É possível aos organismos aprenderem por conta da sensibilidade do comportamento às consequências que geram no ambiente. Existem algumas formas básicas pelas quais a aprendizagem é possível, envolvendo palavras ou não (Catania, 2013); a aprendizagem sem palavras envolveria a modelagem, que é a aproximação sucessiva de uma resposta-alvo por meio de reforçamento diferencial (Skinner, 1938; 1953; 1969; 1974).
A modelação e imitação é a aprendizagem por meio do comportamento social, envolvendo a observação e o comportamento verbal (este último não necessariamente. É clara a aprendizagem social em comportamento de animais não-humanos que não possuem o ambiente verbal suficientemente evoluído[1] (Skinner, 1953; Dawkins, 1998; 2007; 2009).
Exclusivamente ao ser humano, há a aprendizagem que só é possível por meio do comportamento verbal. Nessa categoria incluem-se o comportamento verbalmente controlado e a instrução (Catania, 2013; Skinner, 1969). Ambos possuem suas vantagens e desvantagens.
Na prática clínica não é incomum recebermos clientes que, de alguma forma, apresentem queixas relacionadas à déficits ou excessos com relação aos comportamentos verbalmente aprendidos. Muitos possuem excesso de comportamento governado por regras, o que de alguma forma insensibilizaria-os às contingências de reforço (Catania, 2013), outros parecem ter queixas relacionadas à uma falta de refinamento verbal que os impedem de falar sobre si mesmos e, por conseguinte, descreverem-se de forma eficiente e acurada à realidade daquilo que vivem.
Ter repertórios verbais eficientes, isto é, suficientes para produzirem consequências positivamente reforçadoras de forma contingente no ambiente, é o que faz com que um cliente saiba se descrever, saiba identificar e relacionar variáveis controladoras que determinam a ocorrência de seus comportamentos, sejam eles prejudiciais ou benéficos à sua vida e àqueles que o cerca.
É por meio do comportamento verbal, por exemplo, que construímos nosso self (Skinner, 1953); é também por meio dele que conseguimos nos conhecer… e é por meio dele que podemos construir, também, nossa autoestima. Para Skinner (1974) só nos tornamos importantes para nós mesmos quando somos importantes para a comunidade verbal que nos cerca.
Alguns desses exemplos não são, necessariamente, processos que dependam exclusivamente do comportamento verbal, mas este pode ser uma via de acesso fácil a aprendizagem de determinadas contingências, como no comportamento governado por regras. Este, por exemplo, pode nos dar nos dá a vantagem de não precisar viver determinadas contingências. Quando dizem “é melhor que você não passe por aquela rua à noite. Tome outro caminho”, estão nos aconselhando, dizendo que podemos evitar possíveis consequências aversivas (Skinner, 1957). Outros exemplos mais óbvios são do pai que pede para que o filho não toque no forno quente, que não saia de casa sem guarda-chuvas num dia nublado etc.
Mas, por outro lado, pode nos dar a desvantagem de, se seguirmos regras excessivamente, podermos ser menos sensíveis a dadas propriedades das contingências não verbais que determinam a produção da regra (Skinner, 1969); num caso de mitomania[2], em que tal comportamento é instalado devido ao cliente sempre falar a verdade e ser punido, pode ser que a regra “quando você é verdadeiro, não te aceitam” seja um subproduto desse histórico de modelagem do comportamento verbal.
Essas regras ineficientes podem determinar a forma como agimos com relação a nós mesmos. Catania (2013) aponta um princípio teórico muito importante sobre essa relação entre comportamento verbal e não verbal. Afirma que, modelando o que dizemos, podemos modelar o que fazemos. Isto é, a forma como falo sobre um evento pode mudar a forma como me relaciono com ele. Diversas pesquisas experimentais sobre persuasão apontam que tal princípio pode ser cientificamente válido (Hübner, Austin & Miguel, 2008; Abreu & Hübner, 2011; Sheyab, Pritchard & Malady, 2014).
Isto pode querer dizer que a forma como nosso cliente chega à nossa clínica falando sobre si nos dá pistas de como ele age com relação a si mesmo e à própria vida. A terapia com cliente adultos se pauta, principalmente, no nível verbal; a evidência disso são as próprias terapias contextuais, chamadas de terapias comportamentais de terceira geração, que têm sua gênese por meio do estudo do comportamento verbal (Lucena-Santos, Pinto-Gouveia & Oliveira, 2015) e pode ser por isso que uma terapia essencialmente verbal pode dar certo também.
O ponto central disso é: como o analista do comportamento clínico consegue modificar o comportamento verbal do cliente? Como ele tem chance de modelar o verbal do cliente a fim de que o comportamento não verbal correspondente se altere de acordo?
Nos estudos de Psicoterapia Analítica Funcional (FAP), uma terapia contextual de terceira geração (Kohlenberg & Tsai, 2006; Tsai, Kohlenberg, Kanter, Kohlenberg, Follette & Callaghan, 2011, Del Prette, 2015) é apontado que o comportamento mais importante que o terapeuta pode ter é reforçar adequadamente os comportamentos de melhora do cliente. Entretanto, Abreu, Hübner e Lucchese (2012) apontam que a modelagem da análise funcional que o cliente faz de si mesmo é tão importante quanto, devido aos princípios verbais apontados.
