Contribuições da FAP para a psicoterapia de adolescentes

O convite para escrever textos para essa coluna foi uma grata surpresa. Logo pensei em aproveitar essa oportunidade para escrever sobre a terapia analítico-comportamental de adolescentes e adultos jovens e a contribuição da Psicoterapia Analítica Funcional (FAP). Com isso, pretendo compartilhar essa atuação clínica que impõem tantos desafios, atualizações e perguntas ao terapeuta.

Para iniciar esse primeiro texto preciso referir o capítulo publicado por Roberto Banaco, em 1995, intitulado “Adolescentes e Terapia Comportamental”, provavelmente, um dos primeiros textos nacionais sobre o tema e que serviu (e serve) de referência para os terapeutas analítico-comportamentais interessados em atender esse público. De todos os temas desenvolvidos por Banaco nesse capítulo (alguns devo retomar aqui em outras publicações), destaco a característica “em conflito” dos adolescentes e a importância do vínculo terapêutico.

As teorias psicológicas do desenvolvimento, de uma forma geral, descrevem o adolescente como uma pessoa “em conflito” em decorrência de novas tarefas desenvolvimentais, mas destacam o papel das mudanças físicas e hormonais, buscando os determinantes no “interior” do individuo. Em uma visão comportamental, os determinantes dos comportamentos do adolescente que sugiram ‘conflito’ devem ser buscados na relação dele com o ambiente (Banaco, 1995). Dessa forma, o conflito está nas contingências. Frequentemente, observa-se que os adolescentes estão expostos a práticas educativas inconsistentes, a regras pouco claras ou que mudam abruptamente, a demandas ambientais para as quais não possuem repertório comportamental ou a contingências aversivas. Essas são as contingências que podem explicar os problemas apresentados pelos adolescentes e que podem ser objeto de uma intervenção analítico-comportamental, sem, com isso, desconsiderar o papel de variáveis biológicas. No entanto, desenvolver uma intervenção com adolescentes pode ser um desafio clínico e aqui eu destaco três aspectos: a pouca motivação do adolescente pela psicoterapia ou a incompreensão com relação à necessidade de realizar psicoterapia; a generalização que o adolescente pode fazer igualando o comportamento do terapeuta com o comportamento de outros adultos de suas relações (pais, por exemplo); e a intervenção da família no processo terapêutico.

Nesse sentido, outro aspecto abordado por Banaco (1995) diz respeito ao vínculo terapêutico. Segundo o autor, a primeira providência que o terapeuta deve tomar é se empenhar para que a sessão seja reforçadora e, com isso, aumentar a adesão do adolescente à terapia. Essa preocupação não é restrita ao atendimento dos adolescentes, no entanto, nesse caso observa-se uma diferença: em geral, a motivação ou o interesse para que o adolescente frequente à terapia é dos pais ou da escola. A mudança desse quadro depende, quase exclusivamente, da relação que o terapeuta consegue estabelecer com o cliente adolescente. Um dos aspectos que o Banaco descreve para contribuir para o estabelecimento da relação terapêutica é o clima de transparência entre cliente e terapeuta. Sem mencionar a FAP, Banaco propõe que com a transparência o terapeuta “se propõe a expressar para o cliente tudo aquilo que sentir a seu respeito, esperando que esta relação seja correspondida pelo adolescente” (pg. 145). A transparência do terapeuta servirá para sinalizar ao adolescente os sentimentos que ele desperta nas outras pessoas, para oferecer modelo de expressão de afeto e de comportamento assertivo e para relacionar o seu comportamento com a ocorrência de sentimentos positivos no interlocutor (Banaco, 1995).

