Todos sabem que eu trabalho com Mindfulness. Trabalho com este tema porque acredito no seu potencial de benefício para a população. Meu pós-doutorado leva mindfulness – gratuitamente – ou melhor, através dos impostos que VOCÊ PAGA, para pessoas com Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), um tipo de aodecimento mental muito incapacitante. Portanto, sinto-me realizado em poder ver – ao vivo e a cores – os reais benefícios da prática sendo levados adiante no meu país. Os resultados preliminares do meu pós-doc vêm demonstrando, de fato, os benefícios esperados. Que bom. Parece que estou no caminho certo. No doutorado já havia conseguido proporcionar a estudantes universitários um bom grau de melhora na regulação das emoções com apenas 5 semanas de mindfulness. Novamente, de modo gratuito e seguro, com uma pesquisa aprovada por um rigoroso comitê de ética.
No entanto, a pesquisa sobre mindfulness apenas recentemente encontrou sua maturidade. O que descobrimos é que os resultados não são exatamente “perfeitos”, existindo uma série de limitações nos estudos. Há, igualmente, riscos associados à prática de mindfulness, especialmente quando ensinada por profissionais sem treinamento adequado ou praticada sem supervisão profissional.
Ando muito preocupado com o que venho observando na mídia e nas redes sociais a respeito do mindfulness e de outras “técnicas” de Psicologia que entram na moda, quase sempre alardeadas como panacéias. Há livros de colorir de mindfulness, poemas de mindfulness, áudios pelo youtube e mais de uma centena de aplicativos que tocam sininhos de meditação. Enquanto alguns estudos vêm demonstrando os riscos associados à utilização destes aplicativos sem a supervisão de um profissional, o número de downloads desses aplicativos cresce exponencialmente. Pessoas que se expõe a práticas de mindfulness através de áudios de internet por conta própria, também. Muitos desses áudios dizem ser de mindfulness, mas são de relaxamento, que é outra coisa.
Mindfulness já virou uma indústria lucrativa, onde colegas que – anos atrás – dormiam em um quarto e sala, hoje viajam em primeira classe e aparecem na TV. Que bom. Fico feliz em ver meus colegas avançando profissionalmente. No entanto, muitas pessoas tomam essas conquistas como uma mensagem de que este é um “mercado” lucrativo. É o novo filão da Psicologia e, consequentemente, do coaching e cia. ltda. Teve o PNL, a Hipnose, a Meditação Transcendental, e agora tem o Mindfulness.
Todo mundo agora quer ser especialista em mindfulness, a meditação das celebridades. A Bruna Lombardi parece estar viajando pelo Brasil falando de Mindfulness. Muito interessante. Quando estiver aqui em Porto Alegre, certamente vou prestigiar.
Isso tudo é muito legal mas esconde sérios riscos. A prática de mindfulness não se resume a pedir para alguém prestar atenção na respiração ou na sola dos pés, muito menos convidar ao “relaxamento”. Também não é algo para te “fazer feliz” ou trazer “contentamento”. Mindfulness não está (ou não deveria estar) simplesmente à serviço do mercado do “wellness”, mas sim integrado ao diálogo entre ciência, pesquisa acadêmica e oferta de serviços para a população. Somente assim o Mindfulness não entraria em uma espiral de degenerescência. Mas parece que o caminho não tem mais volta.
Hoje, preparando uma aula de História da Psicologia, me deparei com uma pérola reflexiva: um capítulo de Benjamin, Jr. da Texas A&M University, nos EUA. O capítulo versa sobre a fundação da Psicologia científica e, em um de seus subtópicos, procura responder à seguinte pergunta: a quem pertence a Psicologia? A resposta do autor é simplesmente brilhante, e tem muito a nos ensinar sobre os desafios do mindfulness que tentei expor nas linhas acima. Vamos lá. Vamos à resposta de Benjamin Jr. Afinal, a quem pertence a Psicologia?
“No início dos anos 90 muitos americanos se voltaram para os conselhos de John Gray, autor de Homens são de Marte, Mulheres são de Venus (1992), um livro guia supostamente escrito para ajudar os casais a melhorarem seus relacionamentos.
Gray identifica-se através de doutorado obtido por correspondência da Columbia Pacific
Universidade, uma faculdade americana sem os devidos credenciamentos. Gray não tem qualquer background científico nem fez nenhuma pesquisa sobre casais. Em contraste com a história de Gray temos John Gottman, cujo Ph.D. em psicologia foi obtido na Universidade de Illinois com uma distinta carreira acadêmica estudando relacionamentos de casais, especialmente satisfação conjugal. Gottman ofereceu conselhos práticos com base em seu trabalho e no trabalho de outros estudiosos no campo em vários livros para o público, incluindo “Porque os casamentos fracassam ou dão certo? (1994)”. Os livros de Gray e de Gottman diferem em vários pontos sobre o sucesso ou insucesso dos casamentos. Gottman alega que suas dicas provêm de anos de rigorosas pesquisas longitudinais com casais, enquanto que os conselhos de Gray vêm unicamente da intuição e observação cotidiana. No entanto, os livros de Gray – incluindo os homens de marte e as mulheres de vênus – venderam mais de 40 milhões de cópias, enquanto os vários livros sobre caisas de Gottman venderam menos de 100.000 cópias. O mais alarmante é que algumas das dicas de Gray para casais estão em oposição direta aos achados da ciência psicológica. Reconhecendo esse paradoxo, Marano (1997) escreveu que “Gottman é o Padrão-ouro, enquanto Gray é o ganhador do ouro”. Gottman
representa “a psicologia-top, enquanto Gray a psicologia-pop” (Pág. 28). Ciências e credenciais acadêmicas de lado, o público de o seu voto com o bolso. Gray é o Guru do casamento. Quem decide o que é Psicologia? O público. E o público não é susceptível de olhar para a ciência quando busca respostas a problemas psicológicos. Como resultado, a psicologia-pop floresce através dos livros, seminários, fitas, festas em hotéis, DVDs, boletins informativos, sites, rádio e transmissões de televisão. “Experts” como John Gray, Melody Beattie, Wayne Dyer, Dr. Phil (McGraw), Tony Robbins, Dr.Laura (Schlessinger) e outros, dispostos a compartilhar suas “expertises” psicológicas com o público. É um “chamado” que – ao menos – garante milhões de dólares.
O mindfulness, assim como os livros de Gray, está cada vez mais nesse território cinzento (grey) que parece depender muito mais da escolha do público do que da sua real capacidade de oferecer bem-estar. Então, que possamos escolher bem e salvar a alma de sérios pesquisadores, como Gottman, que d
evotam toda uma carreira – uma vida – para no fim serem subjugados pela força da mídia e do apelo popular.
E não se trata de salvar o pesquisador, e sim o público, as pessoas. Não se deixe enganar. Esqueça essa balela de homens de marte e mulheres de vênus. Esqueça as promessas por detrás de capas brilhantes de livros e títulos apelativos. Não se deixe levar por promessas de programas de televisão. Por menos Gray e mais Gottman. Mindfulness pode realmente te ajudar, desde que você tenha a mente sábia para discernir.