Que negócio é esse de previsão e controle?

http://3.bp.blogspot.com/-64ZjUr_kq5A/Taw6hnWGz2I/AAAAAAAAAJ4/aQgIaIZKIrc/s1600/mae-dina1.jpg
“O ambiente deu sua primeira grande contribuição durante a evolução das espécies, mas exerce um tipo de efeito diferente durante o tempo de vida de um indivíduo, e a combinação desses dois efeitos é o comportamento que observamos em dado momento. Qualquer informação disponível sobre a contribuição de ambos ajuda na previsão e controle do comportamento humano, e em sua interpretação na vida cotidiana. Na medida em que ambos podem sofrer mudanças, o comportamento também pode ser alterado.”
(Skinner, 1974).

Em um de meus textos anteriores (que você encontra aqui) tratei dos problemas que alguns termos técnicos da Análise do Comportamento acarretam diante do público leigo, mais especificamente o termo condicionamento. Condicionamentos são uma parte inerente de tudo que existe em um determinado espaço-tempo, ou seja, todo fenômeno é condicionado por outros, no sentido de que ocorre em condições mais (ou menos) específicas. Há quem diga que não existem dois fenômenos físicos rigorosamente iguais, o que quer dizer, em outras palavras, que as condições gerais que ocasionaram a ocorrência desses fenômenos são inevitavelmente diferentes.

No entanto, condicionamento costuma ser sinônimo de manipulação, de fascismo, de autoritarismo, de ausência de liberdade e, talvez uma das acusações mais graves em um mundo permeado de valores maniqueístas, por vezes de base cristã, de ser uma coisa maligna – não que os outros sinônimos mencionados não sejam ruins por si só, ou mesmo ruins o bastante. Coisa parecida acontece a respeito das expressões previsão e controle do comportamento, anunciadas por John Watson (1913/2008) como objetivo de uma até então nascente ciência do comportamento e – ao contrário da maior parte do edifício teórico e filosófico do behaviorismo clássico watsoniano – sobreviventes ao escrutínio do tempo e do avanço do conhecimento científico.

O famoso linguista e ativista político Noam Chomsky (2016), por exemplo, acredita que a “lavagem cerebral” e a indústria das relações públicas e comerciais, baluartes capitalistas, se beneficiam em ampla medida de técnicas de condicionamento, previsão e controle do comportamento, principalmente porque precisam “produzir desejos” para a manutenção do sistema de consumo. De dentro da psicologia explodiram críticas ao suposto caráter manipulatório da ciência behaviorista, sendo Carl Rogers talvez o representante mais expressivo.

Neste texto tentarei demonstrar que, por mais espantoso e controverso que possa parecer, a maior parte do que fazemos envolve previsão e controle, inclusive e especialmente do comportamento humano. Utilizarei exemplos da literatura e do cotidiano na tentativa de descrever situações em que buscamos prever e controlar o comportamento de outras pessoas (e também o nosso próprio comportamento), porque essa não é apenas uma parte cotidiana de nossa vida, ela é fundamental para qualquer relação social.

Previsão

O Dicionário Informal define previsão como “ato ou efeito de prever, adivinhar algo”. É comum em nossa cultura a prática de prever, ou tentar adivinhar algo, especialmente porque somos tidos como um animal socialmente orientado para o futuro, supostamente uma diferença fundamental entre humanos e outros animais. Falemos um pouco sobre previsão do comportamento.

Digamos que seja aniversário de sua namorada. A ocasião pede um presente e sua missão é agradá-la, escolher algo que a deixe feliz e contente, que seja útil e marcante, mas o grande problema é: como você pode saber a reação dela a um fato que ainda não aconteceu? Eis aí o primeiro exemplo evidente da importância da previsão. Você precisa prever como ela vai se sentir, como vai reagir, o que ela poderia dizer ou fazer, precisa prever qual será a melhor escolha para agradá-la segundo seus gostos e preferências. As únicas referências que você tem para guiar sua escolha são suas histórias em comum e as impressões que ficaram, momentos em que se presentearam, em que conversaram sobre gostos e vontades, quando ela pode ter comentado sobre uma roupa que gostou na vitrine, sobre um livro que quer ler, sobre um disco de sua artista preferida.

O fato é que escolher um presente para alguém implica em uma tentativa de previsão do comportamento da pessoa presenteada, na medida em que lidamos com um fato que ainda não aconteceu e, por vezes (como quando o presente é de amigo secreto, por exemplo, ou para alguém que não conhecemos), não temos pista alguma do que possa vir a agradar ou desagradar tal pessoa.

Outro bom exemplo é o papel do professor. Digamos que você seja professor, e entre suas atribuições mais importantes esteja o exercício inicial de estabelecer objetivos de ensino, ou seja, o de se perguntar o que quer que seus estudantes façam durante e ao final de sua disciplina. Isso implica em prever os potenciais efeitos dos métodos (meios) de sua intervenção. O educador é quem tem o papel de programar condições para que comportamentos (previstos) aconteçam e sejam reforçados, se tornando, assim, parte do repertório do estudante. Seu trabalho – programar contingências de ensino – pode ser feito de muitas formas, sendo as mais tradicionais (mas nem sempre mais efetivas) o uso de textos didáticos, aulas expositivas, testes e avaliações, ou mesmo rodas de conversa e perguntas esporádicas para observar como os estudantes estão acompanhando o conteúdo.

O fato é que programar contingências de ensino, ou condições favoráveis para que os estudantes aprendam aquilo que constitui objetivo da disciplina, é, em última análise, fazer um conjunto imenso de previsões com base em experiências passadas do professor, dos próprios alunos, e de uma literatura científica vasta relacionada a ensino e aprendizagem. Problemas de aprendizagem relacionados ao método de ensino utilizado certamente surgirão, e cabe ao professor novamente pensar sobre formas alternativas de produzir os mesmos objetivos.

Um terceiro e importante exemplo é a criação de uma filha ou filho. Digamos que você tenha uma filha, ou esteja responsável pela criação de uma criança. Enquanto pai, mãe, avó, ou seja quem for, seu papel é o de promover as melhores condições de desenvolvimento para essa pessoinha, facilitando a aprendizagem de repertórios básicos de sobrevivência, a princípio, e repertórios vastos e complexos de interação social e resolução de problemas, posteriormente. Em suma, seu trabalho é promover ambientes ricos e nutridores, que irão modelar e manter comportamentos que caracterizam, em nossa cultura, uma pessoa saudável e feliz.

Lidar com o desenvolvimento de uma pessoa é prever quais serão as potenciais melhores condições para que esses comportamentos ocorram e sejam positivamente reforçados e, portanto, a pessoa cresça em um ambiente que favoreça seu desenvolvimento intelectual e emocional. Em última análise, você precisa lidar com adversidades, com imprevistos e com condições que vão além de seu poder enquanto cuidador. Além de prever, é preciso improvisar.

Um último exemplo, talvez mais intuitivo, é o papel de investigador. Problemas dos mais diversos acontecem. Pessoas matam, roubam, agridem, fazem todo tipo de atrocidades. O papel do investigador é estar um passo a frente do agressor, tanto para evitar que cometa uma agressão de qualquer natureza, quanto para conseguir encontra-lo e responsabilizá-lo após o ocorrido malfeito. Sherlock Holmes e sua capacidade de dedução talvez sejam os mais célebres modelos dessa atividade, mas eu gosto mais do excêntrico e perfeccionista belga criado por Agatha Christie, monsieur Hercule Poirot.

Poirot não é um grande fã de sair atrás de pistas por aí. Seu forte é o trabalho de contemplação e dedução, ou, em suas palavras, o trabalho mental e o bom uso das células cinzentas. Para ele, não há problema que não possa ser resolvido com aplicação, ordem e método, e para os propósitos deste texto, o mais importante a respeito dos métodos do detetive belga é que constituem uma forma meticulosa de investigação das condições em que os crimes ocorreram, através da possibilidade de investigação meticulosa dos arranjos cuidadosos das condições em que os crimes que investiga foram cometidos. Após interrogatórios e incontáveis horas de contemplação, as respostas ao quebra-cabeças começam a clarear: “A explicação mais simples é sempre a mais provável”, afirma Poirot.

O famoso bigode do detetive belga e sua fé inabalável na ordem e no método.

