Você já conhece a Terapia Comportamental Abrangente (TCA)?

Você já conhece a Terapia Comportamental Abrangente (TCA)? Ela é um modelo terapêutico proposto pelo analista do comportamento Nicolau Chaud, da cidade de Goiânia, capital de Goiás. O manuscrito que você lê a seguir, escrito pelo próprio Nicolau Chaud, é sua primeira descrição formal. Nele são apresentados os pressupostos centrais de como, na visão do autor, deve ser o trabalho de um Terapeuta Comportamental Abrangente. Conforme destaca o artigo, a proposta foi construída “a partir da modelagem de práticas sensíveis aos resultados” observados em seus 10 anos de experiência clínica somados a seus estudos sobre uma variedade de temas relacionados ao comportamento humano e saúde, como o Behaviorismo skinneriano, controle aversivo, relações sociais, psicologia evolucionista, entre outros.

 

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UM PRIMEIRO OLHAR SOBRE A TERAPIA COMPORTAMENTAL ABRANGENTE

Por Nicolau Chaud

A Análise Comportamental Clínica é uma vertente aplicada da Análise do Comportamento. Engloba modelos de psicoterapia que se baseiam nos pressupostos do Behaviorismo Radical e norteiam sua formulação de caso e suas intervenções na ciência da Análise do Comportamento. Seu escopo é suficientemente amplo para abarcar modelos terapêuticos bastante distintos entre si. Como evidência disso, tem-se observado o surgimento de numerosas variantes: Psicoterapia Analítica Funcional – FAP (Kohlenberg & Tsai, 2001), Terapia de Aceitação e Compromisso – ACT (Hayes, Strosahl & Wilson, 1999), Terapia Comportamental Dialética – DBT (Linehan, 2010), Ativação Comportamental – BA (Dimidjian, Martell, Addis & Herman-Dunn, 2009), Psicoterapia Comportamental Pragmática – PCP (Medeiros, 2012), Terapia Molar e de Autoconhecimento – TMA (Marçal & Dutra, 2010, citado por Costa, 2011), entre outras.

No Brasil, a maioria dos analistas do comportamento trabalha fora dos limites circunscritos de um modelo. Agregam aspectos pontuais de diversos modelos existentes à sua prática, aplicam intervenções com fundamentação comportamental baseadas em evidência, ou simplesmente norteiam-se por princípios derivados da ciência básica. Sem muitas das operações motivacionais que direcionam o processo de padronização e validação de psicoterapias nos Estados Unidos (Abreu e Abreu, 2017), a forma como nós brasileiros conduzimos o processo terapêutico tende a imprimir aspectos de nossa cultura: a mescla de práticas de origens diversas, liberdade, improviso, e o apreço por uma relação calorosa entre terapeuta e cliente.

Ainda que a atuação fora de um modelo terapêutico delimitado não constitua um problema em si, a carência de diretrizes básicas para a conduta do profissional pode dar margem a práticas clínicas questionáveis. Ligado a isso, um padrão comum entre analistas do comportamento é a generalização indevida de repertórios oriundos da pesquisa experimental para o contexto clínico (Leonardi & Meyers, 2016). Terapeutas analítico-comportamentais descobrem, com a experiência, que estratégias úteis para produção de conhecimento científico não necessariamente são vantajosas para a promoção do bem-estar psicológico de seus clientes.

Neste contexto surge a Terapia Comportamental Abrangente (TCA). Em essência, é uma proposta terapêutica construída a partir da modelagem de práticas terapêuticas sensíveis aos resultados clínicos observados por seus proponentes e praticantes, priorizando o cliente em detrimento do método. Muitas de suas características já constituem a prática de alguns terapeutas individuais e são comuns a outras modalidades clínicas, mas na TCA são levadas as últimas consequências e sistematizadas enquanto diretrizes de atuação. Algumas das principais diretrizes são sintetizadas a seguir:

O bem-estar das pessoas está intimamente ligado à qualidade de suas relações interpessoais. Acredita-se que, a despeito das particularidades das queixas trazidas pelo cliente, todas as demandas são, essencialmente, sociais. A validação, o reconhecimento e o suporte social caracterizam os principais reforçadores positivos que organizam os repertórios de indivíduos, ao passo que a rejeição social define o evento aversivo responsável por suprimir condutas e gerar padrões de esquiva. Pessoas felizes experienciam relações de intimidade nas quais são aceitas e acolhidas por agirem como são. A ausência de relações desse tipo está associada a relatos de tristeza, desânimo e depressão. Paralelamente, a experiência de relações opressoras e a predominância de padrões de evitação social produzem sentimentos de ansiedade, angústia e medo. O elo entre a qualidade das relações sociais e a saúde psicológica de indivíduos está firmemente estabelecido (Kawachi & Berkman, 2001).

