Este texto é uma tradução do artigo original “Experts call for more rigor, less hype, for mindfulness and meditation”, publicado por David Orenstein no feed de news da Brown University do EUA.
Um grupo de 15 pesquisadores publicou uma “avaliação crítica e uma agenda prescritiva” com fins de melhorar a pesquisa, a prática clínica e os estudos de neurociência em mindfulness e meditação.
O ARTIGO ORIGINAL – em inglês – você acessa aqui
Um grupo de 15 especialistas escreveu recentemente um novo artigo no periódico Perspectives on Psychological Science demonstrando que preocupação com a falta de evidências científicas confiáveis por trás da rápida aceitação e generalização de mindfulness e meditacão para o bem-estar mental e físico. O artigo oferece uma “avaliação crítica e uma agenda prescritiva” para ajudar a crescente indústria de mindfulness a substituir um ambíguo “oba-oba” por maior rigor em sua pesquisa e implementação clínica.
Nos últimos anos temos visto uma onda, não só nos meios de comunicação e no número de artigos científicos, sobre mindfulness e meditação, mas também na implementação destas intervenções para tudo, desde depressão até adição, dor e estresse. A adoção generalizada destas terapias colocou o campo em uma encruzilhada, argumentam os autores, pois devemos implementar estas intervenções com uma série de verificações e balanços apropriados.
“Desinformação e metodologia deficiente associada a estudos anteriores de mindfulness podem conduzir o público ao desapontamento, informação enganosa e até mesmo causar danos”, escreveram os autores.
A co-autora do paper, Willoughby Britton, professora assistente de psiquiatria e comportamento na Faculdade de Medicina Warren Alpert da Brown University, disse: “Estamos, muitas vezes, vendendo com excesso de entusiamo (overselling) os benefícios de mindfulness para praticamente qualquer pessoa que tenha alguma condição de sofrimento, sem muita cautela, nuance ou ajustes específicos; também sem critérios definidos de treinamento de instrutores e sem uma ciência básica em torno dos mecanismos de ação. A possibilidade de efeitos inseguros ou adversos foi e está sendo amplamente ignorada. Esta situação não é exclusiva do mindfulness, mas, devido ao seu uso generalizado em saúde mental, escolas e aplicativos, sabemos que não é algo ideal na perspectiva de saúde pública”.
O autor principal, Nicholas Van Dam, psicólogo clínico e pesquisador em ciências psicológicas da Universidade de Melbourne, na Austrália, disse que o ponto do artigo não é desprezar mindfulness e a prática de meditação ou a pesquisa sobre estes temas, mas garantir que suas aplicações a fim de melhorar a saúde física e mental se tornem mais reflexivas a partir da evidência científica.
Até agora, tais aplicações foram, em grande parte, não-suportadas (evidências fracas), de acordo com as principais revisões disponíveis em 2007 e, novamente, em 2014.
“Nós, os autores, achamos que pode haver algo benéfico em mindfulness e meditação”, disse Van Dam, “pensamos que essas práticas podem ajudar as pessoas. Porém, o rigor que deve acompanhar o desenvolvimento e a aplicação dos mesmos ainda não existe.
“Os resultados dos poucos estudos em larga escala que foram conduzidos até agora têm provado, na melhor das hipóteses, que temos dúvidas a respeito de sua real eficácia”.
Outro co-autor, David E. Meyer, professor de psicologia da Universidade de Michigan, disse: “as vezes os esforços verdadeiramente promissores são superados pela vontade de colher os frutos antes que estejam realmente maduros; então os pesquisadores devem voltar atrás, fazer uma pausa para fazer um balanço, e obter um plano melhor antes de avançar “.
Futuros esforços para melhorar a qualidade de mindfulness e meditação serão reforçados por um novo centro de pesquisa da Universidade Brown, liderado por Eric Loucks, professor associado da Escola de Saúde Pública da universidade.
“A missão do centro será realizar pesquisas de alta qualidade, metodologicamente rigorosas, sobre os impactos da atenção plena na saúde e oferecer recursos colaborativos e baseados em evidências para hospitais, escolas e empresas que estão interessados em oferecer essas intervenções”, disse Loucks.
Um campo de pesquisas jovem e indefinido
Entre os maiores problemas que enfrentam o campo, destaca-se uma definição pobre e inconsistente do próprio mindfulness, tanto na mídia quanto na literatura científica. De acordo com os autores, “não há uma definição técnica universalmente aceita de mindfulness ou “atenção plena”, nem qualquer acordo amplo sobre aspectos detalhados do conceito subjacente ao qual se refere”. Como resultado, os trabalhos de pesquisa variaram amplamente no que eles realmente examinam, e muitas vezes, seu foco pode ser difícil de discernir.
“Qualquer estudo que use o termo “mindfulness” deve ser examinado cuidadosamente, determinando exatamente o tipo de “mindfulness” envolvido e, também, que tipos de instruções explícitas foram realmente entregues aos participantes para conduzir a prática”, escreveram os autores. “Quando uma meditação formal foi usada em um estudo, deve-se considerar se um tipo específico de mindfulness, ou outra meditação em questão, foi a prática alvo”.
