Reflexão para o Dia das Crianças: quais as reais necessidades das nossas crianças na atualidade?

O Dia das Crianças poderia ser apenas mais uma data comemorativa e comercial, com muitos diriam. No entanto, gostaríamos de usar essa data como estímulo discriminativo para uma reflexão importante acerca da educação das crianças. Como psicoterapeutas de crianças, temos nos deparado em nossos consultórios com uma demanda crescente de pais que buscam orientação ou a solução de problemas de comportamento dos nossos pequenos.

A TCR, enquanto uma proposta psicoterapêutica contextualista, leva em consideração o intercâmbio da ação do indivíduo com o ambiente no qual está inserido. Portanto, propor uma reflexão sobre a educação das crianças e suas reais necessidades educacionais é, invariavelmente, olhar para o ambiente no qual elas estão inseridas.
O curta-metragem Alike, escrito e produzido por Daniel Martinez Lara e Rafa Cono Mendéz em 2015 será o nosso pano de fundo para essa reflexão.

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=kQjtK32mGJQ

 

Como podemos ver, o pai é um trabalhador esforçado e dedicado que diariamente repete as mesmas tarefas. Sua preocupação com a rotina é tamanha, que ele deixa de perceber/discriminar estímulos com potencial função reforçadora positiva que se encontram ao longo do seu caminho na barulhenta e movimentada cidade: a árvore florida, o músico violinista e as próprias “produções” criativas e coloridas do seu pequeno garotinho.

O garotinho, por sua vez e inicialmente, vai para a escola feliz e contente. Ao variar as respostas que emitia diante das atividades escolares (repetitivas, diga-se de passagem), o pequeno garoto busca dar mais vida e cor para a cidade e a vida cinza. A variedade de respostas que o garoto emitia produziram punições disponibilizadas não só pelo professor, mas pelo pai, que pouco valorizavam as diferentes respostas emitidas pelo garoto. O resultado não poderia ser diferente: o pequeno garotinho começa a ficar frustrado, entediado e infeliz.

O curta propõe, portanto, uma reflexão importante sobre os valores e como eles são comunicados para as crianças por meio dos comportamentos emitidos por aqueles que fazem parte do seu ambiente e a influência desses comportamentos sobre aqueles emitidos por nossos garotinhos e garotinhas. Milton Nascimento poeticamente diz que “há que se cuidar do broto para que a vida no dê fruto e flor.” Como cuidar dos nossos brotos? Por meio de estratégias educativas e terapêuticas.

No que diz respeito às estratégias educativas, recentemente a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento normativo que define quais as aprendizagens essenciais que devem ser desenvolvidas da Educação Básica, ou seja, indica conhecimentos e competências que se espera que os estudantes desenvolvam ao longo da escolaridade (Brasil, 2017). As competências adicionadas a essa normativa, em 2017, incluem aspectos que dizem respeito ao desenvolvimento de habilidades socioemocionais. As competências gerais que envolvem as habilidades socioemocionais são as seguintes:

8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas e com a pressão do grupo.
9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de origem, etnia, gênero, orientação sexual, idade, habilidade/necessidade, convicção religiosa ou de qualquer outra natureza, reconhecendo-se como parte de uma coletividade com a qual deve se comprometer.
10. Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões, com base nos conhecimentos construídos na escola, segundo princípios éticos democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários” (Brasil, 2017, p. 19).

Além das competências gerais, há também os direitos de aprendizagem e desenvolvimento, a saber: Conviver, Brincar, Participar, Explorar, Expressar, Conhecer-se (Brasil, 2017). Tantos as competências gerais quanto os direitos de aprendizagem e desenvolvimento são comportamentos operantes que podem ser desenvolvidos. É nesse ponto que as mudanças nessa normativa estão relacionadas com o papel do psicoterapeuta de crianças.

Del Prette e Del Prette (2005) ao falar sobre as habilidades sociais na infância salientam que estas estão inseridas no conceito de saúde da Organização Mundial de Saúde quando define-se que a saúde envolve o bem-estar físico, mental e social. O bem –estar das crianças, segundo os autores, pode ser desenvolvido e fortalecido com a melhoria dos relacionamentos em diferentes contextos, o que resulta em se sentir amada, compreendida e é um fator de proteção para o desenvolvimento satisfatório dos pequenos, o que ainda promove qualidade de vida.