Na FAP, segundo os autores, o terapeuta investiga quais variáveis da relação terapêutica controla o comportamento verbal do cliente enquanto procura por oportunidades de punir ou reforçar diferencialmente as interpretações do cliente acerca de seus comportamentos interpessoais.
O reforçamento diferencial dos comportamentos verbais acerca dos próprios comportamentos não verbais tende a promover o desenvolvimento de equivalências funcionais verbais entre variáveis envolvidas na relação terapêutica e aquelas envolvidas na vida interpessoal do cliente. Essa relação terapêutica pode servir de instrumento de modelagem dos comportamentos do cliente para especificar similaridades funcionais entre o que ele vive em terapia e o que ele vive no cotidiano.
Isso resulta em modelagens melhores de regras com descrição de contingências consistentes com as variáveis relevantes no ambiente social do cliente fora da clínica, onde o comportamento dele deve melhorar verdadeiramente (Abreu, Hübner & Lucchese, 2012).
O formato da FAP permite ao terapeuta reforçar de maneira precisa a formulação de regras baseadas nas interações que ocorrem entre terapeuta e cliente. Regras modeladas como análises funcionais feitas pelo próprio cliente sobre seus comportamentos se tornam regras que controlam a emissão de comportamentos de melhora que estão sob controle do que foi discutido em sessão com o terapeuta.
O que os autores argumentam, de forma consistente com todos os outros princípios apontados no texto, é que o terapeuta possui uma posição privilegiada de criar um histórico de reforçamento genuíno com o cliente, por meio da relação terapêutica, o que pode fazer com que o cliente siga regras que foram naturalmente reforçadas em sessão.
Fazer isso é modelar o comportamento verbal do cliente a fim de que ele aja de forma diferente no contexto em que está inserido. Fazer isso é, talvez, devolver ao cliente o direito de se ver enquanto um ser humano que valha a pena, que merece uma autoestima melhor e uma visão honesta sobre si mesmo.
Referências
Abreu, P. R.; Hübner, M. M. C. (2011) Efeitos de Instruções sobre Respostas de Checagem. Psicologia: Teoria e Pesquisa. Vol. 27, n. 3, pp. 301-308
Abreu, P. R.; Hübner, M. M. C.; Lucchese, F. (2012) The Role of Shaping the Client’s Interpretation in Functional Analytic Psychotherapy. The Analysis of Verbal Behavior, 2012, 28, pp. 151-157
Catania, A. C. (2013) Learning. 5th Edition. New York: Sloan Publishing
Dawkins, R. (1998) A Escalada do Monte Improvável. São Paulo: Companhia das Letras.
Dawkins, R. (2007) O Gene Egoísta. São Paulo: Companhia das Letras.
Dawkins, R. (2009) O Maior Espetáculo da Terra. São Paulo: Companhia das Letras.
Del Prette, G. (2015) O que é psicoterapia analítico funcional e como ela é aplicada? In Lucena-Santos, P.; Pinto-Gouveia, J.; Oliveira; M. S. Terapias Comportamentais de Terceira Geração: Guia para Profissionais. Novo Hamburgo: Sinopsys Editora.
Hübner, M. M. C.; Austin, J.; Miguel, C. F. (2008) The Effects of Praising Qualifying Autoclitics on the Frequency of Reading. The Analysis of Verbal Behavior. v. 24, n. 1, pp. 55-62.
Kohlenberg, R. J.; Tsai, M. (2006) FAP – Psicoterapia Analítica Funcional: Criando relações terapêuticas intensas e curativas. Santo André: ESETec Editores Associados.
Lucena-Santos, P.; Pinto-Gouveia, J.; Oliveira, M. S. (2015) Terapias Comportamentais de Terceira Geração: Guia para Profissionais. Novo Hamburgo: Sinopsys Editora.
Sheyab, M; Pritchard, J; Malady, M. (2014) An Extension of the Effects of Praising Qualifying Autoclitics on the Frequency of Reading. The Analysis of Verbal Behavior. v. 30, n. 1, pp. 141-147.
Skinner, B. F. (1938) The Behavior of Organisms. Cambridge: Copley Publishing Group.
Skinner, B. F. (1953) Science and Human Behavior. New York: The Free Press.
Skinner, B. F. (1969) Contingencies of Reinforcement – A Theoretical Analysis. New York: Appleton-Century Crofts.
Skinner, B. F. (1974) About Behaviorism. New York: Vintage Books.
Skinner, B. F. (1986) The Evolution of Verbal Behavior. Jornal of the experimental analysis of behavior. 45(1). pp. 115-122.
Tsai, M.; Kohlenberg, R. J; Kanter, J. W.; Kohlenberg, B.; Follette, W. C.; Callaghan, G. M. (2011) Um Guia para Psicoterapia Analítica Funcional (FAP): Consciencia, coragem, amor e behaviorismo. Santo André: ESETec Editores Associados.
[1] Ler Skinner (1986) para melhor compreensão do que seriam ambientes verbais evoluídos para que o comportamento verbal surgisse.
[2] Fenômeno verbal em que há o padrão de mentira compulsiva.