A importância do entendimento do comportamento verbal na prática clínica

 

“Uma coisa é o que a pessoa diz, outra coisa é o que ela quer com o que diz; outra é porque ela diz o que diz; o que ela ganha com o que diz; o que ela esconde com o que diz; o que ela fez para dizer; o que ela faz para dizer e o que ela consegue dizendo”

(Autor desconhecido)

Essa é uma frase que sempre me chamou a atenção por perceber quantas funções podem estar por traz do fato de dizer algo. Como já dizia Skinner (1978) os homens agem sobre o mundo, modificam-no e, por sua vez, são modificados pelas consequências de sua ação. Nós, analistas do comportamento estudamos as relações funcionais e para isso acabamos analisando um comportamento talvez, dito como um dos mais complexos e de grande relevância para a prática clínica, o comportamento verbal. Diante da compreensão do estudo do comportamento humano é possível entender a influência do comportamento verbal sobre o comportamento não verbal do cliente e o quanto suas consequências alteram o ambiente. Para entender o comportamento verbal do cliente é preciso considerar suas funções e efeitos definidos pelos operantes verbais, os quais nos fornecem material sobre as variáveis que controlam tais comportamentos.

Na terapia analítico comportamental se trabalha predominantemente com o comportamento verbal do cliente, fazendo com que a aplicação de técnicas ou recursos terapêuticos torne-se algo secundário e muitas vezes desnecessário (Medeiros, 2002). O uso dessas técnicas é muito utilizado para evocar relatos, mas é possível que o terapeuta com habilidades específicas consiga fazer com que o cliente se comporte verbalmente apenas utilizando seu próprio comportamento verbal-vocal. Tendo em vista que o material que trabalhamos na clínica é verbal torna-se grande a importância de se utilizar o aparato conceitual da área para auxiliar intervenções no ambiente clínico.

A frase citada no início do texto, nos diz muito sobre possíveis análises que podemos fazer quando estamos analisando a função do comportamento verbal de outra pessoa, e o fato de sermos clínicos e lidarmos o tempo inteiro com a fala do cliente, nos dá acesso a muito produto para ser analisado e entendido. Sabemos que o comportamento verbal é um comportamento operante, e isso quer dizer que é um comportamento que opera, modifica o meio e é reforçado pela mediação de outras pessoas (Skinner, 1978).

Para nós, psicólogos clínicos, entender sobre o comportamento verbal e suas funções é de extrema importância, tendo em vista trabalharmos fundamentalmente com esse material. A fácil observação e acesso a material em grande quantidade, são características bastante favoráveis para o estudo desse comportamento, levando em consideração o fato dos homens falarem e ouvirem, temos então nas mãos, muito produto a se trabalhar. Lembrando que não consideramos o comportamento do falante apenas as respostas verbais, mas a respostas que tem a consequência mediada por um ouvinte.

É claro que precisamos estudar esse comportamento avaliando-se o contexto e as condições em que esse geralmente está sendo emitido e entendendo as variáveis que controlam sua emissão. Uma possível análise da frase citada acima, nos diz que o dizer certas coisas pode estar sob controle de variáveis que desconhecemos e que para encontrar a função é necessário conhecê-las.

Skinner (1978) definiu alguns operantes verbais, que foram divididos em mando, tato, ecoico, textual, intraverbal e transcrição. Alguns operantes verbais têm uma variação a qual nos referimos enquanto manipulações verbais do comportamento, que são utilizadas por clientes como alternativas para que seus comportamentos sejam reforçados positiva ou negativamente ou até mesmo uma menor probabilidade de ocorrer punição. Entender dessas variações nos ajudar a compreender esse comportamento e por fim nos ajuda também a sugerir formas de intervenções.

Alguns desses operantes, em sua maioria, vão nos dizer muito em relação as falas dos clientes em consultório, vão nos revelar muito em relação ao seu comportamento fora da clínica, ou seja, a função da emissão desses comportamentos com outras pessoas e, portanto, suas consequências.

Percebemos que quando um cliente busca terapia e se dispõe a participar de um processo psicoterápico pela primeira vez e na maioria das vezes não sabe descrever o que ocorre em sua vida de forma clara e nem sempre seus relatos tem uma correspondência “ponto a ponto” entre o que diz e o que faz. Portanto é percebido algumas distorções em sua fala, o que pode estar diretamente ligado à maneira e forma que aprendeu a descrever as contingencias ao seu redor. Desta forma, temos que trabalhar com esses clientes com a finalidade de ensinar primeiro a tatear (descrever) seus próprios comportamentos de maneira coerente.

Sabemos que ao buscar a terapia o cliente está em sofrimento e por conta disso descreve e relata os acontecimentos que supõe terem o deixado assim, da maneira como vê tudo ocorrer. É possível que clientes tragam distorções em suas falas, falas prontas e um não entendimento real das contingencias presentes.

