A mudança de emoções em terapia analítico-comportamental

Os motivos que levam as pessoas a buscarem ajuda psicológica são muito variados, mas é frequente elas começarem as primeiras consultas se queixando de emoções desagradáveis, que estão associadas a problemas em suas vidas. Muitas vezes também, elas relatam que buscaram a psicoterapia porque querem parar de sentir assim, querem ajuda para sentirem-se melhores. Há casos ainda, em que o cliente se afasta de determinados contextos de sua vida – como trabalho, universidade, relacionamentos, etc. – esperando mudar e melhorar as emoções para, então, voltar para estes contextos.

Nem sempre é assim, há clientes que buscam psicoterapia com o objetivo explícito de aprender a lidar de forma mais efetiva em determinadas situações, o que evolve um pedido de mudança de ação, não de emoção. De qualquer forma, o foco deste texto é sobre aqueles que esperam que o terapeuta mude as emoções desagradáveis que estão sentindo. Ressalto este aspecto porque, de fato, tenho observado e recebido pedidos diretos de alívio e de mudança de emoções ruins, como se eu tivesse uma técnica que pudesse atingir esse objetivo diretamente, independente da forma com que a pessoa está agindo em sua vida. Nestes casos, busco falar descontraidamente que não tenho uma “varinha mágica” que me concede este poder, mas que podemos aprender formas de atingir este objetivo, e é isso que pretendo discutir neste artigo.

Ocorre que, em Análise do Comportamento, as emoções não são consideradas causadoras de comportamentos, como se verifica no relato comum das pessoas – e.g.: “fiquei com raiva e acabei brigando” ou “fiquei com medo e acabei fugindo”. As causas das emoções são procuradas nas circunstâncias passadas e presentes de vida, ou seja, eventos que ocorreram e que ocorrem na vida das pessoas, e que contribuem para que elas se sintam e se comportem de determinadas formas (Skinner, 1979/2003).      Assim, por exemplo, podemos supor que uma pessoa com um histórico de punições em situações onde falou em público, tem maior probabilidade de desenvolver ansiedade quando precisar apresentar um trabalho na universidade, ou quando precisar apresentar um projeto em seu trabalho.

Ao invés de considerar que emoções causam comportamentos, em Análise do Comportamento se entende que as emoções alteram a predisposição para ações. Assim, por exemplo, uma pessoa que está sentindo amor tem mais probabilidade de dizer que ama alguém, de abraçar ou acariciar, de comprar presentes, etc. Amar alguém, portanto, aumenta a disposição daquele que ama a fazer as coisas que a pessoa amada aprecia ou gosta que sejam feitas. (Skinner, 1974/2006).

Falar de emoções como causadoras de ações, implica em uma relação direta do tipo “eu agi desta forma porque estava me sentido assim”. Mas, falar em predisposição envolve considerar as situações que favoreceram o surgimento da emoção, as respostas fisiológicas da emoção propriamente dita, como a pessoa age, e as consequências de sua ação. Portanto, uma pessoa está mais predisposta a agir de determinadas formas a depender da emoção e dos eventos antecedentes e consequentes. (Thomaz, 2012).

Considere o exemplo de uma esposa que viu seu marido conversando com outra mulher, e que então relata sentir raiva.

Tabela 1. Análise funcional

Situação Respostas Consequências
Marido conversando com outra mulher. – Sente taquicardia, tremor, respiração acelerada. (Respostas fisiológicas)

– Aproxima-se do marido e da mulher, fala alto e xinga a mulher. (Ações)

Reforço negativo:

– Mulher se afasta e não volta a interagir com o marido.

– Esposa sente-se aliviada.

 

Considerando que os textos deste site são lidos por pessoas que não necessariamente estão familiarizadas com a Análise do Comportamento, optou-se por apresentar o exemplo em uma análise funcional mais simplificada e fácil de ser explicada aos diversos leitores. Sugiro que analistas do comportamento interessados no tema, consultem a análise proposta por Thomaz (2012), que se encontra mais detalhada.

Sobre o exemplo apresentado a Tabela 1, é possível perceber que os sintomas corporais, chamados aqui de respostas fisiológicas, são apenas parte do que se considera ser a raiva, isso porque considera-la apenas com base nos sintomas corporais pode ser um problema, visto que “condições corporais fisiologicamente iguais estão presentes em diferentes episódios emocionais” (Thomaz, 2012, p. 43).