Os repertórios relevantes para obtenção de reforçadores positivos e eliminação de eventos aversivos são verbais. Tais repertórios são classificados em dois tipos: habilidades sociais e habilidades cognitivas. Habilidades sociais englobam classes de comportamento cuja função é a modificação do comportamento de outras pessoas, estando associadas à manutenção das relações sociais (Caballo, 2010). Habilidades cognitivas são aquelas capazes de regular o comportamento do próprio indivíduo, e incluem a tomada de decisões, a autoinstrução (Mas, 2002), a resolução de problemas (Nezu & Nezu, 2002) e o autoconhecimento (de Rose, Bezerra & Lazarin, 2012). A distinção é meramente contextual, ambos sendo repertórios construídos na interação com o ambiente social. O objetivo fundamental da psicoterapia é o de modelar habilidades sociais e cognitivas do cliente. Considera-se que mudanças em padrões comportamentais que não passem pela aprendizagem de novos repertórios podem ter caráter temporário, circunstancial e espúrio.

Visão construtiva e recombinativa do comportamento verbal. A terapia nunca irá visar diretamente à eliminação de comportamentos problemáticos, privilegiando a construção de repertórios alternativos e mais vantajosos ao cliente (Goldiamond, 1974). Paralelamente, diante da variedade de repertórios verbais aprendidos, a emissão de respostas discretas não envolve a mera opção por uma ou outra forma aprendida, mas uma síntese recombinada de várias formas disponíveis em seu repertório (Epstein, 2015). A partir dessa visão, quanto mais rico o repertório verbal de um indivíduo, mais capaz será de emitir respostas verbais efetivas em contextos variados. Por essas razões, o enriquecimento do repertório verbal é tido como um valor tanto para o crescimento do cliente quanto para o desenvolvimento do terapeuta.

Objetivos terapêuticos abrangentes. Os conflitos e o sofrimento na vida do cliente muitas vezes resultam de um padrão comportamental problemático ou deficitário, assim como da ausência de repertórios mais apropriados de enfrentamento. Em análises cuidadosas, descobre-se que tais padrões são gerais a várias situações de sua vida, não só aos problemas originalmente trazidos na queixa (Marçal, 2005). Os objetivos terapêuticos são estabelecidos visando à aquisição de repertórios verbais abrangentes, potencialmente úteis para uma ampla gama de cenários e adversidades na vida do cliente. Tal visão se opõe à terapia como voltada para a resolução de problemas pontuais. Direcionar a terapia dessa forma permite maior generalidade de seus resultados e diversifica as possibilidades de intervenção, uma vez que a ação terapêutica não se restringe ao foco da queixa.

Visão suplementar do processo terapêutico. O ambiente natural dispõe de contingências necessárias e suficientes para aquisição de qualquer repertório verbal sobre o qual exista interesse terapêutico. É impossível e desnecessário tentar reconstruir, dentro do consultório, a complexidade e o poder das contingências naturais . A função da relação terapêutica passa a ser a de criar as contingências necessárias para oferecer ao cliente condições mínimas de operar nas contingências naturais relevantes. O contato adequadamente direcionado com essas contingências é o real promotor das mudanças terapêuticas.

Controle aversivo e regras restritivas como principais empecilhos para o crescimento pessoal. Se o ambiente natural dispõe dos reforçadores importantes para o bem-estar do indivíduo e de contingências capazes de promover seu crescimento, caberia a pergunta: por que isso nem sempre ocorre? Regras proibitivas, esquivas geradas por contingências não mais presentes, e efeitos generalizados de punição fazem com que indivíduos não entrem em contato com contingências importantes para seu desenvolvimento pessoal e para seu bem-estar (Meyer, 2005; Sidman, 1989/2011). Por esse motivo, a redução do controle aversivo condicionado e do controle por regras proibitivas sobre a vida de indivíduos é vista como um valor. Quanto mais fraco esse controle, mais livre e ativamente as pessoas se comportam em contingências de reforçamento positivo. Este valor estende-se também à pessoa do terapeuta, uma vez que tais controles podem inibir práticas potencialmente produtivas e travar o processo terapêutico.