Podemos identificar que clientes possam estar insensíveis as contingencias que controlam seu comportamento atribuindo causas a coisas não correspondentes aos fatos. Nesse momento é possível que o cliente esteja manipulando seu comportamento verbal e então emita tatos distorcidos, mando disfarçados, mandos distorcidos, regras disfuncionais e intraverbais. Isso pode ocorrer quando a variável que controlou o comportamento do cliente, em sua história de vida, foi aversiva.

Por isso é tão importante o psicólogo entender sobre o comportamento verbal, suas peculiaridades e suas funções. É claro que como já foi dito, é um comportamento extremamente complexo, mas de grande relevância para a prática clínica e precisa ser tratado com carinho.

Ao se referir a frase do começo do texto é importante que o terapeuta além de conhecimento sobre a análise do comportamento, sobre o comportamento verbal, apresente também algumas habilidades em seu repertório clínico.

Uma característica fundamental que deve estar presente no comportamento do terapeuta para que o comportamento seja emitido de forma a ter relatos que sejam correspondentes dentro do consultório é uma audiência não punitiva. Precisamos primeiramente definir audiência, que diz respeito aos estímulos discriminativos que controlam a emissão do comportamento verbal, sinaliza a disponibilidade do reforço provido pelo ouvinte, geralmente a audiência controla o repertório a ser utilizado (Medeiros, 2002). Nesses casos ainda precisamos falar da audiência não punitiva, conceito importante para o favorecimento de um vínculo entre cliente e terapeuta, que significa ter uma audiência sem julgamento, empática, acolhedora e pouco aversiva.

Então é de grande importância que o terapeuta estabeleça esse vínculo com seu cliente afim de favorecer com que o ele fale sobre o que lhe incomoda de forma clara e genuína. Enquanto terapeutas, temos muitas habilidades a serem desenvolvidas e sabemos que uma leva a outra, é uma cadeia de comportamentos que são necessários para um atendimento clinico com mudanças significativas, importantes e necessárias na vida o cliente. Em muitos casos se essa relação não estiver estabelecida será difícil identificarmos a real função dos relatos e por consequência não poderemos ajudar aos clientes  de maneira a modificar o que lhe traz sofrimento.  Quando o terapeuta se comporta como uma audiência punitiva aumenta a probabilidade do cliente emitir relatos distorcidos, falas enviesadas e prontas, dessa forma o cliente pode passar a relatar o que imagina ser o que o terapeuta queira ouvir, além da possibilidade de reduzir seus relatos em sessão, representando um obstáculo a interferir diretamente no processo terapêutico de autoconhecimento e mudança. Também nessas condições, o cliente pode passar a privar o terapeuta de informações necessárias ao processo psicoterápico. De acordo com Skinner (1978), quando o relato é punido, o repertório comportamental é enfraquecido o que impossibilita o autoconhecimento.

O comportamento verbal é muito rico para nossa prática clínica. É importante que enquanto terapeutas também saibamos entender e identificar as variáveis que controlam o nosso comportamento quando estamos atendendo. Ao planejar as sessões, o que dizemos também pode ser planejado para que possamos fazer o cliente relatar conteúdos relevantes, necessários e consistentes. Se faz necessário que saibamos usar as palavras, os conceitos de forma adequada para a ocorrência natural de um processo de mudança. A terapia ocorre principalmente utilizando os relatos de clientes, favorecendo que consigam tatear os eventos de sua própria vida.

Portanto, uma das metas da terapia é treinar o cliente a emitir tatos, descrições fidedignas sobre sua vida. E que esses relatos digam respeito as respostas e principalmente a sua relação com os outros termos da contingencia. Treinar o cliente a identificar as variáveis de controle e conduzir as análises funcionais que dizem respeito não só a sua vida como também a sua relação com o mundo são foco determinante para o processo.

Assim, podemos fazer isso de diversas formas e maneiras, mas sempre utilizará do conteúdo verbal para isso. Então fica aqui a relevância e importância de estudar esse comportamento tão complexo para um processo onde se busque o autoconhecimento e a diminuição de recaídas ou de um maior enfrentamento dos problemas em sua vida, tendo em vista ter aprendido a tatear e analisar seu próprio comportamento.

Medeiros, C. A. (2002). Comportamento verbal na terapia analítico comportamental Em Revista brasileira de terapia comportamental e cognitiva Vol IV Londrina PR

Skinner, B. F. (1978). O comportamento verbal. Traduzido por M. P. Villalobos. São Paulo: Cultrix..

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Escrito por Amona Lima

Graduada em psicologia pelo Centro Universitário de Brasilia - UniCEUB, Especialista em Análise do Comportamento pelo IBAC- Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento e mestranda pelo Centro Universitario de Brasilia -UniCEUB. Atua no consultório realizando atendimentos de adultos e adolescentes, no formato de terapia de casal, família e também atua em projetos de grupos terapêuticos para dependentes afetivos. É também coordenadora Institucional da Atitude Cursos,

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