Ao iniciarmos a faculdade de Psicologia aprendemos inúmeras regras de como os terapeutas devem se comportar dentro ou fora do consultório psicológico. Aprendemos que precisamos ser “neutros” e que não podemos influenciar ou induzir nenhum comportamento nos clientes diante de nossos valores e convicções. O código de ética é rigoroso e estabelece um padrão de conduta entre profissional e cliente pautado no respeito aos direitos fundamentais. Seguir algumas normas no atendimento faz parte de um trabalho minimamente ético.
A relação entre o profissional e cliente vai sendo estabelecida e modificada a todo momento. Por isso é importante que os atendimentos tenham uma função específica e clara tanto para o cliente quanto para o profissional, portanto fazer uma análise funcional do caso em atendimento é imprescindível para uma melhor condução do processo terapêutico. É também necessário que o terapeuta, tenha um bom nível de discriminação dos seus próprios comportamentos e sentimentos, principalmente dos que ocorrem durante a sessão de psicoterapia para ampliar seu conhecimento e limites acerca do processo terapêutico. A neutralidade do terapeuta pode ser observada e questionada sob vários aspectos. Iremos falar sobre o comportamento de não ser neutro levando em consideração o comportamento de induzir qualquer opinião ao cliente, pela maneira como o terapeuta se comporta em sessão, como fala, se veste, sua empatia, seu interesse profissional no cliente sua abordagem teórica etc. É certo que existem muitas questões acerca deste tema a serem debatidas, questionamentos sobre influência do comportamento do terapeuta no cliente, que poderão ser abordados mais especificamente em outros textos futuros.
Quando falamos sobre o terapeuta ser neutro no atendimento clínico, é comum nos remetermos aos artigos existentes no código de ética que dialoga sobre a conduta parcial que o psicólogo deve ter diante de alguns aspectos, principalmente sobre seus posicionamentos, valores humanos e convicções na relação com o cliente.
Por isso poderíamos dizer que ser neutro seria o profissional não convencer ou induzir o cliente, direta ou indiretamente, de suas convicções; e também, não deixar influenciar seu atendimento pelo estado emocional que possa estar vivendo no momento. Mas será que apenas quando o terapeuta emite suas opiniões e valores estaria influenciando seu cliente? Poderíamos também pensar que se utilizar de vestimentas, adereços ou comportamentos extravagantes e/ou pouco convencionais para um ambiente clínico como por exemplo: falar alto, gesticular demais, ser grosseiro, vestir-se de forma e com trajes inadequados para o ambiente ou até mesmo tendo um comportamento incoerente com o ambiente clínico, não estaríamos influenciando os clientes e desta forma, sendo modelo direto para seu comportamento?! Poderíamos questionar a neutralidade sob vários aspectos e pontos de vista, mas iremos nos ater a uma única questão, a de ser modelo para o cliente simplesmente pela forma peculiar de se comportar de cada profissional que é determinado por uma série de fatores, principalmente por sua história de aprendizagem.
É percebido que a abordagem teórica adotada e/ou a demanda atendida também pode estabelecer uma identidade profissional em cada terapeuta. Por exemplo: uma psicóloga infantil não precisa ser formal no momento em que tenha o primeiro contato com a criança nem durante as sessões. Ser mais solta e informal pode favorecer muito o estabelecimento do vínculo. Portanto, é bem provável que se andássemos pelos consultórios de todos os estados brasileiros encontraríamos formatos variados de terapeutas considerando que cada região do país tem tradições, cultura e clima diferentes que pode fazer com que as contingências sejam modificadas de estado para estado.
Com tudo que nos é passado nos anos de faculdade, aprendemos muitas coisas relacionadas a como nos comportar, o que fazer, o que não fazer ao atender um cliente, mas a verdade é que, embora sejam ensinamentos importantíssimos, sabemos que além da teoria, é com a prática que aprofundamos nossos conhecimentos e modelamos nosso comportamento enquanto terapeuta e por consequência o dos nossos clientes.
O primeiro contato com o terapeuta é primordial para a continuidade das sessões. A forma como o terapeuta recebe o cliente, como se comporta diante do relato da queixa, como se veste, o tom que fala, o quanto acolhe o cliente e sua demanda, provavelmente são características observadas pelo cliente ao chegar no consultório para uma sessão psicoterápica. Alguns cuidados quanto a sua apresentação e a forma como interage com o cliente devem expressar segurança, atenção, disponibilidade, cordialidade e competência (Otero, 2012). A medida que vamos estabelecendo uma relação com o nosso cliente vamos nos tornando fonte de reforçamento para ele, tendo em vista isso, é difícil não influenciar e muitas vezes não ser modelo. Portanto, a primeira sessão pode ser primordial para a adesão ao tratamento, e é nessa sessão que precisamos fazer com que o cliente tenha “vontade” de voltar. De acordo com Silveira (2012), o modo como o cliente percebe o profissional é preditor de sua adesão ao tratamento, o que significa que algo no terapeuta se torna reforçador para que o cliente queira retornar na sessão seguinte. E esse “algo” pode ser o tom da voz, a segurança que é passada ao cliente sobre seus conhecimentos, a forma como se veste, uma semelhança com alguém por quem sente carinho ou tem algum outro sentimento etc. Não é possível prever quais critérios cada cliente utiliza, mas sabemos que é algum estímulo discriminativo presente no terapeuta e no ambiente clinico reforça o comportamento de continuar o tratamento.
