As palavras são, segundo a Análise do Comportamento, estímulos. Estímulo é uma alteração do ambiente que afeta a probabilidade de uma resposta. Ela pode ser ocasião da resposta (estímulo antecedente), ou produto que a afeta (consequência). Assim quando estamos no consultório o que está acontecendo é que o cliente está alterando o ambiente com palavras que evocam respostas no terapeuta e no próprio cliente; essas respostas do terapeuta atuam como consequências para o comportamento do cliente, criando um novo ambiente para a emissão de outras respostas e a emissão destas outras respostas atuarão como consequência para o cliente e assim por diante. Estas palavras não são alterações isoladas, elas fazem parte de uma classe de vários estímulos que têm a mesma função. Quando a cliente fala a frase “me sinto desconectada”, essa alteração sonora no ambiente pertence a uma classe de alterações ambientais equivalentes, como várias situações em que a cliente se sentiu desconectada, com pessoas familiares, amigos, trabalho, a lembrança dessas situações em outras frases ou em imagens, as sensações físicas presentes nessas situações, os sentimentos e pensamentos que teve.
Quanto a cliente fala “me sinto desconectada”, ela está alterando o ambiente na nossa frente com todas essas outras alterações, algumas produzidas por ela, como as respostas de pensar e sentir, outras que a afetam, como a percepção das sensações, lembranças e pensamentos. A pessoa produz a alteração que evoca e elicia um feixe de experiências de sua vida, e nesse sentido é natural observar manifestações de sua emoção como o encher de lágrimas nos olhos e ao mesmo tempo não permitir que caia nenhuma lágrima, quase como um retrato poético de estar “desconectada” naquele exato momento.
Além da classe de estímulos que emerge, aprendemos também a relacionar classes de estímulos como: “me sentir desconectada” é melhor que “me expor” – relação de comparação melhor/pior, e “me sinto eu mesma na casa da minha mãe” – relação de causalidade se/então e de oposição entre “mãe” (me sentir eu mesma) versus “outras pessoas” (me sinto desconectada). Desta forma quando a frase “me sinto desconectada” emerge, além das experiências equivalentes a ela, outras classes de alterações ambientais que foram relacionadas a esta classe também emergem, como vontade de estar perto da mãe, resistência de resolver a situação de conexão por medo de se expor e também a história de aprendizado de não se expor.
As palavras não são apenas palavras, são como um feixe de experiências que se abre em nossa frente, e como uma malha ao puxar um fio, trás consigo outros feixes amarrados a ele. Através desse olhar, muita coisa acontece num consultório. E por isso as perguntas propostas por Matthieu Villatte, Jennifer L. Villatte e Steven C. Hayes (2015) em seu livro Mastering the Clinical Conversation: Language as Intervention (Dominando a conversa clínica: linguagem como intervenção) são tão interessantes, pois investigam estes diversos fios atrelados ao que o cliente nos diz. Segue algumas dessas perguntas.
Investigação de estímulos antecedentes:
- Porque fez isso/ porque você falou assim?
- Quando fez isso?
- Em quais momentos isso acontece?
Investigação da classe de respostas:
- Que nome você daria para isso (como a pessoa se sente, o que pensa, como age ou a situação que gera o comportamento, neste último caso é a investigação do antecedente)?
- O que você fez?
- Isto o que? (quando usar termo vago para descrever a resposta)
- O que é isto? (descreva a reação física ou movimentação ao falar, por exemplo, “quando você fecha as mãos assim – terapeuta imita o movimento – o que é isso?”)
Investigação das emoções e sentimentos:
- Como você se sentiu?
- O que você está sentindo agora ao falar sobre isso?
- Como você se sente em me dizer isso?
- O que você está sentindo no seu corpo agora?
Investigação dos pensamentos:
- O que você pensou?
- O que você pensa sobre isso agora?
- Como você chamaria essa sequência de pensamentos?
Investigação das consequências que ocorreram no passado (história):
- Para que você fez isso?
- O que você esperava?
- Qual o seu desejo com isso?
- Qual impacto isto teve em você? E a sua volta?
Investigação das possíveis respostas alternativas (valores e ações com compromisso):
- Como isso mudaria sua vida?
- Como sua vida seria se isso não fosse importante para você?
- Como seria se isso não te impactasse?
- Se pudesse fazer qualquer coisa, o que faria?
- O que sua melhor versão faria?
- Porque isso é importante?
A palavra “isso” nas perguntas são substituídas pelas palavras que o cliente usa na sessão, em especial as carregadas de emoção (quando o cliente chora, muda tom de voz, se mexe ao falar, etc.), as palavras estranhas ou pouco usuais (como usar a palavra “deformado” para descrever a auto imagem ou repetir muitas vezes a palavra “desafio”), e frases não terminadas ou inespecíficas (“você sabe como é”, “sempre é assim”, “fiquei daquele jeito”).
Estas perguntas não são distantes do que geralmente se faz no consultório. A proposta é justamente o olhar do que estamos fazendo ao usar tais perguntas. Estamos puxando diferentes classes de estímulos relacionadas a palavra que o cliente trás. Em outras palavras, estamos acessando diferentes aspectos da experiência dele e vendo como ele aprendeu a relacionar essas experiências. É uma viagem na história de aprendizado que atua no comportamento da pessoa agora.
Esta compreensão das palavras nos leva a uma atuação clínica bastante respeitosa quanto ao que o cliente nos fala, as exatas palavras, pois sinônimos ou derivações podem evocar classes completamente diferentes de estímulo. Nesse sentido quando a cliente diz “me sinto desconectada”, pode ser totalmente diferente perguntar “como você está se sentindo agora ao falar dessa desconexão?” e “como você está agora ao falar de se sentir desconectada?”. A segunda opção será muito mais precisa para evocar e eliciar alterações na experiência do cliente, pois estará reapresentando o estímulo que é relevante para a cliente e puxando o fio referente às sensações e sentimentos quando essa experiência ocorre.
Na mesma linha do respeito para com a experiência do cliente, interpretações também não são necessárias. As perguntas, ao invés das interpretações, evocarão relações muito mais específicas e significativas do que qualquer formulação que o terapeuta possa fazer.
Esta reflexão não especifica nenhuma intervenção em especial. Muitas intervenções podem partir dessa conexão do cliente com sua experiência, e por consequência do terapeuta com o cliente. É o solo de que partem todas as outras intervenções.
Inspirado nas palavras de Heidi Blanche Meyer Pflug (dia 18 de junho de 2018).
Referências
Hayes, S., Barnes-Holmes, D., & Roche, B. (2001). Relational Frame Theory: A Post-Skinnerian Account of Human Language and Cognition. New York: Kluwer Academic/Plenum Publishers.
Hayes, S., Strosahl, K., & Wilson, K. (1999/2012) Acceptance and Commitment Therapy: an experiential approach to behavior change. Estados Unidos: The Guilford Press.
Skinner, B. F. (1957/1992). Verbal Behavior. Acton, Massachusetts: Copley.
Skinner, B. (2007). Ciência e comportamento humano. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora Ltda.
Villatte, M; Villatte, J.L and Hayes,S.C.(2015) Mastering the Clinical Conversation. The Gilford Press. New York-London.