Liberdade interventiva e estrutural do processo terapêutico. Dentro dos limites éticos, na TCA tudo é permitido – desde que o terapeuta tenha clareza dos porquês de suas ações, e esses porquês estejam alinhados a uma formulação funcional do caso e aos objetivos da terapia. Não há regras proibitivas para o terapeuta, assim como não há regras a serem impostas para o cliente. A interação entre terapeuta e cliente é, em sua maior parte, natural. O processo terapêutico é fluido, sem delimitações claras de suas etapas. A estruturação do processo e das intervenções é uma opção e não uma regra, e deve ser adotada somente quando vantajosa ao caso. Ainda que, do ponto de vista teórico, a TCA seja completamente compatível com uma visão de homem analítico-comportamental, do ponto de vista técnico é eclética e flexível.

Transparência ativa. Na TCA, o terapeuta é encorajado a expressar suas impressões, hipóteses, dúvidas e formulações sobre o caso a todo o momento para o cliente. Isto situa o cliente no processo, coloca-o como guia e protagonista do trabalho terapêutico, tornando-o agente ativo de mudança e promovendo autoconhecimento. Em uma interação pautada na transparência ativa, formulação de caso e intervenção acontecem concomitantemente. A adoção da transparência ativa não implica em falar sem filtros, mas em estar sob constante controle da pergunta “será que seria útil compartilhar isso que estou pensando com o cliente?”. De modo geral, encoraja-se que o cliente tenha o mesmo tipo de postura no setting clínico assim como no ambiente natural, rompendo padrões de esquiva, fortalecendo a assertividade e tornando suas relações mais verdadeiras e gratificantes. O “falar sobre” de forma espontânea e genuína é tido como a principal ferramenta de mudança tanto do terapeuta quanto do cliente.

Incentivo ao desenvolvimento da pessoa do terapeuta. Aquilo que o terapeuta faz durante uma sessão é o resultado combinado de muitos repertórios, alguns deles desenvolvidos em contexto profissional, outros em suas vivências pessoais. A interação do terapeuta com o cliente é apenas um fragmento da forma como esse primeiro se relaciona com as pessoas e com o mundo. Nessa perspectiva, qualquer esforço de crescimento pessoal do terapeuta resultará também em melhores possibilidades de atuação clínica. Isso proporciona uma visão mais abrangente sobre aquilo que é chamado de habilidades terapêuticas. Recomenda-se que o terapeuta invista no seu crescimento através de estudo formal diversificado, exponha-se a comunidades verbais variadas, e enfrente ativamente suas dificuldades pessoais e conflitos interpessoais.

É correto afirmar que a Terapia Comportamental Abrangente é mais uma postura e menos um método clínico. Assim como não esperamos que o cliente se desenvolva apenas fornecendo-lhe instruções sobre como deve agir, sabemos que um bom terapeuta não surge do seguimento de regras pré-definidas por um modelo terapêutico fechado. A proposta da TCA delineia esforços e contingências úteis para o desenvolvimento de repertórios terapêuticos produtivos. Não coincidentemente, tais esforços em muito se assemelham àqueles que têm se mostrado efetivos para pessoas que buscam o crescimento pessoal e a resolução de suas demandas em terapia.

Criação, desenvolvimento e lançamento da TCA

A Terapia Comportamental Abrangente não é uma proposta terapêutica acabada. Têm se construído através do diálogo entre pessoas interessadas em pensar criticamente aspectos diversos do processo terapêutico. A proposta tem soado atrativa para terapeutas que já trabalham de modo mais flexível, e desconfortável para aqueles habituados com a rigidez característica da comunidade behaviorista. O seu motor tem sido, no entanto, a qualidade, extensão e agilidade dos resultados clínicos obtidos por aqueles que vêm se propondo a experimentar essa visão abrangente do processo terapêutico.

