“Se você se perceber tentando mudar o que um cliente pensa ao invés de tentar libertar sua vida, pare: você não está fazendo ACT.” (Luoma, Hayes & Walser, 2017)
Esses dias eu estava atendendo um cliente no consultório e se alguém entrasse na sala naquele exato momento provavelmente diria que eu sou psicanalista freudiano tradicional pois meu cliente estava deitado no sofá, como se em um divã, olhando para a parede e falando. E isso por um convite meu.
E isso é ACT? Não, não é. Mas, naquele contexto, sim.
E o que é ACT afinal? É comum ouvir sobre técnicas “da ACT” ou de estratégias “da ACT” ou uma perspectiva “da ACT”. E o que isso quer dizer, no fim das contas? Como saber se o que eu estou fazendo no consultório é consistente ou inconsistente com o modelo da ACT?
Aliás, qual modelo? Hexaflex, Matrix, livro da ACT de 99, FACT (Focused Acceptance and Commitment Therapy, modalidade breve da ACT). Ou têm também a maneira que Carmen Luciano aborda a ACT, ou a ACT segundo a estrutura multi-nível, multi-dimensional. (Hayes, Strosahl & Wilson, 1999/2012; Luciano & Wilson, 2002; Strosahl, Robinson & Gustavsson, 2012; Polk, Schoendorff, Webster & Oláz, 2016; Barnes-Holmes et al., 2018; McEnteggart, 2018).
Diante de “várias ACTs” e diversas estratégias, o que garante que tudo isso, e o que for feito em consultório, “é” ACT?
A ACT não é apenas um conjunto de técnicas. Sim, a ACT é uma terapia comportamental; porém, não é a terapia comportamental tradicional. Do contrário, não haveria sentido dar outro nome a algo que já existe. A implementação de qualquer técnica ou estratégia deve ser de acordo com a análise funcional para aquele caso. Nota-se quais os comportamentos do cliente em sessão e quais suas funções, e para isso os nossos princípios comportamentais básicos estão à disposição. Investigação de contextos antecedentes, respostas e contextos consequentes tanto do cliente quanto nossas próprias fazem parte do pacote.
Sabe aquele momento em sessão que o cliente muda de assunto, muda o tom ou a velocidade da voz, desvia rapidamente o olhar ou emite qualquer outro “trejeito sem importância”? Se emite, então é um operante. Então produz consequências. Às vezes, em momentos assim, podem existir coisas mais abrangentes para se investigar, como alguma esquiva mais sutil ou algum comportamento de melhora. Se o cliente emite um padrão diferente é porque algo no contexto mudou. Investigue. (Wilson & DuFrene, 2009).
A ACT é uma abordagem multidimensional, transdiagnóstica sobre o sofrimento humano, embasada na filosofia do Contextualismo Funcional. O que faz o cliente sofrer é real para ele e o que é verdadeiro é o que funciona para ele. (Biglan & Hayes, 1996/2016; Hayes, Strosahl & Wilson, 2012). A ACT se coloca como uma abordagem baseada em processos, uma vez que certos processos que levam ao sofrimento são comuns aos mais variados diagnósticos psiquiátricos. (Hayes & Hofmann, 2017). E essa abordagem leva em conta a ubiquidade e inescapabilidade do sofrimento humano e do quanto a luta em afastá-lo acaba paradoxalmente por gerar mais sofrimento. Muito do trabalho é de auxiliar os clientes a saírem desse sistema (que nós terapeutas também estamos dentro). Aí entram as técnicas e estratégias pautadas na análise funcional.
Minha intenção aqui não é ensinar a fazer ACT. Existem diversos recursos para tal (manuais, livros, textos, vídeos, artigos, treinamentos, etc). Se você é novo(a) (ou mesmo experiente) à ACT, acredito que é útil se guiar através das seguintes perguntas, adaptadas do livro Advanced Acceptance and Commitment Therapy (Westrup, 2014):
Qual a função?
Uma querida professora minha uma vez me disse que se questiona umas 50 vezes (sendo hiperbólico aqui) por sessão: “por que esse cliente está me dizendo isso nesse momento?”. Acredito que o mesmo vale para nós terapeutas.
Cada troca durante a terapia é uma oportunidade de expandir a flexibilidade psicológica dos clientes.
Ao assistir vídeos de ACT, ler livros ou participar de treinamentos é normal nos fusionarmos com os modelos que admiramos, por vezes até imitando a topografia destes. Dentro de uma perspectiva contextualista funcional, a questão de estilo é uma questão funcional. O seu estilo está a serviço de expandir a flexibilidade psicológica de seu/sua cliente ou está impedindo?
Se o seu estilo enquanto terapeuta tiver como função expandir a flexibilidade psicológica e funcionar, você está no caminho certo.
A troca parece igual?
Como mencionado mais acima no texto: estamos no mesmo barco que os nossos clientes. Não só isso como é comum compartilharmos de sofrimentos muito semelhantes. Diante disso é muito comum assumir a função de expert. E não está errado. Acho mesmo que devemos estudar bastante e cada vez mais nos especializar.
