O comportamento (e a pessoa) do terapeuta tem sido cada vez mais investigado no âmbito das terapias comportamentais contemporâneas, sobretudo a Psicoterapia Analítica Funcional (FAP). Esse modelo de intervenção chama atenção para a pessoa do terapeuta através das suas cinco regras tradicionais que, na realidade, não são regras no sentido rígido da palavra, e sim sugestões de como o terapeuta deveria agir com seu cliente.
Todos que trabalham com a FAP ou com qualquer outro modelo de intervenção devem procurar desenvolver comportamentos terapêuticos. Mas o que seria isso? De que maneira?
De forma geral, diria que o comportamento terapêutico é aquele que ajuda o cliente em relação ao que ele deseja alcançar na terapia. A regra 3 da FAP, por exemplo, ilustra precisamente um conjunto de comportamentos terapêuticos (reforçar CRB2s). Kohlenberg e Tsai (1991/2006) sugerem, dentre outras coisas, que o terapeuta pratique boas ações que possam ajudar outras pessoas em diversos contextos, não só durante o seu trabalho clínico. Estas boas ações envolvem, por exemplo, fazer trabalhos voluntários, auxiliar pessoas economicamente desfavorecidas ou que passam por algum tipo de necessidade.
Embora comportamentos terapêuticos tendam a se desenvolver naturalmente durante os atendimentos clínicos a medida que o terapeuta adquire experiência, a ideia aqui é chamar atenção para a modelagem destes comportamentos no contexto natural do terapeuta, ou seja, em sua vida diária. Comportamentos típicos de um terapeuta FAP, como empatia adequada, cordialidade, escuta reflexiva, expressão genuína de pensamentos e sentimentos e validação, tidos como potencialmente reforçadores de grandes classes de respostas (por exemplo, confiar e construir intimidade), devem ser praticados para além do consultório (Tsai, Kanter, Landes, Newring & Kohlenberg, 2011).
Nesse sentido, outros contextos, que não o contexto clínico, também podem modelar comportamentos terapêuticos e tornar o terapeuta uma pessoa mais reforçadora de um modo geral. Tornando-se mais reforçador, o terapeuta potencializa as chances de melhorar a qualidade do seu trabalho clínico e de outras áreas da sua vida, configurando uma espécie de “ciclo reforçador”. Ou seja, ao obter maior reforçamento através dos seus comportamentos de ajuda fora do consultório, o terapeuta também tende a fortalecer e a reproduzir com mais frequência estes comportamentos dentro do consultório.
Nas palavras de Tsai, Kanter, Landes, Newring e Kohlenberg (2011, p. 190), “comportamentos que são bem praticados e integrados fora da terapia são mais prováveis de ocorrer na sala de terapia”. Por exemplo, ao se relacionar com um amigo, com um colega de trabalho ou com um vizinho, o terapeuta pode, voluntariamente, adotar uma “postura FAP”, ou seja, agir segundo os pressupostos que o modelo propõe, guardadas as devidas diferenças de cada interação. Isso pode prover um maior senso de identidade ao clínico, reduzindo a diferença entre o “terapeuta profissional” e o “terapeuta fora do consultório”.
Um conflito entre a identidade profissional e a identidade pessoal pode, inclusive, prejudicar o trabalho do terapeuta, uma vez que tende a gerar dúvidas sobre como agir em cada contexto. Assim, podem surgir pensamentos do tipo “nossa, estou treinando comportamentos assertivos com meu cliente, mas nem com minha esposa consigo ser assertivo”.
É importante pontuar que, ao adotar uma “postura FAP” em seu dia a dia visando modelar comportamentos terapêuticos, o terapeuta deve se lembrar de ser natural para não correr o risco de tentar ser uma pessoa que não é. Isso tem a ver com a ênfase dada pela FAP ao reforçamento natural. Ou seja, planejar antecipadamente formas de reagir aos outros tentando ser reforçador ou agradável pode se tornar arbitrário e dificultar a modelagem de comportamentos realmente terapêuticos. Uma das formas de evitar essa situação é observar os próprios estados privados espontâneos que surgem na interação com os outros e expressá-los. Estes estados privados predispõem a pessoa a agir de forma naturalmente reforçadora (Kohlenberg & Tsai, 1994).
Ainda que o espaço terapêutico tenha características especiais, onde o terapeuta certamente precisará agir de formas específicas, praticar comportamentos semelhantes fora do consultório pode fortalecer bastante a classe geral de “ajuda terapêutica”. Kohlenberg & Tsai (1991/2006) sugerem que o terapeuta deve fazer isso, se possível, todos os dias, para fortalecer repertórios que auxiliem terceiros e, assim, aumentar as chances de tais repertórios serem transferidos para a sessão.
Espera-se que desta forma o terapeuta desenvolva amplas classes de comportamentos terapêuticos que o auxiliem não apenas em seu trabalho clínico, mas melhorem também outras áreas importantes da sua vida que, porventura, podem estar insatisfatórias. A FAP, enquanto uma forma de interação com a vida, pode acabar transformando aspectos da vida do terapeuta – sobretudo aspectos interpessoais – que vão muito além da sua prática profissional.
Referências
Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (1991/2006). Psicoterapia analítica funcional: Criando relações terapêuticas intensas e curativas. Santo André: ESETec.
Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (1994). Functional analytic psychoterapy: A radical behavioral approach to treatment and integration. Journal of Psychoterapy Integration, 4, pp. 175-201.
Tsai, M., Kanter, J. W., Landes, S. J., Newring, R. W., & Kohlenberg, R. J. (2011). O curso da terapia: fases inicial, intermediária e final da FAP. Em R. J. Kohlenberg, M. Tsai, J. W. Kanter, B. Kohlenberg, W. C. Follete, & G. M. Callaghan (Orgs.). Um guia para a psicoterapia analítica funcional (FAP): Consciência, Coragem, Amor e Behaviorismo (pp. 187-209). Santo André: ESETec.