Na prática clínica do psicólogo é comum que o mesmo encontre queixas relacionadas a transtornos psiquiátricos. Também costuma ser frequente a necessidade de diálogo com profissionais de outras áreas, tal como os psiquiatras. Igualmente é bastante provável que o terapeuta se depare com questionamentos acerca das causas da psicopatologia. Na busca por uma explicação, muitas vezes o próprio cliente espera uma resposta que aponte uma origem exclusivamente biológica, mais precisamente genética.
No entanto, diante de todas essas situações, o psicólogo, especialmente os terapeutas iniciantes, podem ter mais perguntas do que respostas para oferecer: Como a Análise do Comportamento entende os transtornos mentais? O que a Psiquiatria tem a contribuir? Qual a influência genética? O presente capítulo objetiva discutir cada uma dessas questões, sem contudo, buscar esgotá-las ou oferecer apontamentos conclusivos. Trata-se de propiciar algumas orientações como ponto de partida para que o terapeuta seja capaz de refletir sobre essas temáticas e direcionar sua atuação clínica.
Como a Análise do Comportamento entende os transtornos mentais?
A Análise do Comportamento baseada na filosofia do Behaviorismo Radical tem base em uma ciência do comportamento que busca compreender por que os organismos fazem o que fazem. Nesse sentido, a partir do modelo explicativo de Seleção pelas Consequências proposto por Skinner (1953/2003), entende-se que o comportamento é produto de três níveis de seleção: filogenético, ontogenético e cultural. O primeiro diz respeito à história da espécie, enquanto o segundo se refere à história do indivíduo e o último à história da sociedade na qual o indivíduo está inserido.
Tendo em vista que os comportamentos são selecionados a partir dos três níveis referidos, o comportamento de um indivíduo seria o melhor que ele poderia apresentar dadas as contingências em vigor, não sendo possível concebê-lo como patológico ou anormal. Dessa maneira, assim como os demais comportamentos, os transtornos psiquiátricos, também são multideterminados, estabelecidos e mantidos de acordo com a interação entre o organismo e o seu ambiente. (Skinner, 1953/2003)
Segundo Vilas Boas, Banaco e Borges (2012), para o terapeuta analítico-comportamental, o critério para verificar se um problema clínico merece ou não atenção especial é o sofrimento que produz, tanto para o cliente, quanto para as pessoas de seu convívio e não apenas o rótulo vinculado a um transtorno psiquiátrico. No entanto, casos que recebem esse tipo de diagnóstico, podem exercer um maior grau de comprometimento sobre o organismo do que outras queixas clínicas, demandando, do mesmo modo, uma análise funcional que seja capaz de identificar as variáveis que controlam o comportamento e assim conduzir a intervenção.
O que a Psiquiatria tem a contribuir?
Uma das contribuições provenientes da Psiquiatria diz respeito ao Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM). O mesmo está na quinta versão e tem sido aprimorado a cada edição, a partir do resultado de anos de estudo, buscando orientar tanto o desenvolvimento de pesquisas, quanto a prática clínica. A principal crítica à versão mais recente do manual (DSM-5) aponta que o mesmo se tornou menos criterioso, aumentando assim o número de pessoas que podem ser diagnosticadas com algum transtorno mental. Contudo, a adição de novos transtornos pode contribuir no sentido de oferecer tratamento adequado para pessoas que antes não eram devidamente avaliadas e tinham que lidar com o sofrimento e os prejuízos de determinados comportamentos sem o acompanhamento profissional necessário (Araújo & Neto, 2014).
Diante desse formato do DSM, cabe o uso ainda mais atento desse recurso, de modo que o mesmo não deva ser utilizado como uma simples lista de sintomas a serem assinalados, implicando em falsos diagnósticos. Torna-se imprescindível considerar que cada ser humano é um organismo singular, produto de uma condição genética e de um repertório de comportamentos desenvolvidos ao longo de sua história ambiental, pelas contingências de reforço a que é exposto (Skinner, 1974/2006). Nesse sentido, sintomas diferentes podem ter a mesma causa e sintomas iguais podem ter causas diferentes. Quando se diz sintomas em psicopatologia não se está fazendo referência apenas às respostas biológicas do organismo, mas sim a comportamentos e esses precisam ser analisados funcionalmente.
Nessa direção, Chagas (2013) sugere que analistas do comportamento possam utilizar manuais classificatórios como o CID 10 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde) e o DSM para facilitar e complementar a realização da análise funcional. Embora esses materiais apresentem diversas limitações, quando utilizados de forma crítica e cuidadosa, constituem uma ferramenta útil por possibilitarem um ponto de partida, oferecendo não somente informações da topografia (que também são consideradas em uma análise funcional), mas fornecendo subsídios para que o terapeuta investigue mais atentamente determinados aspectos da história de reforçamento do cliente.
Meyer et. al. (2015) também indicam o uso dos manuais diagnósticos para o processo de tomada de decisões do terapeuta no que tange à intervenção, uma vez que as informações provenientes desse material podem colaborar para a realização da análise funcional, que considera a idiossincrasia do indivíduo e busca compreender as contingências que mantêm os comportamentos tidos como problema. Tal recurso permitiria ainda uma melhor comunicação entre o psicólogo e o psiquiatra, fortalecendo um trabalho multidisciplinar colaborativo. Esse diálogo é importante para potencializar a qualidade do tratamento ofertado, na medida em que mudanças nos padrões de comportamento do cliente podem repercutir na avaliação e condução do tratamento médico, bem como intervenções de ordem farmacológica, tendem a modificar o comportamento do indivíduo.
Qual a influência genética?
