Um casal chega ao consultório alegando sofrer de “problemas de comunicação”. Ela acusa o parceiro de ser insensível e de nunca estar presente nos momentos nos quais mais precisava do seu apoio. Para comprovar, rememora situações em que se sentiu especialmente desconsiderada, descrevendo com detalhes as cruéis intenções do marido em magoá-la propositadamente. Ele, por sua vez, afirma que ela nunca está disposta a ter relações sexuais, e que raramente reconhece o seu esforço em sustentar a casa e cuidar dos filhos. Sente-se invisível e confuso, pois quando tenta agradá-la, suas ações mostram-se completamente inúteis. Acha que ela é “bipolar” e interroga o terapeuta para que confirme sua hipótese. Ela então cita um envolvimento que o marido teve com uma colega da faculdade, há cerca de cinco anos, e que descobriu ao vasculhar seu celular. Seus olhos ficam marejados enquanto relata o acontecimento.
Eles se conheceram no início da idade adulta. Desenvolveram um namoro que durou alguns anos e por fim, decidiram se casar. No início, suas características pessoais constituíam fonte de atração para ambos. Ela o enxergava como alguém decidido e emocionalmente estável. Ele, por sua vez, havia ficado encantado com a sua competência social e facilidade em expressar afeto. Com o passar tempo, no entanto, algumas situações começaram a demarcar diferentes contornos para a relação. A chegada dos filhos, relacionamentos extraconjugais, esfriamento da vida sexual, solidão, isolamento, e como resultante dessa tessitura de eventos desenvolvida ao longo do tempo, dificuldades cada vez mais acentuadas sobre esses conflitos e por fim, afastamento mútuo e polarização.
Após quinze anos de casamento, cansados e frustrados, decidem ir pela primeira vez consultar um terapeuta de casais. Ela diz que não entende por que continuam juntos e que já considerou a possibilidade de divórcio inúmeras vezes. Ele reluta. Entende que não podem desistir um do outro dessa forma, pois está arrependido e que casamento “é assim mesmo”. Discutem com o terapeuta a possibilidade de um prazo para a terapia. Seis meses. Se após esse período nada mudar, então, deverão enfrentar o doloroso término. Esse cenário representa um amálgama de situações tipicamente ocorridas em uma primeira sessão de terapia de casais. A partir desse panorama, como manejar terapeuticamente os comportamentos conflitivos de um casal na perspectiva analítico-comportamental? Uma resposta é a Terapia Comportamental Integrativa de Casal (Integrative Behavioral Couple Therapy – IBCT).
A IBCT constitui-se em uma intervenção terapêutica para casais em conflito, elaborada com base nos princípios filosóficos e experimentais da análise do comportamento (Cordova & Jacobson, 1999). No entanto, o desenvolvimento desse modelo teve sua origem com a chamada Terapia Comportamental Tradicional de Casal (Christensen, Wheeler, Doss, & Jacobson, 2016), oriunda das práticas da análise do comportamento aplicada (Vandenberghe, 2006). Uma das principais referências desse período é o manual de Jacobson e Margolin (1979, apud La Taillade & Jacobson, 1998), sendo que esse modelo tradicional centralizava suas intervenções em dois principais componentes: o intercâmbio de comportamentos (Behavioral Exchange – BE) e o treinamento de comunicação e resolução de problemas (Communication and Problem-solving Training – CPT). No entanto, como resultado geral das pesquisas de eficácia do modelo tradicional, cerca da metade dos casais expostos ao processo terapêutico ou não obtiveram resultados satisfatórios ou seus efeitos foram apenas temporários (La Taillade & Jacobson, 1998).
Assim, a Terapia Comportamental Tradicional de Casal necessitou passar por uma revisão. O que faltava para que os resultados da terapia fossem mais efetivos? O “elo perdido” foi a incorporação da noção de aceitação (Jacobson & Christensen, 1998). Assim, surgiu a Terapia Comportamental Integrativa de Casal – IBCT, “integrativa” pois visava integrar as estratégias de aceitação às estratégias de mudança, o que na realidade, correspondeu a uma reformulação estrutural na concepção do modelo sobre a visão do caso e a ênfase sobre a implementação das estratégias de intervenção (agora divididas em estratégias de aceitação, tolerância emocional e mudança de comportamento). A IBCT se divide em duas fases: avaliação e tratamento. Vejamos agora como são constituídas.
Avaliação e Formulação de Caso
A fase de avaliação (Jacobson & Christensen, 1998, Cordova & Jacobson, 1999, Christensen, Wheeler, & Jacobson, 2009, Christensen et al., 2016) é constituída por três sessões (a primeira com o casal em conjunto e as duas seguintes com os parceiros individualmente), seguidas de uma sessão de feedback. Essa fase é também corroborada pela aplicação de questionários que visam auxiliar a identificação de áreas problemáticas, nível de aceitação dos parceiros, dentre outros tópicos. Na avaliação, o objetivo do terapeuta é construir uma formulação do caso, que deve ser compartilhada com o casal. A formulação, que corresponde a uma análise funcional, possui três componentes: um tema, a análise DEEP e a armadilha mútua.
Tema. O tema diz respeito ao tópico geral que representa a essência dos problemas do casal ou seu conflito principal (em linguagem comportamental, o tema corresponde ao conceito de classe de respostas). Esse conflito deve ser identificado pelo terapeuta e nomeado por uma palavra-chave ou um binômio que o represente, como por exemplo: proximidade-independência, controle e responsabilidade, expressões de amor/afeto, confiança, sexualidade, finanças, parentalidade, dentre outros.
