O uso das estratégias de tolerância no contexto da Terapia Comportamental Integrativa de Casal (IBCT)

No contexto das intervenções terapêuticas conjugais, em especial na perspectiva da Terapia Comportamental Integrativa de Casal [Integrative Behavioral Couple Therapy – IBCT] (Jacobson & Christensen, 1998; Christensen, Doss, & Jacobson, 2018), é possível que as estratégias clássicas que visam produzir aceitação (por ex., conexão empática e distanciamento unificado) sejam desafiadas, em termos da sua efetividade, quando um dos parceiros permanece continuamente em contato com um comportamento considerado aversivo, e de alta resistência à mudança, emitido pelo outro e que induz a sofrimento emocional. Nesse cenário, os esforços do terapeuta devem se concentrar em ajudar o cliente que se queixa, a se expor a tais comportamentos, porém, sem os esforços subjacentes de “impedir, evitar ou escapar” deles (Christensen, Wheeler, & Jacobson, 2009, p. 673). Para que isso ocorra, o terapeuta IBCT recorre às chamadas estratégias de construção da tolerância, que se constituem como uma espécie de subgrupo dentre as estratégias de aceitação (para obter um panorama geral do protocolo da IBCT, acesse o primeiro texto dessa série, disponível aqui. E para compreender a noção maior das estratégias de aceitação, acesse o segundo texto da série, disponível aqui), mas que também objetivam induzir à maior empatia mútua e portanto, aceitação.

E o que vem a ser tolerância? Se recorrermos ao dicionário, o termo possui algumas possibilidades de acepção, tais como: a “capacidade de suportar dor ou dificuldades”, “atitude liberal de quem reconhece aos outros o direito de manifestar opiniões ou revelar condutas diferentes das suas ou até diametralmente opostas a elas” (Tolerância, 2019a), ou então, a “boa disposição dos que ouvem com paciência opiniões opostas às suas” (Tolerância, 2019b). É importante notar que muitas dessas definições são englobadas nas estratégias de tolerância da IBCT, mas ainda assim, o casal precisa abandonar a luta mútua para modificar as características um do outro, pois “o desenvolvimento da tolerância precisa da desistência da luta” (Cordova & Jacobson, 1999, p. 552). E grande parte do esforço do terapeuta ao construir tolerância, é ajudar os parceiros a mitigarem essa implicação mútua.

No entanto, é importante lembrar que no contexto prático do casal, a convivência crônica com características que são percebidas como desagradáveis, já foram alvo de inúmeras tentativas de eliminação mútua, e esse esforço provavelmente se tornou um modus operandi arraigado na dinâmica conjugal. Portanto, o terapeuta IBCT, ao introduzir as estratégias de tolerância, visa causar um “curto-circuito” nas motivações dos parceiros de se engajarem nas tentativas de mudarem um ao outro (Cordova & Jacobson, 1999, p. 552).

A construção da tolerância ocorre por meio de cinco subestratégias: (1) a reênfase positiva, (2) as diferenças complementares, (3) a preparação para recaída, (4) fingir ou ensaiar o comportamento negativo e (5), o autocuidado. Para exemplificar o seu uso, imagine um casal cujo tema é o de proximidade-distanciamento (nesse tema, um dos parceiros normalmente solicita maior proximidade, enquanto o outro solicita [ou reage com] distanciamento, e vice-versa). Portanto, qualquer situação na qual o parceiro ou parceira que solicita proximidade obtém como resposta o afastamento, virtualmente experimentará dor (e vice-versa). Entendendo que tais padrões sejam altamente resistentes à mudança (em virtude de uma história de seleção ontogenética), o terapeuta precisará construir tolerância frente à várias topografias de caráter aversivo, do ponto de vista do outro parceiro. Vejamos como:

Utilizando a reênfase positiva. Nessa estratégia, o terapeuta deve destacar, salientar ou reenfatizar (no sentido de colocar sob nova luz ou foco) um aspecto genuinamente mais positivo (conforme lembra Vandenberghe, 2016 ao comentar sobre a noção de transformar o problema em um atrativo) do comportamento abrasivo emitido por um dos parceiros, o que fica mais fácil se o comportamento em questão estiver relacionado a uma qualidade que antes era considerada atraente. O objetivo não é “dourar a pílula”, mas sim compreender que qualquer característica comportamental é composta por aspectos positivos e negativos (Christensen, Wheeler, Doss, & Jacobson, 2016). Imagine que a esposa (do casal do exemplo acima) se queixa de que seu marido sempre reage com muita resolubilidade quando ela está tentando compartilhar um problema (é necessário lembrar, que muitas vezes isso pode soar como invalidação para ela). Como seria possível desenvolver tolerância em relação a esse comportamento que provoca tanto desgaste? Ao adotar a reênfase positiva, o terapeuta pode considerar: “Eu realmente reconheço o quanto pode ser desgastante ouvir uma ‘resposta pronta’ para um problema quando estamos apenas tentando dividir uma frustração. Porém, eu estou pensando aqui, o quanto essa maneira dele agir, na realidade lembra muito aquele jeito firme dele lidar com os problemas, que você tanto apreciava quando se conheceram e que a fazia se sentir segura e amparada”.

Utilizando as diferenças complementares. Nessa estratégia, o terapeuta procura demonstrar o quanto essas diferenças podem, na realidade, contribuir para o equilíbrio da relação, constituindo dessa forma, algo a se orgulhar (Cordova & Jacobson, 1999). É possível ainda demonstrar que caso essas diferenças não existissem, os parceiros estariam em situação pior (Christensen et al., 2016). Assim, o terapeuta poderia propor algo como: “Eu realmente reconheço o quanto pode ser desgastante ouvir uma ‘resposta pronta’ para um problema quando estamos apenas tentando dividir uma frustração. É claro que ‘receber colo’ é muito bom, e eu sei o quanto você consegue doar isso espontaneamente ao seu marido. Afinal, é muito gratificante ser consolado. Da mesma forma, ‘partir para a ação’ quando estamos lidando com um problema, pode ser o ‘tranco’ necessário para lidar com um momento difícil. Me parece que estamos falando dos dois lados da mesma moeda, não é mesmo? Ou seja, tanto prover afeto, quanto resolver o assunto, são formas necessárias para se lidar com um problema. E nesse caso, cada um de vocês representa uma dessas perspectivas”.

Por meio da preparação para a recaída. Essa estratégia deve ser utilizada para alertar o casal quanto a possibilidade de uma recaída (intervenção preventiva), especialmente após experimentarem os primeiros progressos terapêuticos (Christensen et al., 2016). Isso significa, que o terapeuta deve ficar atento à essa oportunidade e aprender a dar feedback quando os clientes não estiverem emitindo o comportamento-problema. Assim, deve-se tanto reconhecer as melhoras relatadas, quanto discutir com o casal quais são os possíveis futuros contextos evocativos dessas situações-problemas e que manejo alternativo poderá então ser feito. O objetivo é aumentar a tolerância do casal frente às (inevitáveis) recaídas que experimentarão. Por exemplo, após o casal relatar um manejo bem-sucedido de um episódio problemático, no qual o marido conseguiu prestar real apoio emocional à esposa, o terapeuta poderá dizer: “Eu fiquei realmente impressionado de ver quanto suporte emocional você conseguiu prestar à sua esposa, e de maneira tão espontânea. Da mesma forma, você (a esposa) conseguiu considerar as opções que ele apresentou e até mesmo discutiu alguns possíveis manejos. Me contem, como vocês se sentiram um em relação ao outro após terem agido assim? Agora, vamos pensar juntos numa outra perspectiva, o que poderia ter acontecido nesse mesmo contexto que talvez disparasse uma briga entre vocês? E agora, o mais importante, o que cada um poderia fazer de diferente para lidar com o problema, caso vocês percebessem que a conversa estava tomando outro rumo?” (nesse momento, o terapeuta deve ser contexto evocativo seguindo o manejo proposto pela Psicoterapia Analítica Funcional, até alcançar a emissão de comportamento clinicamente relevante de melhora [CRB2], conf. Kohlenberg e Tsai [2006]).

Fingindo ou ensaiando o comportamento negativo. Nessa estratégia, o terapeuta solicita que um dos parceiros emita o comportamento negativo (na sessão ou em casa), quando não estiver com vontade de fazê-lo (ou seja, quando não estiver na presença do estímulo discriminativo). E após emiti-lo, o parceiro ou parceira deverá comunicar ao outro que estava fingindo. Essas instruções devem ser passadas na frente de ambos, e assim, provavelmente o casal terá que aprender a lidar com essas “intercorrências”. Ao gerar essa ambiguidade (ou seja, “ele[a] fez isso de verdade ou por que o terapeuta pediu?”), as respostas típicas podem ser afetadas (abrindo um pouco a perspectiva sobre os padrões estereotipados), assim como ambos podem observar os efeitos do seu comportamento sobre o outro, justamente em um momento em que estarão mais propensos a serem mutuamente compreensivos (Cordova & Jacobson, 1999). Por exemplo, “Nessa próxima semana eu gostaria que vocês tentassem um exercício. Quando você (o marido) não estiver com vontade de propor uma resolução à sua esposa, ou seja, quando você não estiver se sentindo emocionalmente pressionado a fazer isso, se aproxime dela e tente ajuda-la, exatamente do jeito que você sempre costuma fazer. Vai ser importante você perceber com mais nitidez como ela fica quando você age assim e talvez consiga se conectar com o incômodo dela. Mas depois de um tempinho, você precisa avisar que estava apenas fazendo-de-conta” (instruções adaptadas aos comportamentos-problemas emitidos pela esposa também devem ser fornecidas).

Promovendo o autocuidado. Promover o autocuidado significa compreender que nem todas as necessidades emocionais de um dos parceiros serão contempladas pelo outro, ou até mesmo pela relação conjugal em si (Christensen, et al. 2016). Essa estratégia incumbe, portanto, a noção de que cada parceiro deve responsabilizar-se pelas suas próprias necessidades, incluindo aquelas que devem ser atendidas por meio do relacionamento (como as sexuais, por ex.). Dessa forma, desloca-se a responsabilidade que antes era atribuída ao parceiro, para si próprio, e induz-se a um papel mais ativo na busca de tais necessidades (Cordova & Jacobson, 1999). A esposa do caso acima poderia, por exemplo, em nome do seu autocuidado, tanto solicitar o apoio emocional de uma amiga (ao invés de imediatamente acionar o marido), quanto, durante uma interação conflituosa com o parceiro, dizer (em tom adequado e à despeito dos sinais de pouca disponibilidade dele): “Eu sei que você não parece estar a fim agora, mas aconteceu algo realmente importante comigo e eu preciso muito compartilhar o que houve e saber a sua opinião. Você pode me ouvir?” (nesse caso, alterando o curso de uma interação conflitiva para uma de caráter mais positivo).

O uso das estratégias de tolerância são fundamentais na clínica da IBCT por três motivos: (1) elas podem ser capazes de gerar aceitação entre os parceiros, (2) podem alterar tanto a forma quanto a função de antigos padrões de comportamento, e (3), podem ajudar a eliminar tais padrões, promovendo assim, real mudança (Cordova & Jacobson, 1999).

Referências bibliográficas:

Christensen, A., Doss, B. D., & Jacobson, N. S. (2018). Diferenças reconciliáveis: reconstruindo seu relacionamento ao redescobrir o parceiro que você ama, sem se perder. Novo Hamburgo: Sinopsys.

Christensen, A., Wheeler, J. G., & Jacobson, N. S. (2009). Problemas do casal. In D. H. Barlow et al. (Orgs.), Manual clínico dos transtornos psicológicos: tratamento passo a passo (pp. 662-688). Porto Alegre: Artmed.

Christensen, A., Wheeler, J. G., Doss, B. D., & Jacobson, N. S. (2016). Problemas do casal. In D. H. Barlow (Org.), Manual clínico dos transtornos psicológicos: tratamento passo a passo (pp. 697-724). Porto Alegre: Artmed.

Cordova, J. V. & Jacobson, N. S. (1999). Crise de casais. In D. H. Barlow (Org.), Manual clínico dos transtornos psicológicos (pp. 535-567). Porto Alegre: Artmed.

Jacobson, N. S. & Christensen, A. (1998). Acceptance and change in couple therapy: a therapist’s guide to transforming relationships. New York: Norton.

Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (2006). Psicoterapia analítica funcional: criando relações terapêuticas intensas e curativas. Santo André: ESETec.

Tolerância. (2019a). In Michaelis Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Recuperado de https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/toler%C3%A2ncia/

Tolerância. (2019b). In Dicionário Aulete Digital. Recuperado de http://www.aulete.com.br/toler%C3%A2ncia

Vandenberghe, L. (2016). Terapia Comportamental Integrativa de Casais. In P. Lucena-Santos, J. Pinto-Gouveia, & M. da S. Oliveira (Orgs.), Terapias comportamentais de terceira geração: guia para profissionais (pp. 506-526). Novo Hamburgo: Sinopsys.

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Escrito por Stélios Sant'Anna Sdoukos

Mestre em Análise do Comportamento pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), com Formação em Terapia Comportamental e Cognitiva pelo CETECC (Curitiba) e Psicólogo (CRP-08/13140) pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). É terapeuta de adultos e casais, com atuação nas cidades de Apucarana e Londrina (PR) e docente de pós-graduação de Terapia Comportamental Integrativa de Casal (IBCT). Responsável Técnico da Operantis - Psicologia e Análise do Comportamento (CRP-08-PJ/01300).

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