Esquiva e fuga: uma hipótese de efeitos de médio e longo prazo

Toda vez que falamos em controle aversivo do comportamento, estamos falando de fenômenos comportamentais básicos como o reforçamento negativo, a punição (positiva e negativa) e também da extinção operante[1].

Ao falar em reforçamento negativo estamos nos referindo à função de ao menos dois comportamentos, que seriam aqueles denominados fuga e esquiva. A nível didático poderíamos apontar que esses comportamentos são autoexplicativos, uma vez que, pela esquiva, você evita a ocorrência de um evento aversivo e, fugindo, o evento aversivo em ocorrência é interrompido[2].

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Esses comportamentos têm vantagens óbvias, principalmente se pensarmos em contingências de sobrevivência para depois entendermos as contingências de reforçamento[3]: qualquer comportamento que, de alguma forma, encerra a ocorrência de uma ameaça é considerado um reforçador generalizado tamanha sua potência de controle sobre o homem. Nossos antepassados e quaisquer espécies infra-humanas que foram naturalmente selecionadas precisaram apresentar comportamentos de fuga e esquiva eficientes o suficiente para se manterem vivos. Ou seja, a fuga e a esquiva apresentam vantagens óbvias para a sobrevivência de um organismo enquanto espécie.

Skinner³ nos diz que para entendermos as contingências de reforçamento da melhor maneira possível, talvez devêssemos tentar compreender melhor o que as contingências de sobrevivência nos mostram. Dessa forma, a ocorrência de comportamentos de fuga e esquiva em contingências de reforçamento determinam também a sobrevivência de um organismo, não enquanto espécie, mas como indivíduo. É automaticamente reforçador que nós nos livremos de situações ruins, desde aquelas que envolvem situações de risco (como um assalto) até situações que envolvem procrastinação (afinal, por que fazer hoje o que pode ser feito amanhã?).

A curto prazo, esquivar-nos e fugir de situações que nos parecem ruins é sempre bom, sempre gerará alívio. No entanto, devemos repensar os efeitos do comportamento de se esquivar e fugir a médio e longo prazo, principalmente no trabalho clínico. Talvez seja interessante começar pensando que, para o cliente/paciente, o próprio comportamento de procurar por terapia possa ter a função de uma esquiva de problemas futuros ou uma fuga de problemas atuais, a depender da demanda e queixa trazidas ao setting terapêutico.

A médio e longo prazo, a esquiva não mais terá esse caráter protetivo, de preservar um indivíduo e manter sua sobrevivência enquanto um ser único em seu ambiente, mas assumirá um caráter nocivo à sua autonomia ante o ambiente e à sua convivência em grupo, ou seja, comprometendo suas habilidades sociais[4].

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Essas hipóteses podem ser válidas se pensarmos que, quanto mais um sujeito se esquiva e foge de situações que podem lhe parecer ruins, mais insensível ao meio ele ficará. Uma vez que o indivíduo não se expõe às contingências de reforçamento que envolvem riscos ele deixa de obter muitos ganhos com isso: não mais será sensível aos outros e, muitas vezes, tornar-se-á insensível consigo mesmo, com relatos como os a seguir: não entendo “de onde vem esse sentimento ruim”. Ou ainda relatará ao seu terapeuta que os sentimentos que lhe fizeram buscar terapia “vêm do nada” e, pior, não consegue discriminar nem quando essas respostas começaram a ocorrer em sua vida.

Esquivar-se de tudo aquilo que pode envolver punição ou eventos aversivos pode lhe tornar incapaz de estabelecer relações genuínas que envolvam intimidade e confiança[5]. Não ser sensível ao outro dessa forma, fará com que o sujeito deixe de ser apenas um “esquivador” para se tornar alguém rígido e inflexível, isto é, que só se comporta com base naquilo que lhe é seguro, naquilo que com certeza dará certo, de acordo com sua história de vida. Em outras palavras: continuará fazendo a mesma coisa que sempre fez, esquivando-se, fechando-se ao novo e às relações.

Mais que isso, quando esse padrão de comportamento é mantido, ou seja, quando o indivíduo esquiva-se do meio, do outro, do que sente, do que pensa (quando sente-se mal, por exemplo, ingere bebida alcoólica ou se droga) e de qualquer outra coisa que possa lhe parecer ruim, um controle verbal mínimo e sutil poderia gerar uma falsa noção de controle do meio.

Além de um padrão rígido e inflexível, o esquivador pode achar que consegue controlar aquilo que sente, aquilo que pensa e até mesmo o outro, afinal, se eu me sinto mal, só preciso criar respostas competitivas que “desviem” o que me incomoda e aí tudo volta ao normal, tudo se torna simples. E ainda assim, o cliente/paciente não consegue entender o motivo de todos esses sentimentos e pensamentos ainda ocorrerem, por mais que ele saiba exatamente o que fazer.

