A Psicoterapia de casal comportamental pode ajudar os casais que buscam terapia de diversas maneiras, como, por exemplo, desenvolvendo no casal repertório de resoluções de problemas, ensinando repertórios para comunicação mais efetiva, fortalecendo vínculos, ampliando autoconhecimento mútuo, entre tantos outros benefícios. Em resumo, nesse modelo de terapia são muito valorizados os aspectos funcionais do comportamento e suas consequências para os parceiros e, de um modo geral, o objetivo da intervenção terapêutica é aumentar a taxa de intercâmbios positivos em relação aos negativos, dada a demonstração experimental da importância desse fator no ajuste conjugal.
Depois de alguns anos de atendimento, quando recebemos casais em nosso consultório, é fácil identificar as queixas que refletem todos os tipos de déficits ou excessos comportamentais que trazem perdas funcionais para os pares em atendimento. Nesse aspecto, o conhecimento teórico, acrescido da prática clínica, irá ajudar a discernir o que é prioridade para o casal no conjunto de queixas e o que não é apresentado como queixa, mas é relevante. Falando da teoria e da prática, há um ponto de equilíbrio desejável que é construído gradualmente entre ambas. Mas mesmo o atingindo esse ponto, ainda esbarramos em algumas dificuldades durante o processo de terapia. Este texto traz como proposta justamente a discussão de alguns obstáculos que podem emergir no decorrer da psicoterapia de casal e a necessidade de desconstruí-los para evitarmos que eles recaiam sobre o processo do par em atendimento.
De acordo com Lázarus (1992), os membros do casal podem vir a se tornarem insatisfeitos na relação por acreditarem em crenças errôneas que muitas vezes surgem através de mitos conjugais, ou seja, por estarem sob controle de regras imprecisas. Podemos dizer que esse é o primeiro obstáculo para o alcance de resultados satisfatórios em terapia. Regras imprecisas a respeito do processo terapêutico ou a respeito de comportamentos operantes do parceiro ou da parceira envolvidos na relação podem interferir na condução da terapia e impedir ganhos clínicos. Padrões comportamentais sustentados por regras caóticas, que trazem prejuízo ao casal, exigem que o terapeuta trace estratégias de aceitação ou se for o caso, que instale outros repertórios que propiciem a manutenção de reforçadores positivos entre membros de uma díade. Isso porque nesse tipo de terapia é frequentemente trabalhada a capacidade de partilhar e criar situações reforçadoras.
Partilhar situações reforçadoras, diante de relações já desgastadas, pode ser outro obstáculo em processos terapêuticos com casais. É sabido que, como terapeutas, para termos êxito em algumas intervenções, iremos depender de uma postura colaborativa do par no decorrer das sessões. Nesse caso, colocar o casal conjuntamente em contato com novas contingências, por exemplo, acabaria sendo algo evitado por eles. Perceberemos que casais têm instalado repertórios de esquiva bem funcionais e bloquear essas esquivas pode ser algo desafiador para o terapeuta e para o casal também. Uma sugestão seria criar uma hierarquia de exposições que começaria com situações de exposições mais amenas, que exijam menos do par, ou seja, que tenham para o casal um menor custo de resposta. Estratégias de exposições assim são pautadas em instruções dispostas pelo terapeuta, o que pode ser arbitrário, mas, ao mesmo tempo, pode ampliar as chances de o casal entrar em contato com as consequências naturais mediadas por essas exposições.
Transpor obstáculos que impedem a condução do casal a novas exposições é imprescindível porque, em muitos casos, a ausência de contato direto com as contingências impede a construção de comportamentos duradouros, ou seja, que se manterão mesmo com o término da terapia. A literatura analítico-comportamental sugere que o comportamento sob controle de instruções somente provará ser generalizável e duradouro à medida que ele finalmente venha a ser controlado por contingências naturais (Skinner, 1974). Por exemplo, o terapeuta pode solicitar que o casal escolha fazer algo que eles faziam na época do namoro. Vamos imaginar que seja ir ao cinema. Mesmo que façam isso pela instrução do terapeuta, o casal terá chances de entrar em contato diretamente com uma contingência que pode ser bem reforçadora, aumentando a possibilidade de generalização para outras situações que eles acreditem que possa ser tão reforçadora quanto aquela.
Com o objetivo de ampliar o potencial curativo da TCC e aumentar a qualidade dos seus manejos e intervenções que visassem favorecer um maior número de casais no consultório, foi proposta uma reformulação da TCC, desenvolvida por Jaconbson e Christensen (1992, citado em Cordova e Jacobson, 1993), baseada na integração de novas estratégias para promover aceitação emocional, com as estratégias mais tradicionais promotoras de mudança, referindo-se a essa abordagem revisada como Terapia de Casal Comportamental Integrativa (TCCI). Nessa abordagem revisada que, como analistas do comportamento, usamos hoje para atender casais, os tratamentos tenderiam a proporcionar aos terapeutas a possibilidade de construir um repertório mais flexível em termos de intervenção e mais eficaz em termos de resultados.
