A função das emoções no processo da FAP

É bastante comum, em uma consulta de psicoterapia, o terapeuta estar atento para como o cliente percebe e expressa o que está sentindo. Há abordagens, inclusive, que tem o enfoque direcionado especialmente às emoções, e neste artigo veremos qual o papel que as emoções têm na Psicoterapia Analítica Funcional, conhecida pela sigla FAP.

Você já se viu sem palavras para responder a pergunta: “o que está sentindo agora?” Não se preocupe, pois não está sozinho nessa! Até mesmo aqueles que estudam e trabalham com o comportamento humano – como nós psicólogos – em determinadas situações não conseguem dar nome às sensações que ocorrem dentro do próprio corpo, dentre elas as chamadas emoções. E, cá entre nós, além de não ser tão simples nomeá-las e descrevê-las é difícil de, inclusive, notar que há a presença de alguma emoção enquanto ela está acontecendo. Afinal de contas, ao longo da vida aprendemos com maestria a escondê-las.

Mas então, o que são exatamente as emoções? 

Dentro de uma concepção analítica comportamental, as emoções são vistas como comportamentos privados respondentes. Ou seja, são respostas naturais e automáticas frente a algum estímulo antecedente, como ficar com medo logo após ver um assalto, por exemplo.  Sendo parte de um processo de comunicação entre nós mesmos e nosso meio, geralmente notamos a presença de uma emoção por sua manifestação no corpo. Cada estado emocional tende a ativar uma área ou órgão específico, e através das mudanças que ocorrem no estado corporal, pode-se perceber o sentimento correspondente que está presente. Certamente você pode já ter ouvido alguém falar que sentiu um nó na garganta ou um frio na barriga – possivelmente correspondentes a estados de angústia e medo.

Por mais que tentemos usar a linguagem verbal para discriminá-las, as emoções só podem ser sentidas, não há outra forma de explorá-las que não através da própria experiência. Pois é difícil descrevermos com precisão como é a sensação de sentir uma emoção, e cada pessoa pode sentir a mesma emoção de formas e intensidades diferentes. E para compreendê-las é necessário olhar para o seu contexto, o que as antecedem e qual consequência gera. Não podemos esquecer que na visão do Behaviorismo Radical, aquilo que sentimos tem grande importância, como aquilo que fazemos, visto que o comportamento não se restringe apenas às nossas ações, ele ocorre também dentro de nós.

E como se faz para saber o quê se está sentindo?

Assim como qualquer outro estímulo, objeto, ou experiência, não nascemos sabendo identificar e nomear nossas emoções. Essa aprendizagem irá ocorrer a partir da nossa interação com àqueles que nos auxiliam para que façamos tato com a experiência privada através das manifestações comportamentais que emitimos e que, possivelmente, estão relacionadas à uma sensação emocional interna. Um exemplo dessa aprendizagem ocorre quando uma criança pequena tapa o rosto com as mãos quando uma pessoa que não faz parte do seu convívio diário se aproxima falando com ela. Poderia-se dizer à criança que ela está sentindo vergonha, emoção esperada para tal situação. Com a repetição desse comportamento seguido da orientação de que aquela sensação é chamada de vergonha, a criança passa então a associar as sensações corporais, suas ações e o que está se passando ao seu redor a esse sentimento.

É importante lembrar que a forma que a emoção se expressa em cada um depende de uma relação complexa entre a história de aprendizagem filogenética, ontogenética e cultural. Não há um único modo da emoção se manifestar, seja por meio de respondentes evocados (taquicardia, vermelhidão, suor) ou por comportamentos operantes, que facilmente podem ser identificados por outras pessoas. (ex. ao ficar com raiva, Lucia aumenta o tom de voz, fala palavras consideradas ofensivas e bate na mesa com o punho cerrado). Podemos sentir uma emoção, porém não necessariamente agir conforme ela, ou o contrário, agir no impulso da emoção, sem ter consciência de sua presença.

