O texto de hoje, infelizmente, não é destinado a todos os públicos, mas a uma parcela da sociedade e da própria cultura analítico-comportamental que pode se interessar em ler e fazer reflexões advindas do estudo do comportamento verbal para Skinner[1].
O autor dedica o maior capítulo do Verbal Behavior ao estudo do Tato, dessa forma, seria prudente dizer que talvez nenhum artigo científico ou livro didático tenha conseguido abordar de forma fidedigna a complexidade desse operante verbal e, claramente, o presente texto não tem o intento de mostrar essa complexidade. Ainda assim, se faz necessária uma compreensão básica.
Talvez o segredo para se estudar os operantes verbais seja o controle de estímulos[2]. Sendo assim, quando nos deparamos com o estudo do comportamento verbal, a primeira pergunta que devemos fazer é a seguinte: qual é a estimulação que serve de ocasião para a emissão dessa resposta verbal e qual é a consequência que retroage sobre essa resposta emitida?
O tato, especificamente, depende de uma estimulação antecedente não verbal, ou seja, propriedades e objetos do ambiente não verbal ocasionarão uma resposta verbal (admitida tanto em forma motora como falada[3]) e tem como consequência o reforçamento generalizado fornecido pela comunidade verbal. E é do interesse da comunidade verbal que o falante tenha o repertório de tatear, pois, é por meio desse operante verbal que o indivíduo consegue falar sobre o mundo que o cerca e sobre o mundo dentro de sua própria pele[4].
No entanto, falar sobre o mundo que nos cerca e sobre o que acontece dentro de nós é mais difícil do que parece, uma vez que o mesmo agente controlador que demanda nosso repertório de tatear, a comunidade verbal, é o mesmo que consequencia, e, muitas vezes, sem acesso direto ao controle de estímulos antecedente[5]. Acrescido a isso, temos o fato de que o mundo não é perfeito, de que não são só tatos puros que serão consequenciados. Para elucidar essa questão, Skinner¹ nos fala sobre as extensões do tato, categorizando quatro principais: genérica, metafórica, metonímica e solecística (ou de solecismo) e, nos parágrafos posteriores, daremos ênfase, mesmo que superficialmente, à extensão metafórica.
A principal característica da extensão metafórica do tato é que ele é determinado, em partes, por “propriedades de estímulo que, embora presentes no reforçamento, não entram na contingência respeitada pela comunidade verbal”[6], então, por que a comunidade verbal reforça esse comportamento? Talvez seja pelo simples fato de que se não admitissem esse tipo de extensão, o falante não conseguiria falar.
No entanto, mesmo em suas extensões, o controle de estímulos do tato deve ser respeitado, dessa forma, uma metáfora pode surgir de uma estimulação interna associada a uma estimulação externa (“essa dor parece uma facada na minha cabeça”) ou também de mais de um estímulo externo que possa evocar no falante uma mesma classe de sensações (como no exemplo clássico de Skinner¹: “Julieta é como o sol para mim”). Dessa forma, o que impera, grosso modo, é o princípio da generalização e a própria história de vida do falante com relação ao seu próprio mundo e ao mundo físico externo.
E, para Skinner¹, uma metáfora só será metáfora se partir desse controle de estímulos.Tomar a concepção leiga de metáfora como verdadeira no estudo do comportamento verbal fará com que o analista do comportamento não mais respeite a tríplice relação de contingência que determina o tato. Então, dizer que “está azul de fome” só porque ouviu alguém dizer algum dia não se caracterizaria como um tato metafórico.
Skinner¹ aponta que, desde os tempos de Aristóteles, se concebia a capacidade de formular uma metáfora à uma capacidade cognitiva superior, quando, na verdade, a resposta está onde sempre esteve, isto é, fora do organismo e nas contingências de reforçamento às quais o falante está inserido.
Isso fica ainda mais claro quando dizemos que algumas culturas como a própria cultura americana (como exposto por Skinner[7]) estabelecem relações metafóricas que outras comunidades não estabelecem. Sendo assim, a relação de tato aqui se estabelece pura e exclusivamente pelo que a comunidade verbal decide reforçar ou não. E uma das propriedades de controle que mais podem chamar atenção, no caso do tato metafórico, é a relação que se estabelece entre estímulos com base no próprio reforçamento provido pela comunidade verbal.
Para que o falante diga “essa dor parece uma facada na minha cabeça” ele não precisa ter sido exposto à contingência em si; em outras palavras, ele não precisa ter sido esfaqueado e Skinner[8] reconheceu isso: As contingências de reforçamento determinadas pela comunidade verbal é que ditarão o quê o falante dirá sobre um determinado estímulo ou não, seja ele público ou privado. Dessa forma, o que parece é que Skinner deu o pontapé inicial a conceitos que hoje foram refinados e que chamamos de equivalência de estímulos e relações de equivalência[9].
O texto não fugirá de seu intuito inicial que é o de servir de ocasião para reflexões sobre as concepções e conceitos skinnerianos de comportamento verbal, especialmente a extensão metafórica do tato, que respeita o controle de estímulos primário desse operante verbal, dependendo não só dos estímulos presentes, mas também da história de vida do falante e do princípio de generalização. Também é importante salientar, novamente, que a reprodução de uma metáfora não necessariamente será considerada tato metafórico e seria interessante começar a pensar também que tal extensão do tato pode ser um pontapé inicial de Skinner para o estudo das relações de equivalência.
[1] Skinner, B. F. (1957) Verbal Behavior. Cambridge: Copley Publishing Group.
[2] Sério, T. M. A. P.; Andery, M. A.; Gioia, P. S.; Micheletto, N. (2015) Controle de estímulos e comportamento operante – uma nova introdução. 3 ed. São Paulo: EDUC.
[3] Matos, M. A. (1991) As Categorias Formais de Comportamento Verbal em Skinner. Anais da XXI Reunião da Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto, p. 333 – 341.
[4]Abreu, P. R.; Hübner, M. M. C. (2012) O comportamento verbal para B. F. Skinner e para S. C. Hayes: uma síntese com base na mediação social arbitrária do reforçamento. Acta Comportamentalia, Guadalajara, v. 20, n. 3, p. 367-381.
Ardila, R. (2007) Verbal Behavior de B. F. Skinner: sua importância no estudo do comportamento. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, Belo Horizonte, v. IX, n. 2, p. 195-197.
[5] Skinner aponta formas da comunidade verbal “driblar” a falta de acesso e consequenciar verbalizações sobre eventos privados, a saber: https://comportese.com/2014/10/o-que-voce-esta-sentindo-sobre-as-alternativas-da-comunidade-verbal-para-reforcar-verbalizacoes-de-eventos-privados/
[6] Skinner, 1957, p. 92.
[7] Skinner, 1957, p. 94.
[8] Skinner, B. F. (1957) Verbal Behavior. Cambridge: Copley Publishing Group.
Skinner, B. F. (1959) Cumulative Record. Cambridge: Copley Publishing Group.
Skinner, B. F. (1974) About Behaviorism. New York: Vintage Books.
[9]De Rose, J. C.; Bortoloti, R. (2007) A Equivalência de Estímulos como Modelo do Significado. Acta Comportamentalia. v. 15, pp. 83-102.
Sério, T. M. A. P.; Andery, M. A.; Gioia, P. S.; Micheletto, N. (2015) Controle de estímulos e comportamento operante – uma nova introdução. 3 ed. São Paulo: EDUC.
Sidman, M. (2000) Equivalence Relations and the Reinforcement Contingency. Journalofthe Experimental AnalysisofBehavior. v. 74, n. 1, pp. 127-146.
Sidman, M. (2009) Equivalence Relations and Behaior: An Introductory Tutorial. The Analysis of Verbal Behavior. v. 25, n. 1, pp. 5-17.
Hübner, M. M. C. (2006) Controle de Estímulos e Relações de Equivalência. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva. v. VIII, n. 1, pp. 95-102.
Referências
Abreu, P. R.; Hübner, M. M. C. (2012) O comportamento verbal para B. F. Skinner e para S. C. Hayes: uma síntese com base na mediação social arbitrária do reforçamento. Acta Comportamentalia, Guadalajara, v. 20, n. 3, p. 367-381.
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De Rose, J. C.; Bortoloti, R. (2007) A Equivalência de Estímulos como Modelo do Significado. Acta Comportamentalia. v. 15, pp. 83-102.
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Skinner, B. F. (1957) Verbal Behavior. Cambridge: Copley Publishing Group.
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Skinner, B. F. (1974) AboutBehaviorism. New York: Vintage Books.