A forma como Banaco aborda a questão do vínculo terapêutico no tratamento do adolescente remete à proposta da FAP no que tange ao papel do terapeuta na relação com o cliente. A Psicoterapia Analítica Funcional é uma abordagem de psicoterapia contextual, comportamental e relacional, na qual os terapeutas se concentram no que acontece na sessão entre o cliente e o terapeuta para modelar os comportamentos interpessoais e a auto expressão necessários para que os clientes criem e mantenham relacionamentos próximos (Kohlenberg & Tsai, 1991/2001; Tsai, McKelvie, Kohlenberg & Kanter, 2014)

Evidências de problemas comportamentais em adolescentes cada vez mais frequentes na clínica psicológica têm levado pesquisadores e psicoterapeutas a integrar princípios da FAP com estratégias da análise comportamental tradicionais, a fim de criar intervenções mais direcionadas para auxiliar pré-adolescentes e adolescentes (Cattivelli, Tirelli, Berardo & Perini, 2012). Intervenção baseada nos princípios FAP, nessa fase do desenvolvimento, permite que os terapeutas apliquem princípios científicos e trabalhem dentro da área definida da análise do comportamento. A intervenção visa uma mudança de comportamento socialmente significativa e observável, prestando a devida atenção, no entanto, às relações fundamentais dos adolescentes com os seus pares (Cattivelli, Tirelli, Berardo & Perini, 2012). Essas relações podem ser fonte de problemas e sofrimento, mas também boas oportunidades para que os jovens treinem habilidades importantes para o seu desenvolvimento e estabeleçam relações interpessoais de intimidade.

Na prática, isso significa que o terapeuta pode desenvolver uma relação terapêutica que se baseia no uso espontâneo e deliberado de estratégias de reforço, possibilitando a criação de um ambiente reforçador e modelando, no adolescente, a ampliação de seus repertórios sociais, que poderão ser generalizados para o ambiente natural. O processo leva a um comportamento mais flexível através da aplicação de múltiplas fontes de reforço social (Cattivelli, Tirelli, Berardo & Perini, 2012).

Na minha experiência, uma estratégia que auxilia no estabelecimento de uma relação próxima com o adolescente (e também sugerida no referido texto de Banaco) é o interesse genuíno pelo ‘universo’ do adolescente. Perguntar e ouvir sobre os valores e as preferências do adolescente; disponibilizar-se para aprender sobre músicas, filmes e personagens com ele, bem como responder às perguntas que eventualmente ele fará sobre as preferencias do terapeuta, ajuda a criar um ambiente de confiança e autorrevelação importantes para que se possa utilizar estratégias de intervenção FAP e analítico-comportamentais. De uma forma geral, é bastante reforçador para o adolescente perceber que está ensinando algo para alguém. Além disso, pode inaugurar na vida desse jovem um tipo de relação ainda inexistente na sua história.

 

Referências:

Banaco, R.A. (1995). Adolescentes e Terapia Comportamental. Em: B. Rangé (Org.). (1995). Psicoterapia comportamental e cognitiva: Pesquisa, prática, aplicações e problemas. São Paulo: Editorial Psy.

Cattivelli, R., Tirelli, V., Berardo, F., & Perini, S. (2012). Promoting appropriate behavior in daily life contexts using Functional Analytic Psychotherapy in early-adolescent children. International Journal of Behavioral Consultation and Therapy7(2-3), 25.

Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (1991/2001). Psicoterapia analítica funcional: Criando relações terapêuticas intensas e curativas. Santo André: ESETec

Tsai, M., McKelvie, M., Kohlenberg, R. & Kanter, J. (2017, Abril). Functional Analytic Psychotherapy: Using Awareness, Courage and Love in Treatment. Society for the Advancement of Psychotherapy. Retirado de http://societyforpsychotherapy.org/functional-analytic-psychotherapy-fap-using-awareness-courage-love-treatment/

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Escrito por Janaína Thais Barbosa Pacheco

Psicóloga, Mestre e Doutora pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Realizou Estágio de Pós Doutorado (Bolsista PNPD/Capes) na Pontíficia Universidade Católica/RS. Atualmente, é professora do Curso de Psicologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e do Programa de Pós Graduação em Psicologia e Saúde (UFCSPA), responsável pelas disciplinas de Behaviorismo Radical e Terapias cognitivas e comportamentais.
Atua como terapeuta e como supervisora. Desenvolve pesquisas com relação a psicopatologia e adolescência, avaliação psicológica de adolescentes e intervenção psicoterapêutica.

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