O que falar do terapeuta? Considerações sobre o repertório do terapeuta FAP

Estive pensando bastante sobre o que escreveria neste post. Várias vezes me peguei pensando sobre o que seria importante tratar aqui. Foi então que me perguntei “o que eu gostaria de ler?”. Me fazer essa pergunta foi revelador, uma vez que me ajudou a pensar em mim como terapeuta e em como falar um pouco dessa função nesse texto.
De maneira geral, os textos que escrevi tratavam de questões relacionadas aos clientes, em como o terapeuta poderia agir para melhorar a vida do cliente. No entanto, nos últimos tempos tenho me questionado sobre minha prática clínica e como aprimorá-la, isto é, o que devo fazer para ser uma boa terapeuta.
Foi a partir desse contexto que resolvi escrever sobre comportamentos que considero importantes no repertório do terapeuta que trabalhe com a Psicoterapia Analítica Funcional, do inglês Functional Analitical Psychotherapy (FAP). Obviamente, vários desses comportamentos não se aplicam exclusivamente ao terapeuta FAP, mas destaco em cada item o motivo pelo qual o terapeuta, que tenha como prioridade a FAP, deve considerá-los com atenção.

1) Modelagem.

Em primeiro lugar, um bom terapeuta deve ter clareza de como realizar a modelagem. Em outras palavras, o terapeuta deve saber como reforçar diferencialmente comportamentos do cliente que se aproximem do comportamento-alvo. Para isso, eis o que considero importante: o terapeuta tem de ser sensível o suficiente para perceber melhoras que, em um primeiro momento pareçam “insignificantes”, mas que, se levadas a sério, podem se transformar em um comportamento bastante refinado. Acho que aqui já cabe uma reflexão importante: cuidar com o nível de exigência em relação às melhoras do cliente. Algo que pode ser bem presente na prática clínica de terapeutas trata-se da exigência de uma melhora “de alto padrão” em relação ao cliente, isto é, exigir do cliente um comportamento que ele ainda não poderá emitir (por exemplo, esperar que o cliente relate eventos privados de forma bastante refinada sendo que ele nem mesmo consegue perceber claramente o que sente). Isso pode ser problemático, uma vez que, ao exigir demais em relação ao comportamento do cliente, isso pode refletir em uma insensibilidade por parte do terapeuta às “pequenas” e graduais mudanças deste – exatamente parte do que caracteriza o processo de modelagem: reforçar melhoras que se aproximam do comportamento-alvo (e não esperar que o comportamento-alvo ocorra para reforçá-lo).
Tsai, Kohlenberg, Kanter, Kohlenberg, Follette e Callaghan (2006) nos dão dicas de como aprender a reforçar comportamentos aparentemente sem tanta importância se comparados ao comportamento-alvo. Vejamos:

a) Ampliar a percepção do que reforçar (maiores chances de reforçar naturalmente).
Em vez de ficar esperando que o comportamento-alvo apareça, estabeleça quais seriam os comportamentos intermediários esperados e que poderiam ser reforçados.

b) Cuidados com o próprio bem estar.
Enquanto terapeutas, por vezes, nos dedicamos tanto ao outro que podemos acabar deixando o nosso próprio bem estar de lado. Entretanto, para que eu (terapeuta) consiga reforçar algum comportamento do meu cliente, preciso estar presente e atento ao que está ocorrendo no aqui/agora da sessão. Para isso, portanto, eu preciso estar bem – ter dormido o mínimo suficiente, estar sem fome, por exemplo.

c) Praticar boas ações (ampliar repertório de ajudar terceiros).
Quando praticamos boas ações ficamos mais sensíveis ao sofrimento do outro e daquilo que pode ser naturalmente reforçador. Ou seja, se você se engajar em comportamentos de ajuda a outras pessoas que não seus clientes, provavelmente seu repertório de ajuda enquanto terapeuta estará sendo aprimorado.

