A importância da empatia: o sentir com o outro

Atendo há pouco mais de dois anos um cliente*, adulto, com diagnóstico de Transtorno Distímico. A Distimia é uma depressão leve crônica, caracterizada por falta de prazer e constante sentimento de negatividade. Quando me procurou, o cliente apresentava alguns comportamentos também característicos do transtorno: irritabilidade, ironias, falas agressivas e críticas excessivas. Ele reagia, por exemplo, com ironia e agressividade caso eu falasse algo que, para ele, era muito óbvio (validações, por exemplo). À época, o cliente tinha poucas relações próximas, sendo a maioria delas superficial e namorava uma moça com quem tinha dificuldade em ser assertivo, aceitando estar em muitas situações em que ela era cuidada, e ele não, e mesclando esses cuidados com ela com frequentes verbalizações agressivas.

Desde o início da terapia, vem apresentando melhoras em vários aspectos da sua vida: vem sendo mais assertivo, conseguindo dizer não e se respeitando mais, vem sendo mais sociável e tolerante, tem relações mais saudáveis com amigos e mulheres com quem se relaciona amorosamente. No entanto, um aspecto da sua vida no qual ainda permanece uma fonte constante de sofrimento é a de que ele se vê com um gênero diferente do nascimento, o que implica em nunca se sentir plenamente feliz consigo. Sabe-se que uma mudança de gênero envolve enfrentar muitas dificuldades relacionadas ao preconceito na sociedade. Um levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), por exemplo, indica que apenas 10% dos transgêneros trabalham registrados, sendo o restante, em sua maioria, profissionais do sexo. Esses dados refletem como o preconceito afeta a empregabilidade de pessoas transgêneras. Outro levantamento realizado pela ONG Transgender Europe revelou que mais de 2000 pessoas transgêneras foram mortas entre 2008 e 2015, sendo que 65% destas trabalhavam com prostituição.

Portanto, trata-se de um dilema muito difícil, pois agir em concordância com os seus valores, embora possa trazer maior sensação de plenitude e felicidade, implica em possibilidades muito reais de punição social e perda de outros reforçadores importantes (trabalho, relacionamentos). Assim sendo, esse cliente não está disposto a mudar de gênero, e os dados acima nos ajudam a validar e entender a opção dele.

No entanto, esse desejo de ser mulher acaba por afetá-lo social e sexualmente: com amigos e pessoas de sua convivência, nem sempre pode compartilhar isso e, portanto, uma parte importante de si fica escondida. Sexualmente, sua libido é afetada por se ver num corpo com o qual não se identifica e sempre que está em um novo relacionamento, essa questão aparece e lhe frustração e tristeza.

Quando solteiro, a busca por novas companheiras lhe coloca frequentemente em contato com esse tema, pois ele sente essa frustração com maior frequência e lida mais com o desgaste de eventualmente ter de explicar sua dificuldade para as parceiras. Durante uma fase de sua vida em que ele estava muito frustrado e irritado com isso, tivemos uma sessão em que eu tentava ajudá-lo a encontrar alternativas que diminuíssem as chances de colocá-lo em contato com essas contingências que constantemente o frustram e trazem sofrimento. Fiz uma sugestão, e isso evocou uma resposta agressiva dele, que disse que aquela era uma sugestão “ridícula” (sic). Provavelmente em outros contextos, fora da terapia, respostas como essa teriam como consequência mais esperada o afastamento da pessoa que ouve a ofensa. Mas voltei para casa naquele dia pensando naquilo, tentando entender o que havia evocado aquele comportamento agressivo. E então, me dei conta de que talvez eu não tenha sido sensível o bastante com ele. Isso porque, por mais que encontremos alguma forma de remediar esse sofrimento, trata-se de lidar com a possibilidade de não haver uma solução ótima e definitiva. E essa possibilidade, que tanto o irrita, me foi bastante difícil de encarar. E eu estava me esquivando dessa possibilidade doída, não me colocando junto ao cliente em seu sofrimento.

Voltei à sessão seguinte para me desculpar, e contei que eu havia entendido aquela frustração, e que tive que lidar com a angústia de possivelmente não haver solução, o que era muito difícil, especialmente porque frequentemente pensamos nosso papel profissional como auxiliadores de resoluções de problemas. E, na verdade, ser terapeuta muitas vezes é isso: nos depararmos com a nossa impotência, tanto porque não podemos resolver os problemas dos nossos clientes, quanto porque, por vezes, nem eles mesmos podem resolvê-los. Muitas vezes eu pensei que o meu papel ali era de ajudar o cliente a encontrar soluções. Mas esse papel, especialmente na FAP, pode ser apenas de mostrar para o cliente: “é uma situação difícil, e eu sinto muito. Mas eu estou aqui, com você. Para dar apoio, para ajudar a encontrar uma vida que vale a pena ser vivida, apesar disso”.

Essa interação me lembrou muito do (fantástico) vídeo que ilustra uma fala da pesquisadora Brené Brown, que fala sobre as diferenças entre empatia e simpatia. Nesse vídeo, ela cita uma pesquisa de Theresa Wiseman (1996), que considerou algumas características da empatia:

  • Tomar a perspectiva de outros, reconhecer a perspectiva deles como verdade;
  • Não julgar;
  • Reconhecer emoções em outras pessoas;
  • Comunicar o reconhecimento das emoções às pessoas.

Porque é difícil para o outro estar nessa situação, muitas vezes tentamos não apenas tirá-lo daquele sofrimento, mas também não nos colocamos nele. E isso pode ser extremamente invalidante.

Sobre isso, a criadora da Terapia Comportamental dialética (DBT) Marsha Linehan (1993) afirma:

A invalidação tem duas características principais. Primeiramente, ela diz ao indivíduo que ele está errado em sua descrição e em suas análises das suas próprias experiências, particularmente em suas visões sobre o que está causando suas emoções, crenças e ações. Em segundo lugar, atribui suas experiências a características ou traços da personalidade que são socialmente inaceitáveis. (p. 58)

Em outras palavras, oferecer soluções para quem não está pedindo pode soar como “tenho a solução para os seus problemas”, o que além de não mostrar apoio, pode até soar arrogante. No caso do meu cliente, ele passou uma vida inteira procurando formas e formas de diminuir esse sofrimento, e já discutimos várias vezes sobre isso, sem chegar a uma solução.

Vejam que não se trata de não solucionar problemas. Ainda que consideremos problemas que têm solução, reconhecer no outro a dificuldade de conviver eles, respeitar e permitir que ele sinta aquilo é ser empático e cuidadoso.

Então o que fiz com relação ao meu cliente foi aceitar essa insolubilidade do problema, reconhecendo essa situação e esse sofrimento como verdadeiros, e senti com ele (certamente, um comportamento de melhora do terapeuta – T2 – para mim).

Na sessão seguinte, eu lhe pedi desculpas por ter tentado empurrar soluções, como se ele já não tivesse pensado nelas. E confessei que, para mim, foi difícil admitir essa falta de solução. Disse-lhe que sentia muito que ele passasse por isso, e que não tenha solução, mas que eu entendia seu sofrimento, até porque, para mim, também foi sofrido encarar que não havia solução.

Por outro lado, quando esse cliente teve a coragem de me contar sobre seu desejo de ser mulher (algo que, até então, ele nunca havia compartilhado com ninguém), eu pude acolhê-lo e o incentivei a contar para pessoas mais próximas (Regra 5). Ele então conseguiu contar para outras pessoas e sentiu delas o acolhimento e aceitação. Isso não o torna mais próximo de ser mulher, mas propicia que esse seu desejo, em alguns contextos específicos, não seja punido.

A ideia é que consigamos mostrar ao cliente que passar por essas situações é mais suportável quando não estamos sós. E assim, sentindo e acreditando nisso na relação terapêutica, que ele busque isso também fora dela, ampliando seu círculo social e estreitando suas relações.

*O cliente autorizou o relato.

 

Referências

Linehan, M. M. (1993). Cognitive behavioral therapy of borderline personality disorder. New York: Guilford Press.

Wiseman, T. (1996). A concept analysis of empathy. Journal of advanced nursing, 23(6), 1162-1167.

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Escrito por Natalia Fonseca

Psicóloga (CRP 06/104811) graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, especialista em clínica analítico-comportamental pelo Centro Paradigma de ciências do comportamento e mestre pelo departamento de Psicologia clínica da Universidade de São Paulo-USP. Participou como aluna e ministrante em workshops experienciais em FAP.
Atua como supervisora clínica e psicoterapeuta, atendendo adolescentes, adultos e casais.

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