Podemos dizer que o comportamento de prestar atenção na fala do cliente, ser audiência não punitiva e ser criativo são características imprescindíveis para se tornar um psicólogo clínico, como também é necessário desenvolver um repertório especial e específico para isso. Essa formação pode ultrapassar todos os muros da graduação e pós graduação. Só aqueles que se aventuram nessa experiência poderão ter uma real compreensão do que se trata esse processo.
Sabemos que o comportamento não é gerado espontaneamente. Muitos comportamentos dos clientes que acontecem durante a sessão psicoterápica, na maioria das vezes, já ocorrem ou ocorreram fora do ambiente clínico e tem relação com sua história de vida e de aprendizagem. O comportamento do cliente também pode ser evocado pelo clínico durante a sessão. Na FAP (Psicoterapia Analítico Funcional) chamamos de comportamentos clinicamente relevantes (CRBs) esses comportamentos que ocorrem durante a sessão e que podem ser modificados no ambiente clínico e generalizados para situações semelhantes na vida do cliente (Borges, Cassas & Cols, 2012). Portanto o terapeuta pode evocar, “influenciar” as respostas do cliente, podemos dizer que, nós terapeutas, deixamos de ser neutros e imparciais também nesse momento. Mas é claro que toda intervenção do terapeuta, mesmo sendo para evocar algum CRB, tem uma função terapêutica e específica durante o processo clínico.
Falando do aspecto físico, já representamos um lugar no ambiente. Dadas as características físicas de ser mulher, ser homem, magro, alto, branco ou negro e outros, já são descrições de nós mesmos que podem se tornar estímulo discriminativo para o cliente. Cada um desses estímulos pode estar relacionado a alguma regra ou experiência vivida pelo cliente, o que pode comprometer a neutralidade do psicólogo.
Em minha experiência como orientanda, já tive supervisor que dizia que era preciso ser estímulo neutro ou no mínimo pequeno para o cliente. Que alguns estímulos discriminativos não são favoráveis para esse tipo de relação e portanto deveriam ser minimizados (decotes, unhas pintadas, brincos grandes, maquiagem exagerada) nos atendimentos. Em uma ampla análise da minha postura enquanto terapeuta e supervisionanda de vários professores que atuam de forma diferente, acredito que seja difícil afirmar o que de fato é determinante para essa relação, existem muitos estímulos e variáveis a serem observadas.
Quando um cliente procura um atendimento clínico por se encontrar em conflito, o terapeuta decide como intervir e abordar o problema e nesse momento pode estar sob o controle de suas próprias convicções e história de vida. E ao observar e ouvir os relatos do cliente escolhe o que abordar, como falar, como apontar e o que devolver para o cliente. Ex: uma cliente poderia ter o seu relato abordado de diversas formas se analisadas por vários psicólogos diferentes. Levando em consideração que o terapeuta torna-se também uma grande fonte de reforço para o cliente.
Conclusão
Diante dos tópicos levantados é impossível que o terapeuta seja neutro para o cliente, tendo em vista tudo o que pode representar e apresentar como estímulo discriminativo para o cliente e no ambiente clinico. Seja seguindo as regras estabelecidas pelo código de ética, seja pela postura do terapeuta ou suas características ou também pela abordagem que cada terapeuta segue e aplica. Poderíamos dizer que terapia não é uma prática neutra e que somos agentes que temos por finalidade promover mudanças necessárias nos nossos clientes, o que é um dos grandes objetivos do processo terapêutico. Se pararmos para nos perguntarmos o quanto características como postura, empatia e interesse do terapeuta em seu cliente faz com que nos tornemos fonte de influência intervindo, direta e indiretamente, vamos notar que isto é um processo contínuo e que acontece a todo o momento no processo terapêutico. Essa interação exerce múltiplas funções para ambos. Então, não é possível dizer que o terapeuta seja neutro dentro do ambiente psicoterápico seja lá por qual for o ponto de vista a ser analisado.
Referências:
Borges, Cassas & Cols. (2012). Avaliação funcional como ferramenta norteadora da pratica clínica analítico comportamental. Em: Borges, N. B. & Cassas, F. A. (2012) Clinica analítico comportamental: aspectos teóricos e práticos. Porto Alegre: Artmed
Otero, V. R. L. (2012). Considerações sobre valores pessoais e a prática do psicólogo clínico. Em: Borges, N. B. & Cassas, F. A. (2012) Clínica analítico comportamental: aspectos teóricos e práticos. Porto Alegre: Artmed
Silveira, J. M. (2012) A Apresentação do clinico, o contrato e a estrutura dos encontros iniciais na clínica analítico comportamental. Em: Borges, N. B. & Cassas, F. A. (2012) Clinica analítico comportamental: aspectos teóricos e práticos. Porto Alegre: Artmed
Skinner (1953/1981). Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes