Autoconhecimento e autoconfiança: um possível caminho para a aceitação emocional

Muitas das demandas presentes atualmente nos consultórios de psicologia envolvem dificuldades de cunho emocional, de forma particular no que se refere a sentimentos de medo e ansiedade. Muitos desses pacientes têm dificuldade de experimentar e conviver com tais experiências emocionais, pois elas vêm acompanhadas de desconforto, inclusive de ordem física. “Uma vida a serviço do desejo de não sentir ansiedade e medo, especialmente quando regrada de forma rígida e inflexível, pode ter um impacto muito limitador, sendo possível que esse modo de operar defina de forma extensiva a vida dos pacientes que chegam ao consultório procurando ajuda” (Lucena-Santos, Pinto-Gouveia & Oliveira, 2015, pág. 230).

Entendendo autoconhecimento como a capacidade do indivíduo de conhecer a si mesmo, é ele que possibilita o aperfeiçoamento de todas as demais habilidades psicológicas. “Isto, porque ela posiciona realisticamente o indivíduo no momento presente, conectando-o ao seu histórico de experiências, no qual tem origem o repertório comportamental que atualmente pode exibir” (Poubel & Rodrigues, 2018, pág. 91). Neste sentido, um indivíduo que possui amadurecimento de autoconhecimento está em melhores condições de perceber, descrever e escolher suas ações atuais e futuras, tornando-o um agente mais ativo de sua própria história. Já a autoconfiança precisa da possibilidade de se emitir um comportamento e então produzir consequências no seu ambiente que fortaleçam os mesmos, sendo nesse sentido desenvolvida primariamente em contingências de reforçamento não sociais. Dessa maneira, o indivíduo precisará executar ações para aumentar a oportunidade de êxitos e assim fortalecer sua autoconfiança. Se trata dessa maneira de uma construção contínua, na qual temos a oportunidade de aprimorá-la a medida que nos arriscamos a tentar (Guilhard, 2002).

As terapias de terceira geração trouxeram algumas inovações para a prática clínica, dentre elas a noção de aceitação plena e irrestrita do conteúdo emocional. Ou seja, devemos sentir e experimentar as mais variadas emoções e agir com a sua presença. Nesse sentido, o conteúdo emocional passa a ser visto como parcela integrante do que devemos experimentar e não algo a ser abolido antes. “Aceitação, nesse contexto, significa admitir o que acontece em vez de desejar ou tentar fazer com que as coisas sejam diferentes, mas não significa necessariamente gostar das coisas como elas são” (Roemer & Orsillo, 2010, pág. 131).

À medida que o indivíduo consegue reconhecer e descrever eventos e suas habilidades e limitações (autoconhecimento), ao mesmo tempo em que exercita sua confiança em seus feitos (autoconfiança) cria possibilidades de experimentar uma postura mais aberta e compassiva diante de pensamentos, sensações e percepções, e seu foco atencional não se restringe a julgamentos e tentativas de controle acerca do que está acontecendo e sim uma ampliação experiencial a tudo o que está acontecendo.

A separação entre tais conceitos (autoconhecimento/autoconfiança/aceitação emocional) possui uma linha tênue e a proposta levantada por esse artigo é que quanto mais o paciente já tenha refinado seu autoconhecimento e alicerçado a sua autoconfiança, em melhores condições ele estaria de experimentar a aceitação emocional. Não se trata aqui de trabalhar com a ideia de pré-requisitos, e sim com a importância da aquisição terapêutica de passos anteriores a aceitação emocional para facilitar a sua vivência.

Referências

Guilhard, H. (2002). Auto-estima, autoconfiança e responsabilidade. Texto publicado em: Comportamento Humano – Tudo (ou quase tudo) que você precisa saber para viver melhor. Orgs.: Maria Zilah da Silva Brandão, Fatima Cristina de Souza Conte, Solange Maria B. Mezzaroba. Santo André, SP: ESETec Editores Associados

Lucena-Santos, P., Pinto-Gouveia, J., Oliveira, M. da Silva (2015). Terapias comportamentais de terceira geração: guia para profissionais. Novo Hamburgo: Sinopsys

Poubel, L., Rodrigues, P. (2018). Manual de inteligência psicológica para felicidade integral. Rio de Janeiro: Letras e versos

Roemer, L., Orsillo, S.M. (2010).  A prática da terapia cognitivo-comportamental baseada em mindjulness e aceitação. Porto Alegre: Artmed

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Escrito por Mariana Poubel

Graduada em Psicologia pela UFRJ (2012) e mestre em Saúde Mental pelo IPUB/UFRJ (2015). Fez curso de formação em Terapia Cognitivo Comportamental para adultos e infanto juvenil, curso de capacitação em análise do comportamento e formação em terapias contextuais.
Atua como terapeuta, supervisora e mentora.

Email para contato: marianapoubel@gmail.com

Curso: Modelos Experimentais e Psicopatologia

O mentalismo seletivo