Em meu artigo anterior escrevi sobre a importância de uma intervenção baseada em evidência científica, e discuti que a Análise do Comportamento Aplicada é a tecnologia de ensino que tem se mostrado mais eficaz para indivíduos com TEA. Em artigo posterior desse mesmo blog, Cintia Guilhardi escreveu sobre a diferença entre tratamento ABA e “ABA-like”, este último, fazendo menção a profissionais que usam “algumas técnicas da ABA”. Com o intuito de tornar essa discussão um pouco mais “palpável” para os pais e demais consumidores desse serviço, decidi escrever alguns pontos importantes que caracterizam a intervenção em ABA.
Sendo assim, e não assumindo que esses 10 pontos sejam os únicos e tampouco os colocando em ordem de importância, seleciono essas perguntas para que os pais reflitam sobre a intervenção de seu filho:
- A equipe que trabalha com seu filho possui domínio de escalas de habilidades para mensurar a evolução dele?
Quando falamos em uma intervenção em ABA, necessariamente falamos na necessidade de uma avaliação inicial que componha a “linha de base” de habilidades do indivíduo e que norteie os pontos principais da intervenção (o chamado curriculum). Além disso, é importante que frequentemente as metas sejam revistas e as escalas atualizadas. Como a ABA é uma tecnologia de ensino extremamente individualizada, o Analista do Comportamento deve saber utilizar mais de uma escala de habilidades. Por exemplo, a escala ABLLS-R é bastante detalhada e auxilia na implementação de metas mais específicas e “esmiuçadas”; temos o VB-MAPP de direcionamento bastante eficaz; caso a criança tenha evoluído existe uma ferramenta chamada Social Savvy que direciona o trabalho em “habilidades sociais”; o instrumento ABLA-R que aponta dificuldades de aprendizagem de determinadas metas, entre outros.
- Os aplicadores e demais profissionais, possuem a formação adequada?
Ainda que não haja em nosso país a regulamentação legal ao exercício do Analista do Comportamento, tem sido amplamente divulgado na mídia a importância da formação desse profissional como muito além de um curso de graduação que tem, na melhor das hipóteses, três semestres de teoria geral de Análise do Comportamento. As famílias têm exigido, cada vez mais, a formação do BACB ao profissional ou clínica, como já acontece nos Estados Unidos.
- Ocorrem supervisões constantes dos profissionais que trabalham com seu filho?
Esse é um tópico bastante relevante. Por tratar-se de uma ciência e não de um método, o Analista do Comportamento, mesmo após finalizar seus estudos iniciais (pós-graduação por exemplo), deve submeter-se à supervisão constante de outro Analista do Comportamento mais experiente. Ainda mais necessário, é a supervisão do profissional que ainda não tenha concluído essa titulação e atue como “aplicador ABA”. Nos Estados Unidos, essa categoria é chamada de RBT e este profissional é proibido de trabalhar sem a supervisão constante de um BCBA.
- O tratamento é individualizado?
Os pais devem ficar atentos se o que é proposto pela equipe se adequa às necessidades específicas do seu filho. Como mencionei acima, ABA não é método e, portanto, não há manual com começo, meio e fim ou intervenção igual para todos. Isso significa que duas crianças da mesma idade podem ter um curriculum parecido ou completamente diferente.
- A terapia é intensiva?
Este ponto é simples: não existe “ABA light”! Ou seu filho faz ABA ou não faz. ABA é uma intervenção intensiva que, na grande maioria dos casos, é composta de 20 a 40 horas por semana de intervenção. Se o seu filho faz 1 hora por semana de ABA ele não faz ABA!
- Existe uma hierarquia de domínio acadêmico na equipe?
Ter uma equipe com profissionais de diferentes níveis acadêmicos faz toda a diferença em uma intervenção. O terapeuta pode ter menos repertório acadêmico que o supervisor, por exemplo, mas necessita do direcionamento deste para não cometer erros graves. O supervisor que é, por exemplo, um especialista ou mestre e já foi terapeuta durante muitos anos, tem de realizar supervisões com um doutor que tenha experiência em ABA, e assim sucessivamente.
- A equipe produz gráficos para mensurar o aumento ou diminuição dos comportamentos-alvo?
Existe uma máxima em ABA que diz: “se você não registra e produz gráficos, você não está fazendo ABA”. Muitas vezes esses gráficos podem estar na pasta de registro ou no relatório mensal, mas ele tem que fazer parte da intervenção em ABA!
- Os profissionais fazem aquilo que eles “acham melhor” ou aquilo que tem comprovação científica?
Se ABA é ciência, não há “receita pronta” para nada. Isso significa que todo o procedimento adotado para ensinar repertórios comportamentais e/ou diminuir comportamentos indesejados deve ser baseado em pesquisas sólidas (com replicação substancial). Essas pesquisas devem ser citadas e os pais devem ser capazes de identificar suas fontes.
- Os profissionais ABA trabalham em conjunto com os demais?
Quase sempre as crianças com autismo passam por mais de uma intervenção ao mesmo tempo. Por exemplo, fazem ABA e fonoaudiologia e/ou terapia ocupacional. Dessa forma, os profissionais devem trabalhar em conjunto, trocar informações e preferencialmente todos estarem sob a supervisão constante de um Analista do Comportamento.
- Você se sente (e deseja estar) satisfeito como cliente ou em constante aprendizado?
Considero esse tópico um dos mais importantes e nele não questiono apenas o comportamento do profissional, mas também da família. Em uma sociedade movida pelo capital, o paciente ou cliente é, também, o consumidor do serviço. Se a sua equipe faz tudo o que você quer ao invés daquilo que avalia ser o melhor para o seu filho, nunca contraria sua opinião como pai ou propõe desafios para mudar comportamentos, provavelmente você pode estar satisfeito como consumidor mas, na verdade, está consumindo um serviço de “homecare” ou “cuidador” mas não de ABA. ABA tem a ver com aprendizado, mudança e superação para melhorar a qualidade de vida da família, mas toda a luta requer desafios e renúncias.
Renata Michel
Referências Bibliográficas:
https://comportese.com/2018/02/aba-o-tratamento-baseado-em-evidencia-cientifica
Barnes, C. S., Mellor, J. R., &Rehfeldt, R. A. (2014). Implementing the Verbal Behavior Milestones Assessment and Placement Program (VB-MAPP): Teaching Assessment Techniques. The Analysis of Verbal Behavior, 30(1), 36–47. http://doi.org/10.1007/s40616-013-0004-5
Pritchard, J. K. (2013). ABLLS-R Kit. Behavior Analysis in Practice, 6(2), 86–87. http://doi.org/10.1007/BF03391811
Stewart, I., McElwee, J., & Ming, S. (2010). A Critical Analysis of Conventional Descriptions of Levels Employed in the Assessment of Basic Learning Abilities. The Behavior Analyst, 33(1), 127–131.