É comum que, durante um processo de psicoterapia, o terapeuta identifique ações do cliente que o impedem de lidar de forma mais satisfatória com algumas situações importantes em sua vida diária. Dentre essas situações, algumas se tratam claramente de tentativas ineficazes de evitar ou eliminar algo considerado ruim. Outras vezes, a ação de tentar evitar ou eliminar uma estimulação aversiva ocorre no próprio contexto de terapia, então, o terapeuta tem a oportunidade de trabalhar diretamente com o comportamento-problema, de modo a auxiliar o cliente a identificar a ineficácia de suas esquivas e ensinar comportamentos alternativos.
Aos leitores analistas do comportamento é preciso lembrar que há uma diferença conceitual entre fuga e esquiva. Fugir de uma estimulação aversiva é diferente de evita-la, pois, o evento aversivo que é evitado não afeta diretamente o organismo (Skinner, 1979/2003). Mas, para fins didáticos – visto que os leitores do Comporte-se não são apenas os analistas do comportamento – neste texto, o termo esquiva será utilizado para designar qualquer comportamento de uma pessoa que tem como objetivo evitar ou diminuir uma estimulação aversiva, a qual pode ser externa (o que é observável, aquilo que externo à pessoa) ou interna (sentimentos, sensações, emoções, pensamentos).
O fato é que lidar com as esquivas do cliente nem sempre é tarefa fácil para o terapeuta. Frequentemente, não basta apenas informar a ele sobre sua esquiva e seus efeitos contraprodutivos, aliás, dizer isso de forma clara e direta pode evocar ainda mais comportamentos de esquiva do cliente, por exemplo:
Evento antecedente | Resposta | Consequência |
Terapeuta fala para o cliente sobre ele parecer evitar falar de situações de sua vida que foram traumáticas. | Cliente sente-se irritado.
Cliente diz que o terapeuta está errado, e começa a falar de como sua semana foi agradável. (Esquiva) |
Terapeuta observa que o cliente evitou mais uma vez falar de situações difíceis, mas opta por deixá-lo falar sobre como sua semana foi boa. (R-) |
Tabela 1. Análise de uma contingência hipotética de esquiva em sessão terapêutica.
No exemplo hipotético apresentado na Tabela 1, o terapeuta tenta explicar ao cliente que ele está fazendo esquiva de assuntos difíceis em sessão, mas como resultado o cliente evita novamente abordar o assunto e engaja-se em descrever situações agradáveis. O terapeuta pode ter ações diferentes diante dessa esquiva, mas em alguns casos ele acaba optando por deixar o cliente falar daquilo que lhe é mais confortável, reforçando negativamente (R-) a esquiva do cliente.
Dessa forma, é importante que o terapeuta conheça alternativas potencialmente produtivas para intervir. Assim, ele tem condições de experimentar intervenções variadas e observar quais delas lhe trarão as consequências objetivadas como, por exemplo, o cliente reconhecer sua esquiva, ou falar sobre algo difícil que lhe ocorreu, ou falar sobre como ele se sente ao ter que abordar assuntos difíceis, enfim, o comportamento esperado do cliente irá depender diretamente da formulação de cada caso.
Dentre as alternativas para lidar com esquivas, é possível valer-se da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) e da Psicoterapia Analítica Funcional (FAP).
A ACT é baseada na filosofia do Contextualismo Funcional, portanto, na prática psicológica o terapeuta analisa a função dos comportamentos do cliente a partir do contexto em que eles ocorrem e suas histórias de aprendizagem. Nessa perspectiva, as esquivas do cliente também são entendidas como ações que objetivam a eliminação de estimulações aversivas, sejam externas ou internas. Assim, ao se deparar com uma situação aversiva, é provável que a pessoa tenha sensações e sentimentos de mal-estar, raiva, irritação, desgosto, tristeza, desânimo, etc., então ela passa a evitar tanto os estímulos externos ao organismo como esses sentimentos e sensações, e essa segunda condição de esquiva chama-se esquiva experiencial. O problema neste tipo de esquiva é que o comportamento de evitar ou eliminar uma sensação ou sentimento aversivo não é produtivo na resolução da situação-problema que está produzindo tais sensações e sentimentos. Então, como meta geral de trabalho, o terapeuta busca ensinar o cliente a vivenciar o momento presente, suas emoções, sentimentos, pensamentos e memórias, definir seus valores e metas importantes, e permanecer comprometido com eles, contribuindo para a redução das esquivas contraprodutivas (Saban, 2015).