Essa reformulação resultou de achados de pesquisa e de experiência clínica com casais para os quais a TCC não foi eficaz. Nesses casos foram observados alguns obstáculos pontuais como, por exemplo, a gravidade das crises dos casais e o tempo que os pares estiveram expostos a padrões destrutivos de interação. Essas duas características têm impacto direto na promoção de aceitação emocional quando trabalhamos no consultório com a TCCI. Assim, a aceitação pode promover mudança porque remove o principal foco de problemas entre casais, que é tentar mudar o outro. Além disso, promove maior tolerância para com as características indesejáveis do outro, modifica o ambiente de conflito, possibilitando e viabilizando mudanças, e aumenta a intimidade do casal, fazendo com que ambos passem a valorizar as características positivas do parceiro.
No caso de casais com comportamentos pouco colaborativos, essa condição também é um grande obstáculo para a terapia do par em atendimento. Por mais que possa ir contra a tudo o que foi dito até agora, nesses casos, quanto menos colaborativo for um casal, mais plausível que as estratégias de aceitação por si só não se mostrem tão efetivas desde o início do tratamento. Um casal que não se sinta, por exemplo, comprometido para estar junto, em um primeiro momento da terapia carece de intervenções que o faça inicialmente entrar em contato com algumas mudanças no parceiro ou na parceira para, então, beneficiar-se com elas. Visto que sentir-se comprometido com um relacionamento é um evento privado, depois da promoção de algumas mudanças, aí sim a ênfase sobre a aceitação emocional deve ser um mote nessa terapia, já que a promoção da aceitação é uma abordagem mais eficaz do que a ênfase na mudança, quando nosso objetivo é a generalização e a perpetuação dos ganhos clínicos (Jaconbson & Christensen, 1992).
Algumas características do terapeuta também podem ser obstáculos no processo com casais. Um terapeuta rígido, inflexível e que não aceita crítica poderá, por exemplo, ter problemas de construir um vínculo consistente com o casal, o que irá prejudicar as intervenções que ele pode trazer como proposta. Nesse caso, saber receber críticas e dar modelos de comportamentos assertivos será repertório no qual um terapeuta irá precisar investir para que isso não atrapalhe o casal em terapia.
Christensen e Jacobson (2000, citado por Otero & Ingberman, 2004) sugerem que o terapeuta precisa ter outras habilidades, como ser capaz de utilizar metáforas pertinentes, estar atento à linguagem do casal, usar o bom humor, desenvolver nos clientes uma maneira diferente de falar dos problemas, ensiná-los a descrever suas histórias, interromper quando necessário, assim como ser claro ao que se refere ao seu papel enquanto terapeuta de casal, evitar julgamentos dos membros que compõem a díade que está sendo acompanhada, evitar comparações entre os pares, favorecer a auto-observação, o autoconhecimento mútuo e fornecer feedbacks.
Essas habilidades, associadas a toda história de vida do terapeuta, seus conceitos e preferências pessoais, exercem alguma influência, intencional ou de forma indireta, no casal. Isso é intrínseco a todas as psicoterapias, podendo ser um fator positivo ou negativo. De uma forma negativa, pode ser obstáculo aos progressos do casal em terapia, a pressão para revelação de dados muito pessoais ou imposição de valores. Essas ações são condições contraproducentes em terapia de casal e não devem estar presentes nos atendimentos. Mas há os aspectos positivos, como empatia, cordialidade e respeito, que podem e devem ser usadas sempre com foco nos ganhos clínicos do casal.
Apesar de todos os obstáculos que envolvem a psicoterapia de casal, é muito reforçador para o terapeuta ter a oportunidade de mediar essas sessões, de ajudar os pares acessar ganhos clínicos e de observar dois adultos se relacionando com mais qualidade, onde os ajustes são feitos sem embates e de forma madura. A importância do terapeuta se manter em constate atualização, reside justamente na busca para oferecer ao casal repertórios cada vez mais refinados, para juntos, transporem obstáculos que surgirão no caminho da terapia.
Referências Bibliográficas
Cordova, J. V., & Jacobson, N. S. (1999). Crise de Casais. In D. H. Barlow (Org), Manual Clínico dos Transtornos Psicológicos (pp. 535-567). Porto Alegre: Artmed. (Original publicado em 1993).
Lazarus, A (1992). Mitos Conjugais. Campinas: Editorial Psy.
Otero, V. R. L. & Ingberman, Y. K. (2004). Terapia Comportamental de casais: Da teoria a prática. Em M. Z. Brandão (Org.), Sobre o Comportamento e Cognição: Vol. 13. Contingências e metacontingências: Contextos socioverbais e comportamento do terapeuta (pp. 363-373). Santo André: ESETec.
Skinner, B. F. (1982). Sobre o behaviorismo. São Paulo, SP: Cultrix. (Original publicado 1974)