Como parte de uma cobertura especial ao 9o Encontro de Análise do Comportamento da PUC-SP (para mais informações https://eacnapucsp.wordpress.com), o Comporte-se convidou dois palestrantes para serem entrevistados sobre sua área de especialidade. O convidado da vez é o psiquiatra Felipe Corchs, que vai falar sobre a interface entre a psiquiatria a a análise do comportamento.
Mini-currículo do entrevistado:
Possui Graduação em Medicina (2001), Residência Médica em Psiquiatria (2005) e Doutorado em Ciências [área de concentração – Psiquiatria (2008)] pela Faculdade de Medicina da USP. É Professor Colaborador do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e no centro Paradigma. Tem interesse acadêmico especial nas áreas de interface entre as psicoterapias e psicologia experimental (especialmente de orientação analítico comportamental) e neurociências
- Quando começou a se interessar pela psicologia? Por que o foco em análise do comportamento?
Felipe: Desde pequeno me interesso muito por psicologia e por ciência. Por exemplo, um dos presentes que lembro de pedir aos meus pais foi um pequeno laboratório de química. Além disso me interessavam profissões que buscam ajudar as pessoas, como socorrista ou bombeiro. Então na medicina eu consegui encontrar um jeito de conciliar ciência com assistência, principalmente na psiquiatria. Já na residência em psiquiatria entrei em contato com a terapia cognitivo-comportamental que se propunha a fazer algo mais científico, mas a estrutura rígida da sessão me afastou. Foi quando comecei a fazer supervisão com a Maly Delitti e ao ver uma palestra do Roberto Banaco sobre modelos experimentais de psicopatologia que tornei analista do comportamento mesmo.
- Você enfrentou ou enfrenta algum preconceito por parte de psiquiatras ou de analistas do comportamento?
Felipe: Com exceção de alguns psiquiatras de orientação psicodinâmica eu não encontrei nenhum preconceito por parte da psiquiatria, pelo contrário, sempre pude contar sobre o que estava estudando e receber elogios. O mesmo não ocorreu na análise do comportamento, sofri muito preconceito no começo, as pessoas me olhavam de um jeito desconfiado, quase como se eu fosse um infiltrado. Mas isso vem diminuindo bastante, hoje em dia sinto uma aceitação muito maior do que antes, tanto em um nível pessoal quanto acadêmico.
- Quais as principais contribuições da Análise do Comportamento para a Psiquiatria?
Felipe: Vou destacar duas: uma filosófica e outra científica. A primeira se refere a construção de uma ciência que é orientado por uma filosofia (behaviorismo radical) que aumenta a consistência interna e orienta a pesquisa/aplicação. Isso é ainda mais importante quando a posição monista do behaviorismo radical é levado em conta, dado a dificuldade atual da psiquiatria em explicar o comportamento substituindo “mente” por “cérebro” ou “cognição”, mas ainda mantendo uma perspectiva dualista. Outra contribuição é o desenvolvimento de uma teoria respaldada por dados experimentais. Quando os conceitos derivam das pesquisas, se constrói uma prática muito parcimoniosa e científica.
- O que os analistas do comportamento podem aprender com a Psiquiatria?
Felipe: Acho que a psiquiatria, por ser uma área médica vem de uma tradição que se constrói não em cima do objeto de estudo, mas pelos problemas do mundo que ela vai resolver. A impressão que eu tenho é que a psicologia faz o inverso, indo da teoria para a aplicação. Com isso eu vejo que a medicina tem um compromisso muito maior com a aplicação, com um rigor muito grande em demonstrar se a prática é eficiente e segura.
- Quais são as principais dificuldades enfrentadas na formação de Psiquiatras que sejam analistas do comportamento?
Felipe: Uma das principais dificuldades é o contato inicial do estudante de psiquiatria com uma forma nova de ver o humano e com uma literatura repleta de termos desconhecidos. É importante lembrar que eu estou falando do começo pois só existem psiquiatras analistas do comportamento em início de carreira, mas estão sendo formadas novas turmas por aí. Outra dificuldade é que já nas primeiras aulas de análise do comportamento, o questionamento de ideias que são muito aceitas pela comunidade médica acadêmica (por ex.: memória, atenção) coloca em jogo um repertório forte dos alunos de residência.
- O que se pode fazer para que haja uma integração maior entre as áreas?
Felipe: Eu acho que, tanto nos cursos de psicologia quanto de medicina, deveria haver mais espaço para o ensino de ambas. Isto vai muito além do que apenas falar que defende a integração e na prática e em seus ensinamentos se posicionar como alguém que rivaliza. A formação, especialmente em psicologia, ensina que tudo o que não é o que eu estudo é meu rival. De fato, teorias diferentes são rivais, como a psicanálise e a comportamental. Entretanto, as coisas não são bem assim nas ciências naturais. Vale lembrar da escola. Era visível que não existe uma linha bem traçada entre a física e a química. Nesse sentido, ao abordar a psicologia como uma ciência natural, as distinções entre essa e outras ciências naturais, como a psiquiatria biológica e as neurociências, são muito mais arbitrárias do que naturais. O contrário seria algo parecido com achar que química e física são rivais. Se queremos perseguir uma abordagem verdadeiramente científico natural das áreas relacionadas à psicologia devemos passar a abordar (e ensinar) o assunto nesses moldes.
- Para finalizar, você poderia deixar algumas dicas ou sugestões de leitura para os analistas do comportamento que se interessam pelo tema?
- Corchs, F. (2011). É possível ser um psiquiatra behaviorista radical? Primeiras reflexões. Perspectivas em Análise do Comportamento, 1(1).
- Gonçalves, F. L., & Silva, M. T. (1999). Mecanismos fisiológicos do reforço. Sobre comportamento e cognição, 4, 272-281.
- Donahoe, J. W., & Palmer, D. C. (1994). Learning and complex behavior. Allyn & Bacon.
- Galvão, O. F. (1999). O reforçamento na biologia evolucionária atual. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 1(1), 49-56.