E não entende justamente por ter se tornado insensível em função da esquiva. Se um sujeito tem um repertório comportamental de esquiva muito bem instalado e refinado, isto é, se ele é capaz de emitir respostas de esquiva e fuga para as mais diversas situações, das mais simples às mais complexas, não há sensibilidade nem espaço para um repertório alternativo. E, por repertório alternativo, entende-se um repertório de enfrentamento eficaz a ponto de fazer com que o cliente/paciente perceba como viver as contingências em que se está inserido é bom, pois é só por meio dessa vivência genuína que repertórios de autoconhecimento, autonomia, confiança e intimidade são instalados e mantidos.

Sendo assim, é papel do terapeuta utilizar-se de técnicas e procedimentos capazes de fazer com que o indivíduo consiga enfrentar situações ruins e estabelecer repertórios de enfrentamento, por meio de bloqueio de esquiva, as terapias de terceira onda como a Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) e alguns princípios da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT).

Esse texto é uma visão pessoal de um terapeuta de como conceitos básicos do comportamento podem ter implicações muito maiores quando entendemos sua importância no contexto clínico, compreendendo seus possíveis efeitos a médio e longo prazo. Apesar de ser um tema muito estudado e frequentemente abordado em diversos textos e publicações, falar de mais do mesmo pode ser útil e desejável.

 

 

Referências

 

Catania, A. C. (1999) Aprendizagem – Comportamento, Linguagem e Cognição. Porto Alegre: Artmed.

Del Prette, A.; Del Prette, Z. A. P. (2007) Psicologia das relações interpessoais: vivências para o trabalho em grupo. 6 ed. Petrópolis: Editora Vozes.

Del Prette, A.; Del Prette, Z. A. P. (2012) Psicologia das habilidades sociais: terapia, educação e trabalho. 9 ed. Petrópolis: Editora Vozes.

Del Prette, A.; Del Prette, Z. A. P. (2013) Psicologia das habilidades sociais: diversidade teórica e suas implicações. 3 ed. Petrópolis: Editora Vozes.

Sidman, M. (1995) Coerção e suas implicações. São Paulo: Editorial PSY II.

Skinner, B. F. (1953) Science and Human Behavior. New York: Free Press.

Skinner, B. F. (1971) Beyond Freedom and Dignity. New York: Hackett Publishing Company.

Skinner, B. F. (1974) About Behaviorism. New York: Vintage Books.

Tsai, M.; Kohlenberg, R. J.; Kanter, J. W.; Kohlenberg, B.; Follette, W. C.; Callaghan, G. M. (2011) Um Guia para a Psicoterapia Analítica Funcional (FAP): Consciência, Coragem, Amor e Behaviorismo. Santo André: ESETec Editores Associados.

 

 

 

 

[1] Catania, A. C. (1999) Aprendizagem – Comportamento, Linguagem e Cognição. Porto Alegre: Artmed.

Skinner, B. F. (1971) Beyond Freedom and Dignity. New York: Hackett Publishing Company.

Sidman, M. (1995) Coerção e suas implicações. São Paulo: Editorial PSY II.

[2] Skinner, B. F. (1953) Science and Human Behavior. New York: Free Press.

Skinner, (1971) Beyond Freedom and Dignity. New York: Hackett Publishing Company.

Sidman, M. (1995) Coerção e suas implicações. São Paulo: Editorial PSY II.

[3] Skinner, B. F. (1974) About Behaviorism. New York: Vintage Books.

[4] Del Prette, A.; Del Prette, Z. A. P. (2007) Psicologia das relações interpessoais: vivências para o trabalho em grupo. 6 ed. Petrópolis: Editora Vozes.

Del Prette, A.; Del Prette, Z. A. P. (2012) Psicologia das habilidades sociais: terapia, educação e trabalho. 9 ed. Petrópolis: Editora Vozes.

Del Prette, A.; Del Prette, Z. A. P. (2013) Psicologia das habilidades sociais: diversidade teórica e suas implicações. 3 ed. Petrópolis: Editora Vozes.

[5] Tsai, M.; Kohlenberg, R. J.; Kanter, J. W.; Kohlenberg, B.; Follette, W. C.; Callaghan, G. M. (2011) Um Guia para a Psicoterapia Analítica Funcional (FAP): Consciência, Coragem, Amor e Behaviorismo. Santo André: ESETec Editores Associados.

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Escrito por Renan Miguel Albanezi

Graduado em Psicologia pelo Centro Universitário Cesumar (UniCesumar), especialista em Análise do Comportamento e Psicoterapia Cognitivo-Comportamental pelo Núcleo de Educação Continuada do Paraná (NECPAR) e em Terapia Comportamental pela Universidade de São Paulo (USP). Tem como principais áreas de estudo o Behaviorismo Radical e a Análise do Comportamento com interesse em comportamento verbal, agências controladoras do comportamento, psicoterapia comportamental e psicoterapia analítica funcional.

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