Porém muitas vezes esse papel de expert vem como uma resposta do terapeuta à fusão com conteúdos verbais como incerteza e incompetência.
Tente permitir que a incerteza esteja presente em sessão, sentindo o que ela realmente é (incerteza) e não o que ela pode dizer que é (incompetência). E tente também se afastar um pouco da ideia que é a sua expertise que conta mais para seus clientes. Na verdade, é sua humanidade. O desejo de aparentar competente é natural (e como eu falei acima: é importante que você seja), mas tente aproveitar a oportunidade de explorar essa incerteza na sala. Às vezes um honesto “não sei” ajuda mais que longas explicações técnicas.
Estou sendo respeitosamente diretivo?
Existe uma concepção de que na terapia são nossos clientes que devem conduzir a sessão e que é isso que devemos priorizar. Isso se sustenta na ideia de que interromper o cliente ou guiar a sessão para uma direção específica é desrespeitoso ou que irá chatear o cliente de alguma forma.
Sabe-se, por pouco que seja, qual o padrão comportamental que trouxe o/a cliente para a terapia e quais áreas de sua vida necessitam atenção. Geralmente são áreas que os clientes tendem a evitar discutir (falar de valores via de regra tende a ser aversivo pois evoca-se todas as formas em que o cliente falhou em entrar em contato com essas áreas).
Procure conversar sobre os objetivos do cliente com a terapia. Conversem sobre objetivos comuns e gerais para a terapia e busque o consentimento do cliente para redirecionar a sessão quando necessário.
Trabalhando com ACT tendemos a ser conscientes sobre de que formas podemos estar restringindo a flexibilidade de nossos clientes. Ser diretivo envolve redirecionar em relação aonde o cliente está agora e para onde ele está indo em sessão. Adaptando a questão dita pela minha professora, você pode se perguntar: “o que está acontecendo nesse momento com meu/minha cliente?” e trabalhar seus valores (“como o que está acontecendo agora pode estar a serviço dos valores de meu/minha cliente?”). Tais perguntas e redirecionamentos podem ser desafiadores para ambos terapeuta e cliente, além de poderem agir a serviço da promoção de flexibilidade psicológica.
Afinal, um navio que está sempre ancorado e seguro fica sempre no mesmo lugar.
_________________________________________________________
Não existe um “fim” para o aprendizado em ACT, sendo este um exercício constante. Como Robyn Walser costuma colocar: para ser eficaz em ACT é importante exercitá-la em nossas próprias vidas. Estamos todos sujeitos às armadilhas verbais da vida.
Se algo neste texto lhe foi útil, gostaria de propor o seguinte exercício: tente pegar algum aspecto descrito aqui e experimentar em sua prática, seja profissional ou pessoal. E veja se funciona!
Bons estudos!
REFERÊNCIAS
Barnes-Holmes, Y., Boorman, J., Oliver, J., Thompson, M., McEnteggart, C., & Coulter, C. (2018) Using Conceptual Developments in RFT to Direct Case Formulation and Clinical Intervention: Two Case Summaries. Journal of Contextual Behavioral Science
Biglan, A., & Hayes, S. (1996) Should the behavioral sciences become more pragmatic? The case for functional contextualism in research on human behavior. Applied & Preventive Psychology
Biglan, A., & Hayes, S. (2015) Functional Contextualism and Contextual Behavioral Science In: Zettle, R., Hayes, S., Barnes-Holmes, D., & Biglan, A.: The Wiley Handbook of Contextual Behavioral Science. Wiley Blackweel
Hayes, S.C. & Hofmann, S.G. (2017). The third wave of cognitive behavioral therapy and the rise of process-based care. World Psychiatry: Journal of the World Psychiatric Association (WPA), 16 (3).
Hayes, S., Strosahl, K. & Wilson, K. (1999) Acceptance and Commitment Therapy: An Experiential Approach to Behavior Change. New York: Guilford Press
Hayes, S., Strosahl, K. & Wilson, K. (2012) Acceptance and Commitment Therapy – the process and practice of mindful change. The Guilford Press
Luciano, C. & Wilson, K. (2002) Terapia de Aceptación y Compromiso: Un tratamento conductual orientado a los valores. Ediciones Pirámide.
Luoma, J., Hayes, S., & Walser, R. (2017) Learning ACT: An Acceptance & Commitment Therapy Skills-Training Manual for Therapists Second Edition. Context Press
McEnteggart, C. (2018). A Brief Tutorial on Acceptance and Commitment Therapy as Seen through the Lens of Derived Stimulus Relations. Perspectives on Behavioral Science
Wilson, K. G., & DuFrene, T. (2009). Mindfulness for Two: An Acceptance and Commitment Therapy Approach to Mindfulness in Psychotherapy. Oakland, CA: New Harbinger.
Westrup, D. (2014) Advanced Acceptance and Commitment Therapy: The Experienced Practitioner’s Guide to Optimizing Delivery. Oakland, CA: New Harbinger