No presente momento, buscamos formas de expandir esse diálogo e atingir um público de interesse. O resultado final desse esforço será um livro que sintetizará essa discussão e descreverá com mais detalhes essa proposta. A partir daí, abrir-se-á espaço para que sejam conduzidos estudos sistematizados sobre a eficácia e validade empírica de algumas de suas premissas e diretrizes.

Sendo uma apresentação breve, inicial e inacabada da proposta, sabemos que pode gerar dúvidas, críticas e sugestões. Queremos abrir canais de contato para dialogar e crescer com essa troca. Contate-nos em: https://ask.fm/terapiacomportamentalabrangente

Referências

Abreu, P. R., & Abreu, J. H. S. S. (2017). La cuarta generación de terapias conductuales. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 3, 190-211.

Caballo, V. E. (2010). Manual de avaliação e treinamento das habilidades sociais. São Paulo: Santos.

Costa, N. (2011). O surgimento de diferentes denominações para a Terapia Comportamental no Brasil. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 13(2), 46-57.

de Rose, J. C. C., Bezerra, M. S. L., & Lazarin, T. (2012). Consciência e autoconhecimento. Em M. M. C.  Hübner & M. B. Moreira (Orgs.), Temas clássicos da Psicologia sob a ótica da Análise do Comportamento (pp. 188-207). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.

Dimidjian, S.; Martell, C. R.; Addis, M. E.; & Herman-Dunn, R. (2009). Ativação comportamental para depressão. In. D. H. Barlow. (Ed.), Manual clínico dos transtornos psicológicos: tratamento passo a passo. (pp. 329-365). Porto Alegre: Artmed.

Epstein, R. (2015). Of course animals are creative: insights from generativity theory. Em A. B. Kaufman & J.C. Kaufman (Orgs.). Animal creativity and innovation (pp. 375-390). London: Academic.

Goldiamond, I. (1974). Toward a constructional approach to social problems: ethical and constitutional issues raised by applied behavior analysis. Behaviorism, 2(1), 1-84.

Hayes, S. C., Strosahl, K., & Wilson, K. G. (1999). Acceptance and Commitment Therapy: An experiential approach to behavior change. New York: Guilford Press.

Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (2001). Psicoterapia Analítica Funcional. Santo André, SP: ESETEc (Obra publicada originalmente em 1991).

Kawachi, I. & Berkman, L. F. (2001). Social ties and mental health. Journal of Urban Health: Bulletin of the New York Academy of Medicine, 78(3), 458-467.

Leonardi, J. L., & Meyers, S. B. Evidências de eficácia e o excesso de confiança translacional da Análise do Comportamento Clínica. Temas em Psicologia, 24(4), 1465-1477.

Linehan, M. M. (2010). Terapia cognitivo-comportamental para o transtorno da personalidade borderline. Porto Alegre: Artmed.

Marçal, J. V. S. (2005). Estabelecimento de objetivos na prática clínica: Quais caminhos seguir? Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 7(2), 231-245.

Mas, J. S. (2002). O treinamento em auto-instruções. Em V. E. Caballo (Org.). Manual de técnicas de terapia e modificação do comportamento (pp. 539-556). 2ª. edição. São Paulo: Santos Livraria Editora.

Medeiros, C. A. (2012). O que é Psicoterapia Comportamental Pragmática? Retirado em 9 de março de 2018 de https://comportese.com/2012/09/o-que-e-psicoterapia-comportamental-pragmatica

Meyer, S. B. (2005). Regras e auto-regras no laboratório e na clínica. Em J. Abreu-Rodrigues, & Ribeiro, M. R. (Orgs). Análise do comportamento: pesquisa, teoria e aplicação (pp. 211-227). Porto Alegre: Artes Médicas.

Nezu, A. M., & Nezu, C. M. (2002). Treinamento em solução de problemas. Em V. E. Caballo (Org.). Manual de técnicas de terapia e modificação do comportamento (pp. 471-493). 2ª. edição. São Paulo: Santos Livraria Editora.

Sidman, M. (2011). Coerção e suas implicações. Campinas: Editora Livro Pleno (Obra publicada originalmente em 1989).

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Escrito por Portal Comporte-se

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