Entende -se o comportamento não como uma coisa, mas como um processo, mutável, fluído e evanescente. O próprio Skinner (1953/2003) descreveu que “qualquer condição ou evento que tenha algum efeito demonstrável sobre o comportamento deve ser considerado” (p.24). Com os avanços dos estudos no campo da genética, torna-se inegável sua participação no organismo que se comporta, independente de se referir a um comportamento considerado normal ou patológico. Estudar as variáveis genéticas do comportamento pode auxiliar na compreensão sobre a complexidade envolvida no curso dos transtornos (Silva, Victor, Vitola & Bau, 2014).
Quando falamos de transtornos psiquiátricos não podemos afirmar que a causa é exclusivamente genética ou ambiental. Diferente das doenças hereditárias, as de predisposição genética, como os transtornos psiquiátricos, não apresentam uma definição tão clara sobre o fator genético responsável. Um conjunto de genes e sua integração podem tornar a pessoa mais vulnerável a agentes causadores que geralmente são ambientais (Motta, 1998).
Os transtornos psiquiátricos são de etiologia multifatorial, com interação de variáveis genéticas e ambientais, ambos atuam de maneira probabilística e apesar de determinados fatores aumentarem a predisposição a um transtorno, isso não é determinante (Silva et. al., 2014). As variáveis genéticas são à base do organismo, onde se encontram as instruções de como será este ser que se relacionará com o mundo. Embora não sejam propriamente comportamentos, é parte importante para o organismo se comportar. Determinará o repertório incondicionado do sujeito, a suscetibilidade diferenciada a reforçadores, alterando o valor reforçador de eventos relacionados, sendo que tais reforçadores selecionam quais comportamentos serão repetidos no futuro (Noro, 2013; Todorov, 2004).
Há condições genéticas que se expressam no organismo desde seu inicio de vida e outras que podem aparecer no decorrer dos anos. Para um ser humano que geneticamente possui uma audição muito sensível a ruídos, por exemplo, os ambientes com muito barulho podem se tornar menos reforçadores ou até mesmo aversivos. Se os lugares que as pessoas mais frequentam e valorizam para se divertir apresentam músicas com alto volume, este sujeito terá uma maior probabilidade de aprender comportamentos de esquiva ou fuga dos lugares e até por consequência se distanciar das pessoas. Em alguns casos pode ser descrito como antissocial, ou desenvolver outros comportamentos que possam ser considerados “anormais”. Esse caso é para demonstrar que características simples de base genética podem servir de condição e ser parte de uma infinidade de comportamentos.
Ao olhar o cérebro e seu funcionamento para tentar explicar um comportamento, não podemos dizer que as alterações cerebrais são causas, por que o comportamento pode causar mudanças na função e estrutura cerebral. Quando for possível identificar quais genes estão envolvidos nos traços cerebrais terá de se avaliar seus efeitos sobre o comportamento e não presumi-los. O comportamento não pode mudar a sequência de nucleotídeo do DNA, mas pode mudar a expressão do gene (Plomin et al, 2011).
A partir dos apontamentos realizados, torna-se claro que não se deve considerar o ambiente em detrimento do aspecto genético e vice-versa. Dada à complexidade do comportamento, cabe ao terapeuta analisar a interação entre as variáveis referentes aos três níveis de seleção: filogenético, ontogenético e cultural. No que tange à compreensão dos transtornos psiquiátricos a mesma premissa se faz verdadeira, um organismo geneticamente construído, dentro das suas possibilidades interage com o ambiente, o modificando, e este o modifica tanto no nível biológico, quanto comportamental, mesmo porque estes não estão separados, são partes que compõe um todo.
Nessa direção, a psicoterapia pode atuar oferecendo condições para que o cliente passe a interagir de modo a obter reforçadores (especialmente positivos), bem como desenvolver ou aperfeiçoar repertórios comportamentais que favoreçam uma interação saudável com seu ambiente. Não se trata de atender à classificação de “normal” ou “anormal”, mas sim de acompanhar o indivíduo que está em sofrimento no processo de aprender a lidar com esse sentimento e produzir novas contingências. A compreensão do terapeuta acerca das influências biológicas e genéticas contribui tanto para que realize os encaminhamentos aos profissionais adequados, quanto possibilita uma análise mais ampla das variáveis que afetam o comportamento e podem ou não ser manipuladas.
Autores: Roberta Seles da Costa e Guilherme Gomes
Referências
Araújo, Á. C., Neto, F. L. (2014). A Nova Classificação Americana Para os Transtornos Mentais – o DSM-5. Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn. Vol. XVI, no. 1, 67 – 82.
Chagas, M. T. (2013) Análise do comportamento e psiquiatria: algumas reflexões sobre o Transtorno Bipolar. Dissertação de mestrado – Universidade Estadual de Londrina, Centro de Ciências Biológicas, Programa de Pós-Graduação em Análise do Comportamento.
Meyer, S. B., Villas-Bôas, A., Franceschini, A. C. T., Oshiro, C. K. B., Kameyama, M., Rossi, P. R., & Mangabeira, V. (2015). Terapia Analítico-Comportamental: Relato de casos e análises. São Paulo: Paradigma Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento.
Motta, Paulo A. (1998). Genética Humana: aplicada a Psicologia, Nutrição, Enfermagem e Fonoaudiologia. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan.
Noro, Grazielle. (2013). Interação Comportamento e Ambiente: Análise do Comportamento, Neurociência e Epigenética. Dissertação de Mestrado. Londrina, Universidade Estadual de Londrina.
Plomin, R., De Fries J. C., McClearn, G. E., McGuffin, P. (2011). Genética do Comportamento. Tradução: Sandra Maria Mallmann da rosa. Porto Alegre: Artmed, ed. 5.