“Sem termos específicos e bem definidos para descrever não apenas as práticas, mas também seus efeitos, estudos de intervenções, como o MBSR, não podem fornecer medidas válidas e comparáveis para produzir evidências confiáveis”. Como parte do remédio proposto, o novo artigo oferece uma “lista não-exaustiva de características definidoras para caracterizar práticas contemplativas e meditativas”.
Maior Rigor
Juntamente com definições específicas, precisas e padronizadas, também devem ser feitas melhorias similares na metodologia de pesquisa, escreveram os autores.
“Muitos estudos de intervenção não incluem grupos de controle ativos”, disse Van Dam.
O campo também tem lutado para alcançar a consistência no que está sendo medido e o que está sendo percebido, ou seja, que medidas são mais diretamente afetadas pela atenção plena.
Van Dam disse que a situação é semelhante às pesquisas psicológicas anteriores sobre inteligência. Este conceito revelou-se muito amplo e muito vago para ser medido diretamente. Em última análise, no entanto, os psicólogos fizeram progressos ao estudar as “capacidades cognitivas particulares que, em combinação, podem tornar as pessoas funcionalmente mais ou menos inteligentes”, escreveu ele junto com seus co-autores.
Assim, os autores escreveram: “Recomendamos que a pesquisa futura sobre mindfulness vise produzir um corpo de trabalho para descrever e explicar elementos biológicos, emocionais, cognitivos, comportamentais e sociais, bem como outras funções, que mudam com o treinamento de atenção plena “.
Cuidados clínicos
Uma grande variedade de práticas contemplativas foram estudadas para um grupo ainda maior de propósitos e condições, ainda que em estudos básicos, os pesquisadores raramente avançaram para o estágio onde eles podem concluir, com confiança, se determinados efeitos ou benefícios resultaram diretamente da prática.
Medido pelo modelo de qualidade de pesquisa do NIH, apenas 30% das intervenções baseadas em mindfulness (MBIs) passaram pela primeira etapa (básica) e apenas 9% testaram a eficácia em uma clínica de pesquisa contra um controle ativo.”Dada a ausência de rigor científico em muita pesquisa de atenção clínica, evidências para o uso de MBIs em contextos clínicos devem ser consideradas apenas preliminares”, escreveram os autores.
A agenda proposta para pesquisa futura é rigorosa e extensiva, disse Van Dam.
“A replicação de estudos anteriores com projetos devidamente randomizados e grupos de controle ativo apropriados será absolutamente crítico”, continuaram os autores. “Ao realizar este trabalho, recomendamos que os pesquisadores forneçam detalhes explícitos das medidas de atenção plena, desfechos primários, práticas de atenção e meditação e o protocolo de intervenção”.
Pesquisadores e prestadores de cuidados envolvidos com a prática de MBIs começaram a se tornar mais vigilantes sobre possíveis efeitos adversos, escreveram os autores, mas é necessário fazer mais. A partir de 2015 começamos a medir efeitos adversos mas, ainda assim, menos de 25% das pesquisas sobre meditação monitoraram ativamente experiências negativas ou desafiadoras.
“Contemplando” a neurociência contemplativa
Van Dam disse que os esforços recentes para avaliar correlatos neurais do mindfulness e da meditação com tecnologias, como a ressonância magnética (MRI) e a magnetoencefalografia, podem ter o potencial de trazer novo rigor ao campo. No entanto, ele e seus co-autores também expressam preocupação no artigo de que essas tecnologias até agora não preencheram esse potencial.
Os autores observam que tecnologias como a ressonância magnética dependem que os participantes permaneçam fisicamente imóveis ao serem testados, e que a qualidade da imagem pode ser afetada pela respiração dos sujeitos. Os meditadores experientes podem ser mais adequados para a manutenção de estados fisiológicos ideais para estudos de ressonância magnética do que indivíduos inexperientes ou não meditadores. Devido a tais fatores problemáticos, as diferenças entre os grupos em varreduras cerebrais podem ter pouco a ver com o estado mental que os pesquisadores estão tentando medir e muito a ver com o movimento da cabeça e / ou meras diferenças respiratórias.
“A neurociência contemplativa muitas vezes interpretou de modo excessivamente simplista os fenômenos neurocognitivos e afetivos”, escreveram os autores. “Como resultado de tais simplificações os benefícios meditativos podem ser exagerados, levando a uma urgência social indevida de incentivo para realização destas práticas”.
Em última análise, essa é a preocupação compartilhada dos demais autores: uma pesquisa insuficiente pode induzir as pessoas a pensarem que em todo o lugar que observarem as palavras mindfulness, atenção plena e meditação terão uma panaceia, quando, de fato, as intervenções refinadas podem ser úteis somente para pessoas específicas em circunstâncias específicas. Um maior número de estudos científicos, com melhor qualidade, é necessário para esclarecer estes assuntos.