Análise DEEP. A análise DEEP diz respeito a identificação de quatro variáveis principais que auxiliam o terapeuta a compreender por que o casal entra em conflito sobre o tema. O acrônimo DEEP (que significa profundo em inglês) representa então as Diferenças, as Sensibilidades Emocionais, as Circunstâncias Externas e os Padrões de Interação ou Comunicação. Quando o casal apresenta diferenças ao lidar com o seu tema, é natural que essas diferenças (constituídas em uma história filo e ontogenética) proporcionem material para conflitos. As sensibilidades emocionais dizem respeito a vulnerabilidades emocionais agregadas à essas diferenças, o que tornam os parceiros especialmente sensíveis quando expostos ao comportamento abrasivo um do outro. As circunstâncias externas correspondem a arranjos das condições ambientais do casal que intensificam as questões problemáticas. Por fim, os padrões de interação ou comunicação dizem respeito à comunicação típica do casal em conflito, na qual cada parceiro engendra esforços para mudar o outro a partir de coerção escalonada, propiciando mais polarização sobre suas posições.
Armadilha Mútua. A armadilha mútua descreve a experiência privada de cada parceiro como resultado do processo de polarização. Nessas circunstâncias, cada parceiro experimenta uma sensação de aprisionamento referente ao conflito, e de que já tentaram de tudo para que a situação mudasse. Isso gera mais engessamento das suas posições conflitivas e menor compreensão do estado privado do outro (ausência ou pouca empatia).
A formulação deve ser compartilhada dialogicamente com o casal na sessão de feedback (como resultado final da avaliação). Passada essa fase, o terapeuta então avança para o tratamento ou intervenção. O terapeuta deve então decidir se iniciará pelas estratégias de aceitação ou de mudança. Mesmo que o casal tenha condições de iniciar pelas estratégias de mudança (o que normalmente implica em um casal mais colaborativo) é normalmente indicado que a intervenção seja iniciada pelas estratégias de aceitação (pelo menos em alguma medida). Em muitos casos, as estratégias de mudança não precisam necessariamente serem levadas a termo, especialmente quando as de aceitação já produzem os efeitos esperados.
Tratamento ou Intervenção
As estratégias de tratamento ou intervenção (Jacobson & Christensen, 1998, Cordova & Jacobson, 1999, Christensen, et al. 2009, Christensen et al., 2016) são divididas em estratégias de aceitação: conexão empática, distanciamento unificado e tolerância emocional (sendo essa última subdividida em cinco outras estratégias: reênfase positiva, diferenças complementares, preparação para recaída, fingir o comportamento negativo e autocuidado) e estratégias de mudança de comportamento: intercâmbio de comportamentos e treinamento de comunicação e resolução de problemas (no entanto, é importante ressaltar que as estratégias de mudança de comportamento na IBCT foram reinterpretadas à luz dos princípios comportamentais de comportamento modelado pelas contingências e uso de reforçamento natural, o que implicou em uma subversão da aplicação de tais estratégias).
É importante ressaltar o significado de aceitação para a IBCT, especialmente no contexto de eventos inalteráveis vivenciados por um casal, visando promover maior satisfação entre os parceiros (Cordova & Jacobson, 1999). Assim, aceitação implica em “tolerar o comportamento aversivo porque você escolhe fazê-lo – você vê esse comportamento como parte de um contexto maior de quem é seu parceiro e quem você é” (Christensen, Doss, & Jacobson, 2018, p. 187). Essa acepção é contrária a ação de submissão ou resignação. Submissão ou resignação implica em falta de alternativa diante do comportamento aversivo do outro, sendo que as estratégias de aceitação intencionam produzir um efeito superior, possibilitando compreender as características aversivas como sendo uma parte constituinte, mas não definidora do parceiro, promovendo desse modo, real empatia e intimidade para o casal em conflito e diminuindo as tentativas beligerantes de modificar o outro.
Para conhecer mais sobre IBCT
Se você deseja conhecer mais sobre IBCT, as principais referências são o manual do terapeuta (Jacobson & Christensen, 1998) e o manual do paciente (Christensen et al., 2018). Você também pode conhecer mais por meio do programa on-line <OurRelationship.com>.
Referências:
Christensen, A., Doss, B. D., & Jacobson, N. S. (2018). Diferenças reconciliáveis: reconstruindo seu relacionamento ao redescobrir o parceiro que você ama, sem se perder. Novo Hamburgo: Sinopsys.
Christensen, A., Wheeler, J. G., & Jacobson, N. S. (2009). Problemas do casal. In D. H. Barlow et al. (Orgs.), Manual clínico dos transtornos psicológicos: tratamento passo a passo (pp. 662-688). Porto Alegre: Artmed.
Christensen, A., Wheeler, J. G., Doss, B. D., & Jacobson, N. S. (2016). Problemas do casal. In D. H. Barlow (Org.), Manual clínico dos transtornos psicológicos: Tratamento passo a passo (pp. 697-724). Porto Alegre: Artmed.
Cordova, J. V. & Jacobson, N. S. (1999). Crise de casais. In D. H. Barlow (Org.), Manual clínico dos transtornos psicológicos (pp. 535-567). Porto Alegre: Artmed.
Jacobson, N. S. & Christensen, A. (1998). Acceptance and change in couple therapy: A therapist’s guide to transforming relationships. New York: Norton.
La Taillade, J. J. & Jacobson, N. S. (1998). A terapia comportamental de casal. In M. Elkaïm (Org.), Panorama das terapias familiares: Volume 2 (pp. 23-56). São Paulo: Summus.
Vandenberghe, L. (2006). Terapia comportamental de casal: Uma retrospectiva da literatura internacional. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 8(2), 145-160. doi:10.31505/rbtcc.v8i2.97