Uma breve conversa com James Holland

Ainda podemos ver o behaviorismo cumprir sua promessa. Construir uma sociedade justa, construir uma sociedade não exploradora, construir uma sociedade que aumenta o potencial humano requer uma mudança profunda no homem. Certamente, então, há um importante papel para a ciência da modificação do comportamento na realização do homem revolucionário.

Há muito que ouço a expressão “parte do problema ou parte da solução” e penso em James G. Holland. Talvez uma das vozes mais destoantes do mainstream acadêmico estadunidense, o analista do comportamento foi responsável por uma série de trabalhos de cunho contestador, e recentemente um deles completou 40 anos: “Servirão os princípios comportamentais para os revolucionários?”.

Que princípios comportamentais? Aqueles sistematizados e desenvolvidos por uma filosofia e uma ciência do comportamento. Que revolucionários? Aqueles interessados na “criação de uma sociedade não opressora” e no “desaparecimento dos problemas sociais dos quais as vítimas são frequentemente culpadas” (HOLLAND, 1978a). Ainda que seu alinhamento político o tenha levado a um compromisso com alternativas questionáveis, como sua paixão por Cuba, lugar que visitou mais de uma vez e trabalhou para construir (1978b; 2014), e seus eventuais elogios à China (1975), suas ideias precisam ser traçadas às condições ambientais que constituíram seu contexto, assim como o comportamento das vítimas frequentemente culpabilizadas pelas mazelas sociais por ele denunciadas.

Em um mergulho cuidadoso no contexto do desenvolvimento da análise do comportamento (como campo de investigação científica e também como campo de atuação profissional) através de um importante trabalho de Rutherford (2006), podemos perceber que muitos dos problemas enfrentados pelos modificadores de comportamento, bem como os argumentos de seus antagonistas, continuam não totalmente solucionados. É bem verdade que avançamos. Com ou sem os devidos créditos, instrução programada é uma tecnologia amplamente difundida; a interdisciplinaridade nos aproximou das áreas mais diversas como a medicina, neurociências, antropologia, linguística, arquitetura e planejamento urbano. Talvez os recentes embates sobre os tratamentos disponíveis para transtornos do espectro autista resumam bem o potencial de uma competente análise do comportamento aplicada, e os dados disponíveis e o espaço conquistado são muito promissores.

Faz-se imprescindível notar que tais condições não são tão diferentes hoje do que foram na segunda metade do século XX – especialmente os problemas sociais citadas pelo autor em seus anos de ativismo social, já que as uma vez utópicas alternativas pretensamente socialistas se revelaram um mar de problemas até mesmo para que pudessem ser chamadas socialistas. As ideologias “redentoras” apresentaram uma série de problemas de implementação, e os capitalismos de Estado fantasiados de socialismo avançaram em qualidade de vida na medida em que declinou o poder de contracontrole social por parte de seus cidadãos. Parece que Skinner acertou quando afirmou que agências de controle tendem a trabalhar para sua própria manutenção.

Escrevo estas palavras em tom de homenagem a um dos mais importantes personagens do desenvolvimento da Análise do Comportamento, que pela postura contestadora e pelo projeto político declarado acabou vendo sua carreira sofrer com golpes burocráticos como corte de salário, isolamento de seus pares e, como se não bastasse, o rótulo pejorativo de romântico em meio ao coração do mundo capitalista, notadamente hostil a alternativas de esquerda. Conforme ele enfatizou, compartilho aqui com todos que venham a ler tais palavras a recente correspondência pessoal que tive a felicidade de manter com Jim.

Olá, professor Holland!

Meu nome é Diego, sou um jovem analista do comportamento brasileiro que realmente aprecia sua abordagem a o que recentemente chamou de “ativismo social”. Como você deve saber, um de seus mais importantes artigos está fazendo 40 anos, e aqui no Brasil existem movimentos para a discussão da importante do legado de seus trabalhos e sua abordagem aos problemas sociais e humanos do ponto de vista comportamentalista. Como um jovem admirador e um colega analista do comportamento que trabalha com análise comportamental da cultura, venho lhe perguntar sobre as possibilidades de me conceder uma entrevista sobre sua carreira e as consequências (sempre as consequências, como Skinner costumava dizer) de seu ativismo social e, de certa forma, ativismo comportamentalista ao longo dos anos. O material será publicado em um importante website brasileiro: comportese.com, no qual sou um dos colunistas. O formato será aquele de sua preferência, eu pensei em questões abertas por email, mas não tenho preferências.

Provavelmente está aproveitando seu tempo com seus entes queridos, mas se concordar em fazê-lo, por favor entre em contato comigo.

Abraço, Diego.

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Querido Diego,

Continuo lisonjeado com toda a atenção que meu trabalho de muitas décadas atrás vem recebendo recentemente. Eu não estou certo de que as principais consequências de meu ativismo serão particularmente interessantes, mas estou certo de que foram ao menos três efeitos principais: 1) minha análise comportamental aplicada a situações políticas me rendeu marginalização pelo departamento de minha universidade e uma redução em ganhos por tempo de vida (meu salário foi congelado em certo momento por conta de minhas atividades anti-guerra). Muitas vezes foi uma busca solitária; 2) um revolucionário em alguns contextos é uma figura romântica. Eu acredito que minha esposa, Pamela, inicialmente se sentiu atraída por mim por causa de minha visibilidade como ativista. Como tivemos o melhor do casamento por 40 anos, penso que essa consequência foi poderosamente positiva; 3) acredito que mesmo que minha carreira tenha minguado (estou bastante velho e não mais conectado com o campo como costumava estar), não obstante, muito na minha universidade e em minha comunidade da análise do comportamento respeitam minha contribuição os valores consistentes que demonstrei. Ao todo, as consequências do meu ativismo (e o uso da análise do comportamento para dar sentido a ele) fizeram uma grande vida.