Neste caso, a raiva, assim como qualquer outra emoção, precisa ser caracterizada em um contexto, como pela relação de dependência entre os fenômenos descritos nas três colunas da tabela. É o fato de que as respostas fisiológicas foram sentidas diante de uma determinada situação (marido conversando com a mulher), que estas repostas fisiológicas tornaram mais provável que a esposa falasse alto e xingasse a mulher com quem seu marido estava conversando, e que sua ação produziu como consequência o afastamento dessa mulher, portanto, a eliminação de uma estimulação aversiva, o que caracteriza a consequência como um reforço negativo.

Ao examinar a Tabela 1, é possível entender a questão exposta no início deste texto, quando é sugerido que terapeutas analítico-comportamentais não mudam diretamente a emoção de seus clientes, mas buscam analisar as contingências produtoras e mantenedoras de tais emoções, para então intervir em mudanças nessas contingências. O exemplo mostra que são as ações da esposa que produzem o sentimento de alívio; suas emoções não produzem nada diretamente, apenas aumentam a probabilidade de que ela se comporte de determinadas formas. A questão neste exemplo é que a forma de resolver o problema não é assertiva, e possivelmente ainda acarretaria em discussões com o marido em um segundo momento.  Assim, investir em formas diferentes de agir pode ser uma maneira de intervir neste caso, visando produzir consequências que tragam como subproduto a mudança de emoções e sentimentos, e ao mesmo tempo favorecendo o bom relacionamento conjugal.

Acredito que discutir essa lógica com os clientes que esperam que os terapeutas mudem suas emoções, pode ser uma alternativa para ajuda-los a entender que essa alteração de emoções depende grandemente de mudanças em ações por parte deles mesmos, e que o processo de psicoterapia exigirá isso deles, exigirá atividade – e não passividade. O terapeuta será um guia neste processo, que fará análises funcionais que nortearão as intervenções escolhidas. E este é outro ponto relevante, as intervenções! Afinal, como o terapeuta pode ajudar o cliente nessas mudanças?

Lembrando que mesmo no caso de emoções precisamos analisar as contingências e manipular os elementos que a compõem visando a alteração de comportamentos, então, todas as possibilidades de intervenções propostas pela Análise do Comportamento Aplicada podem ser relevantes. Seria possível até mesmo citar alguns modelos de terapia em Análise do Comportamento e discorrer sobre o papel que eles exercem na mudança de emoções – Terapia de Aceitação e Compromisso, Ativação Comportamental, Psicoterapia Analítica Funcional, Terapia Comportamental Dialética – mas é a partir das análises funcionais que o terapeuta poderá decidir qual a estratégia mais pertinente ao caso. Aliás, a análise funcional deve ser um instrumento a ser utilizado em todos os momentos do processo de psicoterapia, pois indicará alguns caminhos com mais probabilidade de sucesso, e indicará se a intervenção escolhida está sendo efetiva na medida em que é aplicada. Isso quer dizer que a análise funcional não deve ser apenas do comportamento do cliente, mas também do comportamento do terapeuta na medida em que realiza as intervenções.

REFERÊNCIAS

Skinner, B. F. (1974/2006). O comportamento operante. In B. F. Skinner. (Ed.), Sobre o behaviorismo. (pp. 43-64). São Paulo: Editora Cultrix.

Skinner, B. F. (1979/2003). Emoção. In B. F. Skinner. (Ed.), Ciência e comportamento humano. (pp. 175-186). São Paulo: Martins Fontes.

Thomaz, C. R. C. (2012). Episódios emocionais como interações entre operantes e respondentes. In N. B. Borges; F. A. Cassas. (Eds.), Clínica analítico-comportamental: aspectos teóricos e práticos. (pp. 40-48). Porto Alegre: Artmed.

 

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Escrito por Mônica Camoleze

Psicóloga (CRP 08/15023), graduada pela Universidade Positivo. Especialista em terapia analítico-comportamental pelo Instituto de Análise do Comportamento de Curitiba. Formação em psicoterapia analítica funcional e terapia de aceitação e compromisso pelo Instituto Continuum. Cursou terapia comportamental dialética, pelo Dialectica Psicoterapia Baseada em Evidências. Mestre em psicologia pela Universidade Federal do Paraná, com pesquisa sobre psicoterapia analítica funcional. Atua como psicóloga clínica em Curitiba, atendendo crianças, adolescentes, adultos e casais.

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