O famoso bigode do detetive belga e sua fé inabalável na ordem e no método.

Controle

No Dicionário Informal, a palavra controle é definida de duas maneiras: 1) “o mecanismo pelo qual é medido o resultado de um processo comparando com um valor desejado e atuando no mesmo de forma a alterar o resultado, medindo novamente o resultado e assim sucessivamente”; 2) “Forma de poder exercido sobre determinada coisa ou pessoa”. A primeira guarda forte relação com as ferramentas de investigação de relações entre eventos, ou seja, fala sobre um método de avaliação de relações funcionais entre variáveis. A segunda guarda forte relação com o modo pelo qual as pessoas se relacionam umas com as outras e com o mundo ao seu redor. As duas definições são importantíssimas para uma ciência do comportamento, especialmente o humano, e serão discutidas aqui.

Para que fique claro, controle, no sentido de influência que eventos exercem uns sobre os outros, é uma característica inerente a qualquer fenômeno da natureza. A temperatura de um determinado lugar é controlada – ou sofre influências – por muitos fatores, como altitude, latitude, pressão atmosférica, horário, presença de vegetação, grau de urbanização, entre outros milhares de fatores. De forma semelhante, o desenvolvimento cerebral é controlado – ou sofre influências – de múltiplos fatores como relações intercelulares, regulação gênica, regulação epigenética, alimentação, exposição a agentes tóxicos, exposição a barulho, exposição a estimulação olfativa, gustativa, auditiva, visual, e assim por diante. Agentes químicos se relacionam uns com os outros e produzem moléculas novas, substâncias diferentes, diferentes tipos de comidas, bebidas, substâncias nocivas, e a lista só aumenta. Notem que falei de eventos físicos, eventos biológicos, eventos químicos, mas quando o assunto em questão é o comportamento humano e as relações sociais complexas (que também são eventos físicos, ou naturais), parece que a coisa muda de figura. Recuperar os exemplos mencionados anteriormente pode ser útil para ilustrar a questão.

O presente que deu à sua namorada na tentativa de agradá-la, fazê-la feliz, contente ou satisfeita é uma forma de controlar seu comportamento, no simples sentido de produzir uma reação ou comportamento que te agrada, te deixa feliz, contente ou satisfeito. Em outras palavras, deixa-la feliz é reforçador para você. As razões que te motivam a fazê-lo precisam ser investigadas – talvez a ajuda de Poirot aqui caísse bem – na sua história de relações com ela e outros relacionamentos semelhantes, mas o fato dessa busca ser árdua não faz o controle desaparecer.

As condições de ensino que você preparou para seus estudantes exercem controle sobre o comportamento deles, no sentido de que seu comportamento está em relação com as condições por você manejadas. O professor é o responsável por promover novas aprendizagens, ou seja, ele é o ambiente social inicial que modela e mantém respostas novas dos aprendizes, e é o responsável também por colocar tais respostas novas em relação com estímulos diferentes, na tentativa de estimular o que chamamos de “pensamento crítico”, ou “criativo”. O comportamento do estudante fica sob controle das condições manejadas pelo professor e para além, e o comportamento do professor fica sob controle do desempenho dos estudantes. O controle é multidimensional, bidirecional e JAMAIS unidirecional.

Ao educar uma criança, você, de forma semelhante ao professor, é responsável por promover condições que favoreçam o aparecimento e manutenção de comportamentos novos e saudáveis. Em outras palavras, você é parte significante do ambiente social dessa pequena pessoa, e muito do que ela faz fica sob controle do que você faz. Assim como no caso do professor, o inverso também é verdadeiro, e se as condições que você criou não dão muito certo, o controle que o comportamento da criança exerce sobre o seu o faz mudar a estratégia, tal como o professor que tenta explicar algo de um jeito diferente para a criança que não entendeu na primeira tentativa. O controle é multidimensional.

A investigação policial não tem porque ser diferente (como tudo que envolva relações comportamentais), e o comportamento do investigador precisa estar sob controle do maior número de evidências concretas possíveis caso tenha alguma esperança de solucionar um caso ou apanhar o suspeito. Poirot se esforçava para metodicamente (e metodologicamente) ordenar suas evidências e construir uma narrativa plausível e convincente, no mesmo sentido em que um pesquisador experimental busca descrever relações entre as variáveis que se dedica a estudar.