Não acho que uma entrevista possa render mais do que eu disse acima. Sinta-se a vontade para utilizar o que lhe disse em resposta ao seu pedido.

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Jim (posso chamá-lo assim?)

Em primeiro lugar, obrigado por responder meu email. Como um leitor de seu trabalho e um jovem “romântico”, para usar sua precisa expressão, é muito importante para mim. Respeito sua decisão e irei compartilhar sua resposta com amigos próximos que suportam os mesmos valores que lhe renderam essa “grande vida”.

Muito obrigado, e correndo o risco de ser um pouco irritante, se mudar de ideia em algum momento por favor me procure.

Abraço,

Diego.

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Querido Diego,

Sim, você pode me chamar de Jim. E você pode compartilhar minha resposta a qualquer um – não apenas a  amigos próximos. O melhor para você em sua busca por uma grande vida. Existem muitas formas de alcançar uma grande vida, e acho que a minha seguiu um caminho de fazer o que eu valorizei, o que fazia sentido, desprendendo das críticas, e sempre me assegurando do que disse minha mãe (e ela nasceu em 1898) de que “tudo vai se ajeitar… se você der tempo o bastante”. Tempo eu tive.

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Originais:

Hello, professor Holland!

My name is Diego, I’m a young brazilian behavior analyst who really likes your approach to what you recently called “social activism”. As you may know, one of your most important papers is turning 40th, and here in Brazil there are some moves to discuss the importance of the legacy of your writings and your approach to human and social problems in a behavioral point of view. As a young admiror and a fellow behavior analyst who works with behavioral analysis of culture, I’m asking you about the possibilities to allow me to interview you about your career and the consequences (always the consequences, as Skinner use to say) of your social and kind of behavioral activism throughout the years. The material will be published in an important brazilian website: comportese.com, which I’m one of the columnists. The format will be the best one to your preference, I thought about open questions by email, but have no preferences.

Probably you are spending some quality time with your loved ones, but if you agree to do it, please contact me.

Best, Diego.

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Dear Diego,

I continue to be flattered by all the attention that my work from many decades ago is recently receiving. I’m not sure that the key consequences of my activism would be particularly newsworthy but I do believe there were three major effects: 1) my behavioral analysis applied to political situations yielded marginalization by my University department and a reduction in life-time earnings (my salary at one point was frozen due to my Anti-war activities). Often it was a lone pursuit.; 2) a revolutionary in some contexts is a romantic figure. I believe that my wife, Pamela, was initially attracted to me because of my visibility as an activist. Since we’ve had the best of marriage over 40 years, I think that consequence was powerfully positive; 3) I believe that even as my career has waned (I’m quite old and not connected to the field as I used to be) nevertheless, many at my University and in the community of behavior analysis respect what I contributed and the consistent values that I showed. In all, the consequences of my activism (and use of behavior analysis for making sense of it all) have made a great life.

I don’t think an interview could yield more than what I say above. Feel free to use what I have said in a response to your request.

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Jim (can I call you that?)

First of all, thank you for answering my email, as a reader of your work and a young “romantic”, to borrow your precise expression, is very important to me. I respect your decision, and I will share your response with close friends who support the same values that earned your this “great life”.

Thank you, and at the risk of be a little annoying, if you change your mind anytime, please contact me.

Best,

Diego.

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Dear Diego, Yes, you can call me Jim. And you can share my response with anyone — not just close friends. Best to you in your pursuit for a great life. There are many ways to achieve a great life and I found that mine followed a path of doing what I valued, what made sense, sloughing off criticism, and always being assured by what my mother said (and she was born in 1898) that “It would all work out… if you give it enough time.” Time I’ve had.

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Referências

HOLLAND, J. G. Servirán los princípios conductuales para los revolucionários? Em: KELLER, F. S.; RIBES- IÑESTA, E. Modificación de conducta: aplicaciones a la educación. México: Trillas, p. 265-281, 1973.

_______. Behaviorismo para uma sociedade revolucionária. In: BENIMOFF, M. Eastern Psychological Association: Report of the Forty-Sixth Annual Meeting. American Psychologist, v. 30, n. 9, p. 929-930, 1975.

_______. Behaviorism: part of the problem or part of the solution? Journal of Applied Behavior Analysis, v. 11, n. 1, p. 163-174, 1978a.

_______. To Cuba with the Venceremos Brigade. Behaviorists for Social Action, v. 1, p. 21-28, 1978b.

_______. A panel discussion in the history of behavior analysis, 2014. Disponivel em: <https://www.youtube.com/watch?v=YavB86tHcdo>. Acesso em: 04 fev. 2015.

RUTHERFORD, A. The social control of behavior control: behavior modification and individual rights, and research ethics em America, 1971-1979. Journal of the History of the Behavioral Sciences, v. 42, n. 3, p. 203–220, 2006

 

 

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Escrito por Diego Mansano Fernandes

Diego é um um jovem analista do comportamento, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e formado no interior. Formado em Psicologia pela UNESP de Bauru, e Mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem também pela UNESP de Bauru, voltado para a Análise Comportamental da Cultura.

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