Em meu último artigo, intitulado “A mudança de emoções em terapia analítico-comportamental”, discuti como a mudança de comportamentos pode facilitar a mudança de emoções, e ao final citei algumas estratégias de intervenções analítico-comportamentais que podem contribuir neste sentido, uma delas foi a Ativação Comportamental (AC).
Optei por abordar este tema neste artigo por dois motivos: 1) a depressão é um problema de saúde que traz muito sofrimento e, consequentemente, pessoas depressivas querem mudar a maneira como se sentem, mas isso não necessariamente é acompanhando por uma disposição para agir, o que facilitaria a mudança das emoções; e 2) a AC é uma estratégia de intervenção que visa auxiliar o paciente a agir em sua vida de modo a reduzir as esquivas e aumentar a probabilidade de consequências reforçadoras – ou as gratificações – para suas ações, o que facilitaria a ocorrência de emoções mais agradáveis, de comportamentos mais adaptativos, e da resolução do quadro depressivo.
Apesar da presença evidente de uma tristeza profunda e do desejo do paciente por mudar a forma como se sente, segundo o DSM IV-TR outros sintomas precisam estar presentes para que se faça o diagnóstico de depressão, como: perda do interesse ou prazer, perda ou ganho significativo de peso, insônia ou hipersonia, agitação ou retardo psicomotor, fadiga ou perda de energia, sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva, dificuldade de concentração ou para tomar decisões, ideação suicida ou tentativa de suicídio. Portanto, trata-se de um conjunto de comportamentos operantes e respondentes que interferem diretamente na qualidade de vida do indivíduo, causando prejuízos nas relações familiares, nas relações sociais, no trabalho, e até mesmo financeiramente.
Algumas dessas características da depressão têm sido estudadas por analistas do comportamento enquanto subprocessos da depressão, e estes estudos resultaram em modelos experimentais explicativos. Assim, a abulia (dificuldade ou incapacidade para tomar decisões) tem sido estudada pelo modelo de liberação de reforço livre, a anedonia (dificuldade ou incapacidade de sentir prazer) tem sido estudada pelo modelo do Chronic Mild Stress, a irritabilidade pelo modelo de extinção de comportamento, a falta de iniciativa também pelo modelo de extinção e pelo modelo de desamparo aprendido, e a paralisia pelo modelo de supressão condicionada (Banaco, Zamignani, Costa e Dantas, 2014).
Analistas do comportamento interessados em saber mais a respeito destes modelos experimentais, podem consultar Banaco e cols. (2014). Para a finalidade deste artigo, os modelos foram citados para que o leitor saiba que a psicologia, mais especificamente a Análise do Comportamento, tem um embasamento científico para as explicações do fenômeno da depressão. A despeito da variedade de modelos citados, há um ponto em comum entre eles, todos sinalizam a existência de relações contingentes entre as ações de uma pessoa e o ambiente em que ela está inserida, denotando a importância de se atentar para a forma como o depressivo age em sua vida e as consequências que ele obtém por agir de tal modo (Dimidjian, Martell, Addis e Herman-Dunn, 2009).
Neste sentido, quando se analisa as relações entre comportamento e ambiente em casos de depressão, verifica-se que diante da ocorrência forte ou frequente de estimulações aversivas e/ou perda de reforçadores positivos (fatores ambientais), a pessoa passa a emitir mais frequentemente respostas de fuga e esquiva (ações do indivíduo), culminando em uma redução da atividade e, consequentemente, em uma redução de exposição a possíveis reforçadores (Dimidjian et. al., 2009; Wielenska, 2014). Em outras palavras, diante de dificuldades que a vida apresenta, algumas pessoas recuam, passam a se isolar, a se esquivar, mas consequentemente elas também acabam se isolando de situações que poderiam ser gratificantes, que poderiam ter um impacto positivo no humor e em seu funcionamento geral.