O psicoterapeuta de crianças que atua sob o enfoque da TCR pode trabalhar nas seguintes frentes: 1) desenvolvimento e fortalecimento de repertório comportamental da criança e 2) orientação de pais que vise instrumentalizá-los para promover interações prazerosas e amenas com seus filhos baseadas na monitoria positiva. A base do trabalho do psicoterapeuta com os pais deve ser o afeto, que segundo Gomide (2004) é um importante mediador da aprendizagem.
Para que o “conhecer-se” dos pequenos seja desenvolvido é necessário elaborar atividades psicoterapêuticas que permitam que a criança identifique suas características positivas e negativas, identifique o que ela gosta e não gosta de brincar e/ou comer, descreva suas emoções e identifique o que faz com que ela se sinta dessa maneira. O psicoterapeuta deve ainda validar os sentimentos e emoções descritos pela criança e dar modelos e instruções de como expressá-los de maneira desejada e sem ferir o ouro. Com relação ao desenvolvimento da sensibilidade ao outro, o psicoterapeuta pode optar e planejar previamente (com o consentimento e anuência dos pais) uma sessão conjunta na qual estejam presentes a criança e um amiguinho ou um outro par relevante de seu contexto. A inclusão de uma outra criança da mesma idade em sessão permitirá que o psicoterapeuta observe e consequencie direta e diferencialmente os comportamentos emitidos pela criança na interação. Os procedimentos e atividades propostos pelo psicoterapeuta podem ser realizados para cada uma das habilidades mencionadas na normativa da educação básica assim como para cada uma das classes de habilidades definidas por Del Prette e Del Prette como aquelas relevantes na infância, quais sejam: autocontrole e expressividade emocional, civilidade, empatia, assertividade, solução de problemas, fazer amizades e habilidades sociais acadêmicas.

Quais são as reais necessidades das crianças? As crianças precisam de afeto e disponibilidade dos adultos que sinalizem que elas são amadas; precisam de interações amenas e positivas que produzam sentimentos de autoestima, autoconfiança e responsabilidade; precisam exercitar sua curiosidade, espontaneidade e criatividade; precisam aprender a lidar com situações estressantes e adversas e precisam ter seus sentimentos ouvidos e respeitados pelos adultos. Basicamente, as crianças precisam do nosso tempo. Nós, psicoterapeutas, pais e educadores somos os mediadores de seus aprendizados. E claro, que não poderíamos esquecer que elas também precisam de regras e limites para que possam estabelecer uma relação positiva com o outro e com o seu ambiente. Que nesse Dia das Crianças possamos refletir se estamos realmente oferecendo aos nossos brotos o cuidado de que precisam para dar flores e frutos.

**Este texto foi escrito em coloboração entre as psicoterapeutas Priscila Ribeiro Manzoli e Florença Justino.

Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular: Educação é a base. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_publicacao.pdf> Acesso em: 09 de outubro de 2017.

Del Prette & Del Prette. (2005). Psicologia das Habilidades Sociais na Infância: teoria e prática. Editora Vozes.
Gomide, P.I.C. (2004). Pais Presentes, Pais Ausentes – Regras e Limites. Editora Vozes.

Sugestões de leituras

Para complementar, a reflexão proposta sugerimos a leitura do texto da nossa colunista Thaís Barros Rocha, sobre empatia: https://comportese.com/2017/07/empatia-aprendendo-e-ensinando

Recomendamos também a leitura do texto “Autoestima, autoconfiança e responsabilidade” de autoria de Hélio Guilhardi: http://www.itcrcampinas.com.br/pdf/helio/Autoestima_conf_respons.pdf

 

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Classificação do artigo

Escrito por Florença Justino

Psicóloga graduada pela Universidade Federal de São Carlos. Doutora em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos. Especialista em Psicologia Clínica Comportamental pelo Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento (ITCR-Campinas). Psicoterapeuta de adultos e crianças. Supervisora clínica e professora do Curso de Especialização em TCR.

Lançado Vol. 6 da Revista Comportamento em Foco!

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