C. F. (2009) An interated approach for conducting a behavioral systems analysis. Journal of Organizational Behavior Management, 29:2,
108-135.
Fuchs, C. (2006) The Self-Organization of Social Movements. Systemic Practice and
Action Research, v. 19, n. 1.
Glenn, S. S.; Malott, M. E. (2004) Complexity and selection: implications for
organizational change. Behavior and Social Issues, 13, 89-106.
Medeiros, A. M. (2015) Breve história dos movimentos sociais no Brasil. Sabedoria
Política. Acesso em <https://www.sabedoriapolitica.com.br/products/breve-historia-dosmovimentos-sociais-no-brasil/> em 28 de Novembro de 2019.
Melucci, A. (1992) Liberation or Meaning? Social Movements, Culture and Democracy. Development and Change, v. 23, n. 3, pp. 43-77.
Mizael, T. M.; Sampaio, A. A. S. (2019) Racismo Institucional: aspectos
comportamentais e culturais da abordagem policial. Acta Comportamentalia, v 27, n 2,
pp. 215-231.
Skinner, B. F. (1953) Science and Human Behavior. New York: MacMillan.
Skinner, B. F. (1959) Cumulative Record. Cambridge: Copley Publishing Groups.
Skinner, B. F. (1974) About Behaviorism. New York: Vintage Books.
[1] Negligencia-se aqui, por conveniência e impossibilidade de exploração num texto com os objetivos que aqui se apresentam, os fatores históricos pertinentes à origem de cada movimento social citado no texto que ajudariam a responder com ainda mais riqueza tais perguntas.