Como exemplo, considere uma pessoa que perde algum familiar com quem tem um vínculo afetivo forte. A morte de uma pessoa afetivamente importante pode ser considerada como uma estimulação aversiva (fator ambiental) que elicia emoções e sensações desagradáveis como tristeza, angústia, raiva, vazio, etc. Diante disso, é comum que no processo de luto as pessoas se isolem momentaneamente, mas aos poucos retomam as atividades rotineiras. Entretanto, em alguns casos, não ocorre esse retorno e o que se verifica é uma intensificação do sofrimento, podendo culminar em um quadro depressivo. É possível que esta pessoa esteja se esquivando de estimulações aversivas como pessoas lhe perguntando se ela está melhor, se ela aceitou a morte do ente querido, ou até mesmo evitando atividades de rotina porque muitas delas lembram a pessoa falecida. Assim, a pessoa se isola cada vez mais a fim de evitar fontes de sofrimento e, consequentemente, se impede de ter acesso a reforços positivos, ou seja, isola-se também de situações que poderiam lhe ser gratificantes e que poderiam ter um efeito positivo sobre seu humor e sobre a resolução do luto e/ou da depressão.
É nesse panorama de análise que a AC surge como um dos tratamentos para a depressão e que tem sua eficácia validada cientificamente. Assim, neste modelo há uma premissa de que os problemas de vida das pessoas e a maneira como elas agem diante deles – se esquivando – está diminuindo a capacidade de elas obterem gratificações. Então, o tratamento é orientando para a mudança destas ações, promovendo comportamentos incompatíveis com a esquiva, que sejam mais adaptativos e que facilitem tais gratificações, tendo um impacto direto sobre o humor (Dimidjian et. al., 2009; Wielenska, 2014).
As intervenções feitas durante o tratamento são pautadas em análises funcionais que indicam como os comportamentos depressivos impactam nos diversos domínios da vida. Assim, a AC difere de uma agenda comum de atividades prazerosas porque os passos que são definidos para o cliente são baseados em seu contexto de vida, identificando os eventos que contribuíram para a instalação do quadro depressivo e, a partir disso, formas de agir que possam ser benéficas para a solução do caso. Deste modo, a AC é feita sob medida para cada cliente, levando em consideração as necessidades e valores de cada um, o que confere maior possibilidade de êxito no tratamento (Dimidjian et. al., 2009).
Por este motivo, o terapeuta deve estar atento ao repertório comportamental do paciente e, a partir disso, discutir junto a ele passos que sejam viáveis, passos que ele possa executar e que facilitem a ocorrência de reforços naturais, ou seja, de gratificações que sejam consequências diretas de sua ação. Gradativamente, o terapeuta pode aumentar a exigência desses passos, discutindo e acordando com o cliente ações cada vez maiores. Em um primeiro momento, um passo pequeno poderia ser levantar-se da cama mais cedo para tomar o café da manhã, e a partir disso respostas com um custo maior podem ser gradualmente selecionadas, até que o cliente se torne capaz de emitir respostas mais complexas como, por exemplo, de resolução de problemas e conflitos que estejam sendo fonte de estimulações aversivas para ele. Assim, tem-se um processo de modelagem, em que o terapeuta instala paulatinamente um novo repertório comportamental (Wielenska, 2014).
Este processo de intervenção desenvolve-se por meio de algumas etapas (Dimidjian et. al., 2009):
1) Em um primeiro momento, o terapeuta deve orientar sobre o tratamento, discutindo o modelo de Ativação Comportamental, elucidando como a mudança de comportamentos pode impactar na mudança de humor e na resolução do quadro depressivo.
2) Em um segundo momento, deve ocorrer o desenvolvimento dos objetivos de tratamento; o foco geral e principal é auxiliar os pacientes na mudança de comportamentos para diminuir a esquiva e facilitar o acesso a reforços positivos, assim, os objetivos específicos centram-se inicialmente em respostas de esquiva que, gradativamente, vão sendo substituídas por respostas de enfrentamento e que também facilitam o acesso às gratificações; objetivos de curto e longo prazo também devem ser estabelecidos nesta etapa.