Há uma tendência em vermos o sentimento como um causador do comportamento, enquanto é apenas uma das variáveis do contexto. Muitas vezes, o contato restrito com o estado emocional e a forma de expressá-lo interferem na qualidade das relações interpessoais e da própria vida da pessoa, levando-a a buscar auxílio psicológico. Alguns clientes chegam à terapia com a queixa de: ser visto como uma pessoa fria e racional, “sem coração”; dificuldade de se posicionar e expressar sua opinião, dizendo que os outros passam por cima de si; isolamento social, poucos amigos e preferência por ficar só à ter que ceder ou lutar pelo seu ponto de vista; muitos conflitos por ser supersincero e não perceber que magoa os outros… Para essas demandas interpessoais, a FAP tem como um dos principais objetivos auxiliar as pessoas a construírem relações íntimas significativas e satisfatórias, e a expressão das emoções é fundamental para realização e manutenção desse processo.

Qual a função das emoções na sessão?

Como na FAP o terapeuta tem a sua atenção voltada, principalmente, para os comportamentos e respostas controlados por estímulos que acontecem durante a sessão terapêutica, sendo o próprio terapeuta parte do contexto do cliente, a experiência emocional – tanto do cliente quanto do terapeuta – se torna uma variável de extrema relevância para análise.

É bastante comum, principalmente quando uma das principais dificuldades do cliente está relacionada à relações interpessoais, que o mesmo não saiba muito bem perceber o que sente, nem mesmo saiba estar atento às suas respostas privadas, e tampouco notar o efeito que sua expressão emocional tem no outro com quem convive. Cabe, então, ao terapeuta mostrar o efeito disso tudo para o cliente de forma amável, assim como reforçar quando o cliente se aproxima do contato e consciência deste estado. A psicoterapia passa a ser um ambiente seguro e propício para que o cliente aprimore sua capacidade de nomear, descrever, expressar verbalmente e através de respondentes não verbais, como sorriso ou choro, toda e qualquer emoção.

Não sendo a FAP uma psicoterapia com o foco na catarse como condição para o avanço terapêutico, uma das principais funções de se trabalhar as emoções em sessão é para que o cliente possa ampliar o contato com as variáveis que interferem no seu comportamento, aumentando o controle privado de sentimentos e possibilitando a ele maior chance de mudança.

Quando há esquiva experiencial de alguma emoção (possível CCR1), o cliente está deixando de fazer contato com variáveis de controle importantes, que possivelmente ocorrem em outras situações de sua vida e são obstáculos para que lide com seus problemas. Além do que, quanto mais clara é a consciência do estado emocional e da expressão do mesmo, maior a chance da pessoa ter suas necessidades atendidas, por melhor percebê-las. Isso facilita para que inclusive o outro possa predizer o seu comportamento, gerando maior segurança na relação. Na relação terapêutica, o terapeuta age com coragem ao experienciar suas emoções e expressá-las ao cliente de forma genuína, encorajando-o a expressar os seus sentimentos em relação ao terapeuta.

As emoções do terapeuta são também variáveis significativas, que podem servir para orientar o andamento da interação com o cliente, inclusive para discriminar se o comportamento emitido pelo cliente é uma conduta problema ou uma conduta de mudança desejada. O mesmo pode ocorrer com o próprio terapeuta, que pode estar agindo sob o impulso de alguma emoção ou em processo de esquiva experiencial, emitindo um T1, ou é capaz de tomar perspectiva do que está se passando consigo e escolher como agir conforme o que é importante para aquela relação naquele momento (T2). Por isso, é fundamental que o terapeuta possa observar suas próprias emoções.

E aí, você estaria disposto a notar mais as suas emoções?

Referências

Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (1991). Functional Analytic Psychotherapy: Creating Intense and Curative Therapeutic Relationships. Springer.

Skinner, B. F. (1978). O comportamento verbal. Traduzido por M. P. Villalobos. São Paulo: Cultrix..

Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Kohlenberg, B., Follette, W. C., & Callaghan, G. M. (2009). A guide to functional analytic psychotherapy: Awareness, courage, love, and behaviorism. New York: Springer.

 

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Escrito por Maria Eduarda Alencastro

Psicóloga graduada pela PUCRS, especialista em Terapia Comportamentais Contextuais pelo CEFI/CIPCO. Atua como psicóloga clínica e como coordenadora de grupos com as abordagens comportamentais contextuais. É membro da Association for Contextual Behavioral Sciences - ACBS.

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