É comum que nossos clientes cheguem ao consultório se queixando de seus relacionamentos. As reclamações abrangem relacionamentos familiares, de amizade e conjugais. O tema das queixas invariavelmente descreve o quanto as pessoas se doam nas relações ou na tentativa de se relacionar e se sentem injustiçadas por darem mais do que recebem.
A colunista Ruth Manus do Estadão em sua publicação do dia 19 de outubro de 2016 [1] intitulada “Você quer ser amado ou quer ser amado a sua maneira?” discute de forma clara e objetiva o desafio de identificar no comportamento do outro aquilo que ele tem a nos oferecer, ou melhor, o amor que ele tem a nos oferecer. A autora discorre sobre as dificuldades que as pessoas têm de sentir e interpretar como amor respostas e comportamentos do outro que não parecem amor porque diferem da forma de amar que nos é própria e muitas vezes tão óbvia. A dificuldade de discriminar os distintos atos de amor no comportamento do outro é o que de certa forma produz as queixas que chegam até nós terapeutas.
Cabe aqui introduzir alguns conceitos da Análise do Comportamento que podem nos ajudar a compreender esse tipo de queixa. Ao falarmos de comportamento, realizamos a divisão do comportamento de um organismo em unidades que se repetem ao longo da vida do indivíduo. Conforme afirma de Rose (2001) [2], as atividades do organismo não se repetem de maneira rigorosamente igual. Tomando como exemplo o operante tema deste texto, demonstrar amor/afeto, há diferentes formas (ou usando um termo mais técnico, diferentes topografias) de demonstrar que amamos ou queremos bem ao outro. O operante na verdade é uma classe que engloba muitas respostas distintas. Vamos a algumas delas: há aqueles que para demonstrar amor são mais adeptos ao toque, por exemplo abraços, beijos, carinhos físicos; outros usam mais as palavras “Sinto falta de você”, “Estava com saudades”, “Te amo”; alguns preferem os presentes; outros ainda preferem fazer coisas pelo outro “Passei a sua camisa para o trabalho amanhã”, “Preparei aquela massa que você gosta”, “Pode deixar que hoje eu cuido da louça”, “Vou esperar você chegar para começar a comer meu prato” e aqueles que colocam o seu tempo à disposição do outro. As topografias podem ser inúmeros, mas todas fazem parte da mesma classe de respostas.
A História de Contingências de Reforçamento (CR) e as experiências de cada um produzirão diferentes topografias para o comportamento de amar e estas podem ficar camufladas no dia a dia das relações. Por exemplo, famílias que valorizam o desempenho de comportamentos poderão produzir indivíduos mais frios e que demonstram afeto e amor por meio do fazer coisas operacionais pelo outro. Famílias mais adeptas de abraços, toque e expressões verbais de amor produzirão indivíduos que expressam o bem querer pelo outro dessa forma.
O repertório de amar é aprendido e deve ser reconhecido como tal. A forma de amar que nos é própria é apenas uma das topografias possíveis dentro da classe de respostas de amar e está vinculada a história de vida e às contingências de reforçamento às quais fomos expostos. Não há melhor ou pior. Há diferentes topografias.
Como poderíamos então auxiliar nossos clientes com as reclamações e que não estão recebendo do outro e apenas se doam nas relações? O primeiro passo é olhar com atenção para si, desenvolver autoconhecimento e em seguida olhar com a mesma atenção para o outro, permitindo conhecê-lo. A partir disso será possível identificar quais são as suas preferências, qualidades, dificuldades, defeitos e potencialidades. Conforme afirmou a nossa colunista Marília Zampieri [3], “quanto melhor me conheço, sei bem o que tenho para oferecer ao outro e o que posso aprender com o que ele sabe e me oferece.” Eu complementaria dizendo que quanto mais conheço o outro, sei o que ele pode me oferecer e posso aprender com aquilo que ele me oferece. Portanto, além de não esperar receber amor de uma forma que é exclusivamente a nossa, é necessário também fazer um certo esforço para reconhecer e oferecer o que os outros esperam. Fica assim justificada a importância de olhar para si e principalmente para o outro. O que o outro tem a nos oferecer está lá, basta que estejamos dispostos a encontrar.
Referências
[1] Recomendo a leitura do texto referenciado na coluna da Ruth Manus: http://emais.estadao.com.br/blogs/ruth-manus/voce-quer-ser-amado-ou-quer-ser-amado-a-sua-maneira/
[2] de Rose, J.C. (2001). O que é comportamento? Sobre Comportamento e Cognição – aspectos teóricos, metodológicos e de formação em Análise do Comportamento e Terapia Cognitivista. Org. Roberto Alves Banaco. Santo André, SP: ESETec Editores Associados.
[3] O texto da Marília Zampieri pode auxiliar de forma complementar no tema aqui discutido: https://comportese.com/2016/09/as-varias-faces-do-amor-para-quem-posso-mostra-las