3) Paralelamente, deve ocorrer o que se chama de individualização da ativação e alvos de envolvimento, o que consiste basicamente em identificar, por meio de análises funcionais, as variáveis mantenedoras do quadro depressivo que são passíveis de mudanças, e as respostas alternativas passíveis de reforço natural.
4) E então tem-se as estratégias de ativação e envolvimento para aplicação e resolução de problemas, que compreendem o agendamento de atividades, automonitoramento, atribuição gradual de tarefas, modificação da evitação e solução de problemas, estratégias de envolvimento, revisão e consolidação de conquistas de tratamento.
A aplicação deste processo pode variar desde a utilização de protocolos e estruturas específicas para cada sessão terapêutica (Lejuez et. al., 2011), à protocolos que fornecem uma estrutura flexível para as sessões de acordo com a demanda de cada cliente, sempre mantendo o foco na análise de contingências e na ativação de comportamentos (Martell, Addis e Jacobson, 2001).
A despeito destas variações, o processo da AC é eficaz para o tratamento da depressão e validado experimentalmente. Mas, apesar da eficácia, é preciso considerá-lo como uma possibilidade de intervenção, e não como a única alternativa. Em casos de depressão moderada e grave, por exemplo, os pacientes podem ser beneficiados de um tratamento psiquiátrico paralelamente ao tratamento psicológico, pois o processo de psicoterapia pode demandar tempo, o que seria perigoso considerando que alguns casos têm risco de suicídio, e também pelo fato de que a depressão pode ser decorrente de alterações biológicas (Wielenska, 2014).
Assim sendo, terapeutas analítico-comportamentais, a partir de suas análises funcionais, podem se beneficiar muito desta estratégia de intervenção para o tratamento da depressão, mas é preciso que a AC seja bem compreendida para que o terapeuta não confunda este procedimento com a agenda de atividades prazerosas frequentemente sugerida em alguns manuais de psicologia. A AC é um procedimento que se pauta no repertório comportamental e nas necessidades de cada pessoa, pois aquilo que tem efeito reforçador para um pode inclusive ser aversivo para o outro.
REFERÊNCIAS
American Psychiatric Association. (2002). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (4a ed.). Porto Alegre: Artmed.
Banaco, R. A.; Zamignani, D. R.; Costa, C. E; & Dantas, M. R. (2014). Modelos experimentais da depressão. In Bittencourt, A. C. C. P.; Neto, E. C. A.; Rodrigues, M. E.; & Araripe, N. B. (Eds.), Depressão: Psicopatologia e Terapia Analítico-Comportamental. (pp. 107-112). Curitiba: Juruá
Dimidjian, S.; Martell, C. R.; Addis, M. E.; & Herman-Dunn, R. (2009). Ativação comportamental para depressão. In. D. H. Barlow. (Ed.), Manual clínico dos transtornos psicológicos: tratamento passo a passo. (pp. 329-365). Porto Alegre: Artmed.
Lejuez, C. W.; Hopko, D. R.; Acierno, R.; Daughters, S. B.; Pagoto, S. L. Ten year revision of the brief behavioral activation treatment for depression: revised treatment manual. Behav modif. v. 35 n. 2, p.111-161, 2011.
Martell, C., Addis, M., & Jacobson, N. (2001). Depression in context: Strategies for guided action. New York: Norton.
Wielenska, R. C. (2014). Terapia Analítico-Comportamental da Depressão. In Bittencourt, A. C. C. P.; Neto, E. C. A.; Rodrigues, M. E.; & Araripe, N. B. (Eds.), Depressão: Psicopatologia e Terapia Analítico-Comportamental. (pp. 107-112). Curitiba: Juruá.