Os exemplos são infindáveis, diferente deste texto, que já caminha para um final. Mas não sem antes mencionar os problemas do controle no sentido da segunda definição mencionada anteriormente. Controle é uma condição inerente a qualquer relacionamento entre eventos no mundo, mas isso não significa que todo relacionamento entre eventos no mundo seja coercitivo e abusivo ou explorador. A confusão habitual é entre controle e coerção, e isso não é por acaso, como tentou mostrar Skinner em seu Para Além da Liberdade e da Dignidade (1971). Temos facilidade em perceber o controle quando ele é coercitivo, especialmente o violento; pessoas são chamadas de manipuladoras, chantagistas, interesseiras e maquiavélicas. As denúncias de Chomsky (2016) sobre a mídia e sistemas de propaganda se encaixam nessa categoria, e de muitas formas o controle coercitivo é reprovado socialmente, ainda que continue firme e forte no nosso modelo de organização social, sendo a base do poder Estatal, como denunciam anarquistas há gerações a fio.

O controle positivo, no entanto, é frequentemente negligenciado. Anthony Biglan (2015) publicou um livro fantástico recentemente sobre os efeitos do controle positivo através da criação de ambientes enriquecedores e que nutrem relações sociais de cooperação e harmonia, e há extensa literatura sobre os efeitos fantásticos do uso de tecnologias educacionais baseadas no uso de consequências positivas em diversos contextos, como o Good Behavior Game, o Positive Behavioral Intervention Support (P.B.I.S), entre outros. Controle positivo é muito diferente de controle coercitivo, ainda que seja impossível e de certo modo indesejável evitar toda e qualquer adversidade, pois faz parte da vida.

Concluindo, previsão e controle são coisas que fazemos a todo momento, e não há hipótese alguma de mantermos uma cultura que não envolva algum tipo de previsão e controle sobre as condições em que vivemos. O comportamento operante é o campo da intenção e do propósito (de Rose, 1982; Skinner, 1974), e propósito e intenção nada mais são do que expressões que apontam para as consequências do comportamento. Assim como não é preciso ter medo do condicionamento, como eu disse em outro momento, não é preciso ter medo da previsão e do controle. Na verdade, é preciso aprender a manejar as condições em que vivemos para que tenhamos mais conhecimento de nós mesmos, dos outros e da natureza, e dessa forma possamos identificar o controle coercitivo exercido sobre nós, produzir contracontroles efetivos e, o mais importante, melhorar a qualidade de vida e o bem estar das pessoas.

Referências

Biglan, A. (2015). The nurture effect: how the science of human behavior can improve our lives and our world. Oakland: New Harbinger.

Chomsky, N. (2016). Por que tenho esperanças. Entrevista concedida ao portal Truthout na ocasião da publicação de novo livro. Disponível em: http://outraspalavras.net/posts/chomsky-por-que-tenho-esperancas/

Christie, A. (2002). O Misterioso Caso de Styles. Lisboa: Asa Editores.

de Rose, J. C. (1982). Consciência e propósito no behaviorismo radical. In In: B. Prado Jr. (Org.), Filosofia e comportamento (pp. 67-91). São Paulo: Brasiliense

Skinner, B. F. (1971). Beyond Freedom and Dignity. London: Penguin Books

Skinner, B. F. (1974). About Behaviorism. New York: Knopf.

Previsão. (2009). In Dicionário Informal, Brasil: http://www.dicionarioinformal.com.br/previs%C3%A3o/

Controle. (2015). In Dicionário Informal, Brasil: http://www.dicionarioinformal.com.br/controle/

0 0 votes
Article Rating

Escrito por Diego Mansano Fernandes

Diego é um um jovem analista do comportamento, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e formado no interior. Formado em Psicologia pela UNESP de Bauru, e Mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem também pela UNESP de Bauru, voltado para a Análise Comportamental da Cultura.

Formação em Master Contextual Coaching – Instituto Nicodemos Borges

Dica de leitura: INTRODUÇÃO À TECNOLOGIA COMPORTAMENTAL DE ENSINO