A FAP é baseada na filosofia do Behaviorismo Radical, que também é uma teoria contextual, ou seja, que permite analisar a função dos comportamentos a partir do contexto em que ocorrem e de suas histórias de aprendizagem. É um modelo de psicoterapia que se vale da própria relação entre terapeuta e cliente para lidar com comportamentos problemáticos (CRBs1) e facilitar comportamentos de melhora (CRBs2). Isso implica que tais comportamentos ocorram no contexto de sessão terapêutica e que sejam funcionalmente semelhantes aos comportamentos que o cliente emite em sua vida diária. Nessa perspectiva, os comportamentos-problema que ocorrem em sessão terapêutica frequentemente podem se constituir em esquivas, ou seja, a relação terapêutica ou o próprio terapeuta – naturalmente, sem que necessariamente precise criar uma condição artificial – pode fornecer estimulações aversivas, as quais podem despertar respostas emocionais desagradáveis no cliente e, então, este age de modo a reduzir ou eliminar a estimulação aversiva, seja aquela fornecida externamente na relação terapêutica, sejam as estimulações aversivas internas como as respostas emocionais desagradáveis. Como foco, o terapeuta busca criar condições favoráveis à emissão de comportamentos alternativos na relação terapêutica, os quais podem ser reforçados positivamente e naturalmente pelo terapeuta (Kohlenberg, Tsai & Kanter, 2011).
ACT e FAP são modelos de psicoterapia diferentes, mas se aproximam em alguns pontos, como na tentativa de trabalhar os comportamentos de esquiva do cliente. São por essas aproximações que, algumas vezes, ambos os processos são mesclados em prol de um mesmo objetivo. Para compreender como isso pode ser feito, considere o exemplo a seguir, em que o cliente evita falar de situações aversivas que ocorrem em seu dia-a-dia.
- Cliente: Diz que o terapeuta está errado, e começa a falar de como sua semana foi agradável (Esquiva na ACT ou CRB1 na FAP)
- Terapeuta: Deixa o cliente terminar de falar e realiza a atividade “Mão Não Dominante”, uma estratégia da FAP para evocar CRB2.
- Cliente: Escreve no papel, onde a atividade está exposta e entrega para o terapeuta.
- Terapeuta: Lê em silêncio as frases sinceras escritas pelo cliente e agradece por ele ter compartilhado aquelas informações por meio da atividade. Em seguida, o terapeuta analisa funcionalmente com o cliente o impacto para a terapia de expor e não expor como ele realmente se sente, evidenciando que ao não se expor o terapeuta não tem oportunidade para trabalhar em prol da melhora do cliente, mas se ele se expor pouco a pouco – no seu limite – o terapeuta tem como saber o tipo de ajuda que ele realmente precisa.
- Cliente: Concorda.
- Terapeuta: Pede, gentilmente, que o cliente seja sincero mais vezes, e que pontue para o terapeuta quando estiver muito difícil falar sobre o assunto, para que o terapeuta possa respeitar seus limites e ter o cuidado necessário.
- Cliente: Concorda.
- Terapeuta: Pede para que ele escolha uma situação real que possa representar as emoções que ele descreveu na atividade.
- Cliente: Cita uma situação difícil que ocorreu na semana. (CRB2 na FAP)
- Terapeuta: Faz o “Exercício dos Cartões” da ACT, com o objetivo de levar o cliente a entrar em contato com as emoções difíceis decorrentes dessa experiência, a observá-las e tolerá-las até que diminuam automaticamente, como ocorre em uma curva de respondentes (também pode ser um treino do componente “aceitação” da ACT).
- Cliente: Chora e permanece no exercício até os respondentes diminuírem em intensidade (aceitação na ACT – CRB2 na FAP)
- Terapeuta: Analisa os efeitos positivos de experimentar a aceitação emocional, e faz paralelos funcionais com situações da vida diária do cliente para que ele possa identificar ocasiões em que permitir-se experimentar e tolerar tais emoções possam trazer efeitos positivos semelhantes (paralelos funcionais constituem uma das etapas da FAP, a fim de auxiliar que as aprendizagens obtidas em sessão se generalizem para a vida diária do cliente).
Desta forma, o terapeuta elegeu a esquiva como um comportamento-problema e, por meio da ACT e FAP, buscou diminuir a frequência de ocorrência dessas esquivas em sessão e facilitar a ocorrência de algum comportamento-alvo que, neste caso, consistiu em o cliente permitir-se sentir as sensações, emoções e pensamentos desagradáveis, e permanecer em contato com eles até que a curva de respondentes diminuísse de intensidade, contribuindo para o treino de aceitação emocional e para a promoção de melhorias na maneira como o cliente lida com os eventos de sua vida.
REFERÊNCIAS
Kohlenberg, R. J.; Tsai, M. & Kanter, J. W. (2011). O que é Psicoterapia Analítica Funcional (FAP)?. In. M. Tsai; R. J. Kohlenberg; J. W. Kanter; B. Kohlenberg; W. Follette & G. M. Callaghan. (Eds.), Psicoterapia analítica funcional (FAP): consciência, coragem, amor e behaviorismo. (pp. 21-42). Santo André: ESETec.
Saban, M. (2015). O que é Terapia de Aceitação e Compromisso? In. P. Lucena-Santos; J. Pinto-Gouveia & M. S. Oliveira. (Eds.), Terapias Comportamentais de Terceira Geração: guia para profissionais. (pp. 179-216). Nova Hamburgo: Sinopsys.
Skinner, B. F. (1979/2003). Aversão, evitação, ansiedade. In. B. F. Skinner. (Ed.), Ciência e Comportamento Humano. (pp. 187-198). São Paulo: Martins Fontes.