Breves considerações sobre a relação entre autoclíticos e persuasão

Skinner, em 1957, publica sua obra sobre ‘linguagem’. Ainda que o Verbal Behavior não pareça ter servido aos analistas do comportamento da época um prato cheio[1], as concepções skinnerianas de comportamento verbal hoje são críticas para o avanço de diversas áreas de pesquisa e aplicação (cf. Sundberg, 2008; Hübner, 2013; Cooper, Heron & Heward, 2020).

A impressão que se tem é que Skinner (1957) aborda até o capítulo 12 do livro, apenas questões que são informativas sobre comportamento verbal. Como ele se apresenta, qual é o controle de estímulos, o que evoca, como é consequenciado, como é modelado e aprendido, quais características fundamentais enquanto comportamento operante e quais suas diferenças ou semelhanças com o comportamento não verbal. 

A partir do capítulo 12, Skinner (1957) passa a assumir um falante que se comporta verbalmente de maneira ativa, pensando, selecionando, reformulando, editando, organizando, avaliando e dirigindo o próprio comportamento verbal (Hübner, 2003; Borloti & Hübner, 2010; Sheyab, Pritchard & Malady, 2014). E o faz por meio dos operantes verbais de segunda ordem, isto é, por meio dos autoclíticos.

Por serem operantes verbais de segunda ordem, eles dependem de ou se fundamentam em operantes verbais primários. E eles só podem ser entendidos com base nesses operantes verbais primários; eles são os materiais brutos dos quais o autoclítico depende (Skinner, 1957; Speckman, Greer & Rivera-Valdes, 2012). 

Os autoclíticos podem compreender desde acentuação de palavras, entonação, rapidez, fluidez do comportamento verbal até gestos e expressões faciais (Borloti, 2004). Os autoclíticos podem nos dar pistas das relações de controle que operam quando se emite comportamentos verbais.

No entanto, a definição de autoclítico não se esgota nesses conceitos. É preciso levar em conta o efeito que eles geram sobre outros comportamentos verbais. É preciso identificar se, por meio desses efeitos, há modificações no comportamento do ouvinte (Skinner, 1957). Smith (1983) afirma que os autoclíticos têm que necessariamente modificar o comportamento do ouvinte para serem considerados como tal. 

E são nessas concepções que passamos a entender a possível relação dos autoclíticos com a persuasão. Persuadir alguém pode ser definido como a influência exercida sobre o outro, convencendo-o, levando-o a acreditar, crer, aceitar coisas, induzi-lo a se comportar de maneiras específicas etc. 

Persuadir alguém por meio do comportamento verbal, por meio do controle exercido pelos autoclíticos sobre o ouvinte, pode gerar consequências importantes. É preciso apenas um momento para que convençamos alguém a desistir de pular do parapeito de um prédio. Ou para que o convençamos de que essa é a melhor saída. O efeito gerado pelos autoclíticos pode afetar o desempenho de pessoas ainda que transitoriamente (Almeida, 2009), mas por tempo suficiente para que se façam coisas que geram consequências irreversíveis.

Partindo da concepção de Catania (2015) que, arranjando as contingências corretas, modifica-se o que se faz pela modelagem do que se diz sobre o que se faz, Hübner et al (2008) conduzem um estudo em que se modela o comportamento verbal autoclítico qualificador positivo de crianças sobre leitura (modela-se a criança dizer que ler é importante, ler é bom, ler é gostoso) e se verifica se há qualquer mudança de frequência no comportamento de ler em sessões pós-modelagem subsequentes. Mediu-se o tempo que a criança gastava com leitura em uma sala com diversas atividades a serem escolhidas (brinquedos, cola e tesoura, etc.), modela-se o verbal da criança por meio de uma conversa em que o experimentador elogia toda vez que a criança emite verbais positivos sobre leitura e depois, na mesma sala em que a criança escolhia atividades, media-se novamente o tempo que ela gastava com leitura. O resultado é que todos os participantes aumentaram consideravelmente o tempo gasto com leitura. Essa pesquisa, posteriormente é replicada por Sheyab, Pritchard e Malady (2014) e os resultados corroboram os dados obtidos pela pesquisa original.

Diante desses resultados, talvez se possa concluir que esteja se estudando persuasão. Isto é, a forma pela qual se consegue, modelando o comportamento verbal, convencer alguém a agir de determinada maneira. 

Um fator importante é que Skinner (1957) considera que falante e ouvinte podem estar sob a mesma pele. Isto é, falamos com nós mesmos. Dizemos a nós mesmos o que fazer, como agir, ponderamos, avaliamos, escolhemos, julgamos, tomamos decisões por diversos processos comportamentais complexos, entre eles, o comportamento autoclítico. 

