Gabriele Spenst Ott Lederer (CRP/PR 08-19451) graduada pela Universidade Tuiuti do Paraná, especialista em terapia analítico-comportamental pelo Instituto de Análise do Comportamento de Curitiba e mestre em psicologia clínica pela UFPR. Atua como psicóloga clínica, atendendo adolescentes, adultos e casais. Tem interesse em estudos sobre o uso e a aplicação da FAP em outros contextos culturais.
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Problemas de relacionamento interpessoal estão mundialmente presentes, independente da cultura, raça, religião, condição socioeconômica ou localização geográfica dos indivíduos. Por isso, a Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) pode ser uma alternativa de intervenção a ser utilizada nos mais diversos contextos.
Quando o terapeuta atende um cliente de origem cultural distinta da sua, ele está propenso a cometer possíveis falhas decorrentes da influência que o contexto cultural pode exercer sobre seus comportamentos (Skinner, 1981). Assim, facilmente ele corre o risco de confundir aspectos culturais do cliente com patologia, ou padrões de comportamento problemáticos, u até mesmo ignorá-los (López, 1989).
Por exemplo, um terapeuta brasileiro ao atender um cliente europeu pode considerar problemático o fato de ele expressar com pouca frequência sentimentos ou pensamentos positivos em relação a ele, o que o leva a levantar a hipótese que provavelmente esse comportamento se repita na vida diária do cliente, fazendo com que surjam dificuldades em seus relacionamentos.
Estar sensível às diferenças culturais existentes, conhecer a cultura do cliente e de seus familiares, distinguir cultura de patologia e levar em consideração esses aspectos durante todo o processo da terapia, são algumas habilidades importantes no repertório de terapeutas que atendem clientes de origens distintas da sua (Vandenberghe 2008).
Assim, a FAP parece ser uma boa alternativa para atender esse público, uma vez que, por meio da aplicação das 5 regras, o terapeuta possivelmente evita cometer alguns equívocos, relacionados às diferenças culturais existentes entre ele e o cliente, que o impedem de conduzir um processo terapêutico satisfatório e que resulte em ganhos positivos para o cliente.
Uma característica importante da FAP está relacionada ao modelo explicativo funcional no qual ela se baseia, que permite ao terapeuta definir os comportamentos a partir de sua função ao invés de manter o foco na topografia. Assim, ele procura entender, por meio da análise funcional, a relação entre as variáveis do ambiente e do organismo, para então definir se determinado comportamento será alvo de intervenção ou não. Dessa forma, as 5 regras têm o objetivo de orientar o terapeuta para manter o foco no contexto, ou seja, na relação terapêutica (Vandenberghe, 2008).
Quando o terapeuta observa e identifica os comportamentos clinicamente relevantes (CRBs) de seu cliente (Regra 1), levando em consideração o contexto cultural no qual esses comportamentos ocorrem, ele está ciente que cada cultura apresenta práticas distintas e uma forma particular de nomear as emoções. Essa autoconsciência pode evitar que ele considere comportamentos desconhecidos como problemáticos e potenciais alvos de mudança (Vandenberghe et. al., 2010). No caso do terapeuta brasileiro mencionado acima, ao levar em consideração a forma como os indivíduos se expressam na cultura europeia, pode chegar à conclusão que a ausência de feedbacks positivos do cliente, não necessariamente tenha a ver com um CRB1, uma vez que esse comportamento não causa impacto negativo no meio com o qual se relaciona.
Ainda com relação ao contexto cultural dos CRBs, o terapeuta pode modelar a autoconsciência no cliente, sobre os costumes e valores vindos de sua cultura. Assim, ambos aprendem a lidar com essas diferenças de forma construtiva. Quando ocorrem deslizes do terapeuta relacionados à comunicação ou compreensão do cliente, ele pode utilizá-los como oportunidades para encorajar o cliente a expressar seus sentimentos e pensamentos com relação a ele (Vandenberghe, 2008). Se formos utilizar novamente o mesmo exemplo, o terapeuta poderia relatar ao cliente que algumas vezes se sente inseguro quando ele deixa de expressar sua satisfação em relação ao tratamento. Essa poderia ser uma oportunidade para o cliente emitir um comportamento “novo”, que naquele contexto da terapia teria a função de fortalecer a relação terapêutica.
Da mesma forma, quando devidamente identificados, o terapeuta corre menos riscos de evocar CRBs (Regra 2) que não contribuem para a melhora do cliente. Como exemplo, podemos citar o caso de um cliente brasileiro sendo atendido por um terapeuta alemão, e que costuma atrasar pelo menos 15 minutos em cada sessão. É possível que esse cliente se atrase também em outras situações sociais, mas que esse comportamento não cause impactos negativos em seus relacionamentos, assim como possivelmente causa no terapeuta vindo de uma cultura que valoriza a pontualidade. Dessa forma, é possível que a evocação do comportamento de atrasar, por parte do terapeuta alemão, em nada contribua para a melhora desse cliente.
Ao seguir a regra 3, o terapeuta utiliza o reforço natural ao invés do artificial. Ao fazer uso do reforço artificial com a população de clientes pertencentes a uma cultura distinta, o terapeuta corre o risco de reforçar comportamentos que não contribuem para a melhora do cliente, por estar sob controle de contingências externas à relação. Contudo, quando o comportamento do terapeuta fica sob controle do comportamento do cliente, há uma maior probabilidade que ele identifique os comportamentos-problema (CRBs1), diferenciando-os de aspectos culturais, e consequentemente reforçando comportamentos de melhora (CRBs2).
Quando o terapeuta observa o impacto que seu próprio comportamento tem sobre o cliente (Regra 4), ele possui a oportunidade de modificá-lo, caso perceba que o comportamento-alvo do cliente tenha sofreu alterações de frequência que não vão de encontro ao comportamento final desejado. Quando o cliente é de outra cultura, isso é especialmente importante, uma vez que o terapeuta precisa estar atento para adquirir e emitir comportamentos que naquela cultura possuem um efeito reforçador (Vandenberghe et. al., 2010).
Por último, o terapeuta pode ensinar o cliente a realizar análises funcionais (Regra 5) incluindo as questões culturais, para que dessa forma, ele consiga ter mais clareza a respeito das consequências que o contexto cultural causa nos seus próprios comportamentos.
Referências
Lopez, S. R. (1989). Patient variable biases in clinical judgment: Conceptual overwiew
and methodological considerations. Psychological Bulletin, 106, 184-203.
Skinner, B. F. (1981). Selection by consequences. Science, 213, 501-504.
Vandenberghe, L. (2008) Culture-Sensitive Functional Analytic Psychotherapy. The Behavior Analyst, 31, (1) 67-79.
Vandenberghe, L., Tsai, M., Valero, L., Ferro, R., Kerbauy, R. R., Wielenska, R. C., Helweg-Jorgensen, S., Schoendorff, B., Quayle, E., Dahl, J., Matsumoto, A., Takahashi, M., Okouchi, H. & Muto, T. (2010). Transcultural FAP In: J.W. Kanter, M.Tsai, & R.J. Kohlenberg (Eds.), The practice of Functional Analytic Psychotherapy (pp. 173-184). New York: Springer.