Enfim, acho que fica clara a importância do terapeuta FAP estar atento às nuances de melhora de seu cliente, especialmente porque ele precisa reforçá-las o mais imediatamente possível, considerando que o foco da FAP é no aqui/agora da sessão. Se me permite, gostaria de dar uma dica: para treinar esse repertório, fique atento às pessoas que convivem com você e passe a valorizar seus avanços, ainda que pequenos. Isso ajudará muito em seu trabalho como terapeuta.

2) Modelação.

Para Skinner (1989), ser modelo refere-se a comportar-se de maneira que o outro possa facilmente observar e imitar. Ou seja, ser modelo é permitir que seu comportamento possa ser imitado após a observação. No contexto terapêutico, o terapeuta pode ensinar um novo comportamento a seu cliente por meio da modelação. No entanto, para o terapeuta ser modelo do comportamento que deseja ensinar a seu cliente, o terapeuta deve ter esse repertório já estabelecido em si. Por exemplo, para que o terapeuta possa ser modelo de intimidade para seu cliente, ele precisa ter o repertório íntimo (fazer autorrevelações, permitir-se estar vulnerável/frágil, etc.).

3) Evocação.

Criar um contexto que seja evocativo para a melhora do cliente exige do terapeuta a disponibilidade de correr riscos. Não é à toa que os autores do segundo livro da FAP (Tsai et al., 2006) indicam a importância do terapeuta ter coragem para criar condições evocativas. No caso do cliente com dificuldade em estabelecer relacionamentos íntimos, como mencionado acima, o terapeuta tem de criar um contexto (no aqui/agora da sessão) em que o cliente possa ter a oportunidade de emitir a resposta desejável (intimidade). Vale destacar aqui que se trata de preparar o terreno para que o cliente se comporte justamente naquilo que ele tem dificuldade (no intuito de modelar tal comportamento). Para isso, é imprescindível que o terapeuta tenha clareza daquilo que é possível exigir de seu cliente naquele momento do processo terapêutico, reconhecer seus próprios limites enquanto terapeuta, bem como desafiá-los quando isso for útil para seu cliente.
De maneira geral, em nosso cotidiano, tendemos a evitar riscos e a permanecermos confortavelmente naquilo que indica segurança, por isso, devemos nos questionar o quanto estamos em uma zona de conforto com o nosso cliente, a ponto disso tornar-se um prejuízo para o processo. Como terapeutas, por vezes, precisamos ultrapassar esse limite para criar condições de promover o melhor do cliente.

4) Teoria.

Não é sem propósito que deixei o aspecto da teoria por último: sem ser um bom analista do comportamento não podemos ser bons terapeutas, uma vez que não é possível aplicar a técnica por ela mesma, sem ter condições de reconhecer qual a função que ela teve para o cliente. Conhecer bem a teoria, saber identificar se um comportamento aumentou ou diminuiu de frequência e o motivo pelo qual isso ocorreu, fazer boas análises funcionais, etc., faz parte do repertório técnico do terapeuta – com o qual este analisa o que ocorre na sessão como forma de avaliar a melhora (ou não) de seu cliente, possíveis fatores determinantes para ela e, por fim, avaliar o próprio comportamento em sessão e seus efeitos sobre o comportamento do cliente.

Você quer ser um bom terapeuta FAP? Então lembre-se de que você faz parte da relação que se estabelece na sessão e que é de suma importância prestar atenção e cuidar de você para que você consiga cuidar do seu cliente. Para ser um bom terapeuta, lembre-se de ser uma boa pessoa!

Referências

Skinner, B. F. (1989). Questões recentes na análise comportamental. Campinas, Papirus. 5ª Edição.
Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Kohlenberg, B., Follette, W. C. & Callaghan, G. M. (2006). Um guia para a Psicoterapia Analítica Funcional (FAP): consciência, coragem, amor e behaviorismo. Santo André: ESETec.

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Escrito por Antoniela Yara Marques da Silva Dias

Antoniela Yara Marques da Silva Dias é graduada em psicologia pela UFPR, é especialista em psicologia clínica pela FEPAR, mestra em psicologia pela UFPR e doutoranda em educação pela UFPR. Atua como docente e psicóloga clínica com grande interesse na FAP e na área de relacionamentos amorosos desde a prevenção ao tratamento.

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