Podemos nos persuadir a fazer coisas, a falar sobre nós mesmos, a falar sobre o mundo que nos cerca e possivelmente controlar nosso próprio comportamento por meio de instrução (Skinner, 1957; 1969; Catania, 2013). Pode-se falar sobre o que quiser, pode-se descrever as coisas de maneira fidedigna ou não e se influenciar e influenciar outras pessoas por meio disso[2]. Consciência é um fenômeno essencialmente verbal. É por meio da descrição das variáveis das quais o comportamento é função que obtemos autoconhecimento (Skinner, 1974) e é dever do terapeuta analítico-comportamental entender todos os processos básicos que a análise experimental do comportamento lhe oferece como literatura para a compreensão do comportamento verbal, o possível controle exercido sobre o comportamento não verbal e a precisão com que podemos influenciar nossos próprios comportamentos. 

Referências

Almeida, P. E. M. (2009) Comportamento verbalmente controlado: uma análise do efeito de operantes verbais autoclíticos sobre o comportamento de escolha. Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de Psicologia de Universidade de São Paulo. São Paulo: USP.

Borloti, E.; Hübner, M. M. C. (2010) O Autoclítico e a construção verbal. In Hübner, M. M. C.; Garcia, M. G.; Abreu, P. R.; Cillo, E. N. P.; Faleiros, P. B. (orgs). Sobre Comportamento e Cognição: Análise Experimental do Comportamento, Cultura, Questões Conceituais e Filosóficas. Santo André: ESETec Editores Associados.

Catania, A. C. (2013) Learning. 5th edition. New York: Sloan Publishing.

Cooper, J. O.; Heron, T. E.; Heward, W. L. (2020) Applied Behavior Analysis. 3rd edition. Hoboken: Pearson.

Hübner, M. M. C. (2003) Comportamento verbal e não-verbal: efeito do reforçamento de tactos com autoclíticos referentes ao ler sobre o tempo dispendido com leitura. In Sadi, H. M.; Castro, N. M. S. (orgs). Ciência do Comportamento: Conhecer e Avançar. Vol. 3. Santo André: ESETec Editores Associados.

Hübner, M. M. C.; Austin, J.; Miguel, C. F. (2008) The Effects of Praising Qualifying Autoclitics on the Frequency of Reading. The Analysis of Verbal Behavior. v. 24, n. 1, pp. 55-62.

Hübner, M. M. C. (2013) Comportamento verbal de ordem superior: análise teórico-empírica de possíveis efeitos de autoclíticos sobre o comportamento não verbal. Tese de Livre Docência apresentada ao Departamento de Psicologia da Universidade de São Paulo. São Paulo: USP.

Sheyab, M.; Pritchard, J.; Malady, M. (2014) An Extension of the Effects of Praising Qualifying Autoclitics on the Frequency of Reading. The Analysis of Verbal Behavior. v. 30, n. 1, pp. 141-147.

Skinner, B. F. (1957) Verbal Behavior. New York: Appleton-Century-Crofts.

Skinner, B. F. (1969) Contingencies of Reinforcement – A Theoretical Analysis. New York: Appleton-Century-Crofts.

Skinner, B. F. (1974) About Behaviorism. New York: Vintage Books.

Smith, T. L. (1983) Vargas on the autoclitic. The Analysis of Verbal Behavior. v. 2, n. 1, pp. 11-12.

Speckman, J.; Greer, R. D.; Rivera-Valdes, C. (2012) Multiple exemplar instruction and the emergence of generative production of suffixes as autoclitic frames. The Analysis of Verbal Behavior, v. 28, n. 1, pp. 83-99.Sundberg, M. L. (2008). VB-MAPP – Verbal Behavior Milestones Assessment And Placement Program – Guide. Editado por AVB Press.


[1] Devido ao fato da obra ser um ensaio teórico-empírico de Skinner, os analistas do comportamento, à época interessados por experimentação, deram muito mais atenção ao Schedules of Reinforcement publicado com C. B. Ferster no mesmo ano.

[2] https://comportese.com/2013/12/o-mentir-visao-analitico-comportamental-a-luz-do-comportamento-verbal

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Classificação do artigo

Escrito por Renan Miguel Albanezi

Graduado em Psicologia pelo Centro Universitário Cesumar (UniCesumar), especialista em Análise do Comportamento e Psicoterapia Cognitivo-Comportamental pelo Núcleo de Educação Continuada do Paraná (NECPAR) e em Terapia Comportamental pela Universidade de São Paulo (USP). Tem como principais áreas de estudo o Behaviorismo Radical e a Análise do Comportamento com interesse em comportamento verbal, agências controladoras do comportamento, psicoterapia comportamental e psicoterapia analítica funcional.

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AGINDO COM CONSCIÊNCIA, CORAGEM E AMOR EM TEMPOS DE MUDANÇA GLOBAL